Práticas Psicoeducativas: Contribuições do Psicólogo na Atenção Primária
Psychoeducational Practices: Psychologist’s Contributions in Primary Care
Prácticas Psicoeducativas: Aportes del Psicólogo en Atención Primaria
Martina de Paula Eduardo Ravaioli 1
Lilian Maria Borges
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Resumo
A psicoeducação visa ensinar o indivíduo sobre ações preventivas ou terapêuticas. O objetivo da pesquisa foi identificar modos de utilização de intervenções psicoeducativas na atenção primária de municípios do Rio de Janeiro. Vinte e uma psicólogas responderam a dois questionários, um deles sobre formação e atuação profissional e o outro com questões relacionadas ao uso da psicoeducação. Sete destas profissionais participaram de entrevistas semiestruturadas para aprofundamento de suas respostas. Os dados do questionário foram submetidos à análise estatística descritiva, e os relatos das entrevistas foram submetidos à análise de conteúdo. Orientar sobre questões emocionais e para o autocuidado foram finalidades atribuídas à psicoeducação, que era empregada de modo individual e grupal, tanto em consultórios como em salas de espera e em ações no território, com segmentos variados da população. O estudo mostrou aspectos importantes para fortalecer práticas de psicoeducação, incluindo gestão dinâmica do processo e atenção à realidade das comunidades.
Palavras-chave: Educação em Saúde, Psicologia, Atenção Primária à Saúde, psicólogos, saúde pública
Abstract
Psychoeducation aims to teach the individual about preventive or therapeutic actions. The objective of this research was to identify ways of using psychoeducational interventions in primary care of Rio de Janeiro municipalities. Twenty-one psychologists answered two questionnaires, one about training and professional performance and the other with questions related to the use of psychoeducation. Seven of these professionals participated in semi-structured interviews to deepen their responses. The questionnaire data were submitted to descriptive statistical analysis and the interview reports were submitted to content analysis. Guiding about emotional issues and self-care were purposes attributed to psychoeducation, which was employed individually and in groups, both in the office, in waiting rooms and in actions in the territory, with variable segments of the population. The study showed important aspects to strengthen psychoeducation practices, including dynamic management of the process and attention to the reality of the communities.
Keywords: Health Education, Psychology, Primary Health Care, psychologists, public health
Resumen
La psicoeducación tiene como objetivo enseñar al individuo sobre acciones preventivas o terapéuticas. El objetivo de esta investigación fue, identificar las formas de cómo utilizar las intervenciones psicoeducativas en la atención primaria de los municipios de Río de Janeiro. Veintiún psicólogas contestaron a dos cuestionarios, el primero fue sobre su formación académica y desempeño profesional, el segundo sobre preguntas relacionadas con el uso de la psicoeducación. Siete de estas profesionales participaron en entrevistas semiestructuradas para profundizar sus respuestas. Los datos del cuestionario se sometieron a análisis estadístico descriptivo y los informes de la entrevista se sometieron a análisis de contenido. Orientar sobre temas emocionales y de autocuidado fueron finalidades atribuidas a la psicoeducación, que se emplea de modo individual y grupal, tanto en los consultorios, salas de espera o en un determinado territorio y con segmentos variados de la población. El estudio mostró aspectos importantes para fortalecer las prácticas de psicoeducación, incluyendo una gestión dinámica del proceso y atención a la realidad de las comunidades.
Palabras clave: Educación en Salud, Psicología, Atención Primaria de Salud, psicólogos, salud pública
Introdução
A atenção primária ou básica constitui o primeiro nível de contato da população com o sistema de saúde. Atua como uma forma de organização dos serviços de saúde e como o nível de atenção mais próximo ao contexto social dos usuários (Starfield, 2002). No Brasil, a Atenção Básica à Saúde (ABS) é descrita como um conjunto de ações, tanto individuais como coletivas, que abrangem todos os níveis de atenção. São desenvolvidas ações amplas de promoção de saúde, bem como medidas específicas para se prevenir ou diagnosticar doenças o mais precocemente possível, além de incluir ações integradas de cuidado a pessoas com diversas doenças, tendo por objetivo obter o controle do avanço da enfermidade, com seus riscos de complicações e comorbidades, e melhorar a qualidade de vida (Brasil, 2007).
De acordo com a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), entende-se que as ações devam ser realizadas no território, de forma acolhedora e resolutiva, por equipes multiprofissionais preparadas para atender às demandas e necessidades de saúde da população adscrita (Brasil, 2012). Com vistas à maior abrangência destas ações, o Ministério da Saúde criou o Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), definindo-o como equipe multiprofissional composta por variadas especialidades, que atuam de maneira interdisciplinar e integrada para complementar as ações e dar suporte − clínico e pedagógico − aos profissionais das equipes da Estratégia de Saúde da Família (Portaria 2.436/GM, 2017).
O NASF-AB, portanto, envolve um arranjo organizacional em que equipes constituídas por profissionais de distintas áreas do conhecimento atuam de maneira integrada com as equipes da ABS, oferecendo-lhes apoio técnico especializado. Nesta parceria, o saber dos especialistas possibilita base assistencial e viabiliza o suporte técnico-pedagógico aos profissionais que são responsáveis pela atenção direta e continuada de uma população definida (Brasil, 2012). Os psicólogos atuantes nestas equipes de apoio disponibilizam conhecimentos acerca da saúde mental e, assim, colaboram para a ampliação de estratégias destinadas ao cuidado em saúde, além de fortalecerem espaços que primam pela troca de saberes e corresponsabilização de casos (Campos & Domitti, 2007; Cela & Oliveira, 2015).
No entanto, a inclusão de psicólogos na ABS tem ocorrido mediante um fazer predominantemente clínico, com transposição do trabalho em consultório particular para as instituições e programas de saúde pública, sem a devida adequação de suas práticas às diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e contextualização à realidade sociocultural das comunidades (Cintra & Bernardo, 2017; Leite et al., 2013). A partir dessa representação da psicologia atrelada à prática clínica, muitos profissionais limitam suas ações e desconsideram possibilidades de intervenções mais educativas e promotoras da saúde, sobretudo em âmbito coletivo (Perrella, 2017; Spink, 2003).
Nesse sentido, torna-se premente a discussão acerca do papel do psicólogo no NASF, bem como uma reformulação da prática psicológica no nível primário da atenção, de modo a suplantar modelos de atuação fragmentários e, por conseguinte, fomentar o compromisso social da psicologia e contribuir para ações mais dinâmicas, articuladas e contextualizadas (Cela & Oliveira, 2015; Dimenstein, 2001; Spink, 2003). O psicólogo nos cuidados primários busca favorecer o autocuidado e a autonomia dos usuários, tendo por base um fazer fundamentado no conhecimento da comunidade e ancorado em práticas multiprofissionais e interdisciplinares (Alves et al., 2017). Dentre suas frentes principais de trabalho, estão atendimentos individuais, apoio matricial, visitas domiciliares e trabalhos com grupos (Azevedo & Kind, 2013; Cintra & Bernardo, 2017; Leite et al., 2013).
Sendo assim, a psicologia, enquanto ciência e ação profissional, tem buscado ir além dos moldes clínicos tradicionais na ABS, com construção de novas práticas, em que se preza por uma maior integração do psicólogo nas equipes de saúde e um agir em conformidade com os princípios preconizados pelo SUS (Cela & Oliveira, 2015). Nesse prisma, o uso de estratégias psicoeducativas se configura como uma alternativa de intervenção com potencial para expandir o alcance e obter maior resolutividade das intervenções psicológicas em contextos de saúde-doença (Lemes & Ondere Neto, 2017).
Na psicoeducação, instrumentos psicológicos e pedagógicos são integrados com vistas a ensinar ao paciente acerca de uma doença ou transtorno e suas ações terapêuticas. Em termos educacionais, um ponto amplamente aceito consiste na disponibilização de informações sobre a etiologia, sintomas, curso e tratamento da doença, com o objetivo de aumentar o conhecimento do indivíduo e gerar padrões de comportamento desejáveis. As informações costumam ser fornecidas de modo sistemático e didático, por meios diversos, tais como esclarecimentos orais, folders, livros e vídeos (Carvalho et al., 2019).
A intervenção psicoeducativa se caracteriza por ser breve, estruturada, semidireta, focada no presente e na resolução de problemas. O fundamental é que as informações compartilhadas favoreçam a aprendizagem do paciente sobre o funcionamento da doença e os cuidados a serem seguidos, bem como que o ajudem a identificar crenças associadas que geram ansiedade e sofrimento (Carvalho et al., 2019). Ademais, a psicoeducação, indo além da mera ação informativa, é proposta com a intenção de auxiliar o paciente na tarefa de compreender e dar sentido às próprias vivências e de instrumentalizá-lo para o manejo dos efeitos psicossociais do adoecimento.
Parte-se do pressuposto de que as cognições gerenciam as emoções e os comportamentos, de modo que, quando as pessoas dispõem de informações relevantes e constroem conhecimentos acerca dos agravos à saúde, ocorre maior corresponsabilização pela prevenção ou pelo tratamento proposto e redução de seus níveis de ansiedade (Carvalho et al., 2019; Gomes, 2010). Por conseguinte, enquanto estabelecimento de um fluxo de informações entre profissional e usuário, o objetivo primordial da psicoeducação é fazer deste último um colaborador ativo e um aliado e, consequentemente, tornar o processo profilático ou terapêutico mais particularizado e efetivo.
Ao ser empregada na modalidade grupal, a psicoeducação favorece o compartilhamento de saberes e experiências entre os membros do grupo e, assim, oportuniza o aprendizado conjunto. O enfoque dos grupos psicoeducativos recai no processo de conscientização sobre os aspectos psicossociais que interferem na condição de saúde/doença com a finalidade de promover novos conhecimentos e reflexões sobre os temas em pauta e estimular a revisão de mitos e preconceitos (Borges et al., 2018).
Nessa perspectiva, a abordagem psicoeducativa, usada de modo individual ou grupal, mostra potencial para tornar o sujeito cônscio de sua condição de saúde/doença e agente de autocuidado, bem como para respaldar tomadas de decisão com base em dados confiáveis (Castro & Barroso, 2012; Nussey et al., 2013). Práticas desta natureza têm sido realizadas e investigadas principalmente em contextos de saúde mental, como intervenções que visam auxiliar o tratamento de pessoas em sofrimento psíquico grave e persistente (Bégin et al., 2012). Nesse campo, têm mostrado boa eficácia na redução de taxas de recaída e dos níveis de sintoma em sujeitos diagnosticados com, por exemplo, transtorno afetivo bipolar (e.g. Gomes, 2010; Menezes & Souza, 2012) e esquizofrenia (e.g. Rahmani et al., 2015; Ruzanna et al., 2010).
Na última década, as intervenções psicoeducativas têm sido destacadas também quanto a sua aplicabilidade na prevenção e no manejo de condições orgânicas (Gonçalves-Pereira & Sampaio, 2011; Lemes & Ondere Neto, 2017). Estudos têm mostrado sua eficácia no tratamento de pessoas com diferentes diagnósticos de doenças crônicas e/ou com seus familiares, tais como hipertensão arterial (e.g. Lima-Silva & Yassuda, 2012) diabetes mellitus (e.g. Losso et al., 2014) e câncer (e.g. Castro & Barroso, 2012; Lourenção et al., 2010). De um modo geral, no processo de intervenção são concedidas informações sobre o curso da doença e importância do seu tratamento e, como resultados, têm sido verificados efeitos como ampliação de consciência e conhecimentos, gerenciamento do autocuidado e melhora da adesão tanto medicamentosa como relacionada a mudanças em hábitos alimentares e no estilo de vida.
Destaca-se, portanto, a importância de que psicólogos inseridos em serviços de atenção primária façam uso de estratégias psicoeducativas para, em consonância com as diretrizes de atuação em saúde pública, possam colaborar para tornar os usuários mais conscientes e ativos em relação às condições de saúde própria e de sua comunidade, contribuindo para a resolutividade das ações e humanização da assistência (Gomes, 2010; Brasil, 2012). Nessa direção, o presente estudo foi realizado com o objetivo de investigar o uso de intervenções psicoeducativas por psicólogos que compõem equipes multiprofissionais na ABS de municípios da região Sul Fluminense. Acredita-se que compreender a aplicação e a funcionalidade da psicoeducação na rotina laboral dos serviços primários possibilita trilhar caminhos para uma melhor adequação deste modelo de intervenção às necessidades e peculiaridades do sistema de saúde brasileiro.
Método
A pesquisa teve abordagem descritiva, com enfoque quantiqualitativo. Na busca por compreender o processo de práticas psicoeducativas na ABS, o esforço foi tanto por obter dados de instrumento fechado e padronizado como para, de modo complementar, aprofundar o conhecimento de vivências profissionais mediante entrevista semiestruturada. A triangulação metodológica permite aproveitar o melhor de cada método ao serem integrados para responder a uma questão específica, além de minimizar limitações resultantes de uma única perspectiva de análise (Paranhos et al., 2016).
Participantes
Participaram 21 psicólogas que atuavam na ABS de sete munícipios do interior fluminense, com idades entre 24 e 63 anos (M = 40,5 anos). Como critérios de inclusão, deveriam ter graduação em psicologia e atuar na função de psicólogo há, no mínimo, um ano, em unidades ou programas de atenção primária. Todas as profissionais responderam a questionários disponibilizados em formato eletrônico ou impresso e, de modo adicional, sete delas, identificadas por nomes fictícios, participaram de entrevista semiestruturada com vistas ao aprofundamento de suas respostas.
Instrumentos
Para obtenção de dados, foram utilizados dois questionários, construídos pelas pesquisadoras e testados previamente com cinco profissionais atuantes em ABS, os quais foram disponibilizados em formato eletrônico ou impresso para serem respondidos de modo autoadministrado. O primeiro deles tinha por finalidade reunir informações sociodemográficas, de formação acadêmica e de atuação profissional no âmbito da ABS, tais como tempo de trabalho, atividades realizadas e população atendida. O segundo questionário versava especificamente sobre os usos da psicoeducação na ABS e era composto por quatorze questões de múltipla escolha elaboradas com base em revisão da literatura. As alternativas de resposta buscavam levantar informações sobre frequência, finalidades, modos e contextos de utilização de estratégias psicoeducativas no cotidiano de trabalho dos respondentes.
Um roteiro para entrevista semiestruturada também foi elaborado e aplicado com o propósito de reunir percepções e experiências das participantes quanto ao uso de estratégias psicoeducativas na ABS. Era composto por doze perguntas abertas organizadas em três eixos temáticos, a saber: conhecimentos e avaliações sobre a prática psicoeducativa; modos de utilização desta modalidade de intervenção e avaliação da formação acadêmica com vistas ao preparo profissional para o emprego da psicoeducação.
Procedimentos de coleta de dados
Inicialmente, entrou-se em contato com representantes das Secretarias de Saúde de três municípios da região Sul Fluminense, escolhidos por conveniência, com o intuito de elucidar os objetivos e procedimentos da pesquisa e, assim, obter anuência e apoio para sua realização. Ademais, o projeto foi submetido à análise do Comitê de Ética na Pesquisa da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, sendo aprovado sob parecer n. 23083.0025317/2018-19, protocolo n. 1.190/18.
Em seguida, nas datas combinadas, a pesquisadora dirigiu-se a unidades de saúde para aplicação individual dos instrumentos junto a sete psicólogas que trabalhavam na ABS dos municípios selecionados e que aceitaram integrar a etapa presencial de coleta de dados. Primeiramente, foi entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual foi lido e assinado em duas vias, tendo por finalidade viabilizar conteúdo explicativo sobre os procedimentos gerais e cuidados éticos da pesquisa. Foi reforçado o caráter voluntário da participação e assegurada a proteção da identidade das profissionais. Na sequência, foram dadas orientações acerca do preenchimento dos questionários, e estes foram entregues em versão impressa para serem completados por autoadministração. Logo após, houve a realização da entrevista semiestruturada e as respostas de cada psicóloga foram gravadas em áudio com vistas à transcrição integral posteriormente.
Concomitante aos encontros presenciais, um link para acesso às versões eletrônicas dos dois questionários foi enviado, via e-mail ou por WhatsApp, a uma lista de 30 profissionais que atuavam na ABS de municípios fluminenses, indicados pelas redes de contato das autoras. Nesta etapa, os instrumentos foram construídos via Google Forms, com apresentação inicial do TCLE. Ao todo, 14 psicólogas enviaram suas respostas ao longo de 30 dias. Findado esse tempo, decidiu-se por encerrar a aplicação dos questionários.
Análise de Dados
Os dados obtidos mediante as entrevistas foram submetidos a análises qualitativas, com elaboração de categorias embasada nos referenciais teórico-metodológicos de Bardin (2011). Foram feitas leituras repetidas dos relatos transcritos para, em seguida, proceder o agrupamento das falas por similaridade de seus conteúdos. No que tange aos questionários, a tabulação e análise dos dados ocorreu via Microsoft Office Excel, com uso de estatística descritiva, incluindo frequências, médias e porcentagens.
Resultados
As 21 psicólogas atuavam nas secretarias de saúde de sete municípios localizados no interior do estado do Rio de Janeiro, sendo eles: Barra Mansa, Itatiaia, Itaguaí, Paracambi, Quatis, Resende e Volta Redonda. A maioria integrava o quadro de funcionários do SUS há um período de nove anos ou mais (52,4%) e exercia práticas laborativas no NASF-AB (61,9%). Predominava o contrato de trabalho como tipo de vínculo empregatício (47,6%) e a carga horária semanal variava de 16 a 40 horas.
No que tange à formação acadêmica, as participantes haviam se graduado, em sua maioria, em instituições privadas (76,2%), tendo concluído o curso de psicologia há um tempo entre dois e 36 anos (M=15,3 anos). Parcela significativa delas (76,2%) tinha pós-graduação lato sensu e havia ainda três psicólogas com mestrado ou doutorado concluído. Em termos dos referenciais teóricos utilizados para embasamento de suas práticas profissionais, houve predomínio das abordagens psicanalítica (47,6%) e cognitivo-comportamental (42,9%). Das sete entrevistadas, cinco tinham na psicanálise o seu aporte teórico-técnico.
A Psicoeducação na ABS conforme percepções e experiências das participantes
A psicoeducação foi descrita pelas entrevistadas como um trabalho fundamentado no ato de fornecer esclarecimentos e orientações aos usuários dos serviços de saúde, o que deveria ocorrer de acordo com as necessidades ou demandas percebidas nos atendimentos ou no contato com membros das equipes multiprofissionais. As falas a seguir ilustram o teor informativo das práticas denominadas psicoeducativas na percepção delas: “É essa questão da informação para os pacientes em primeiro lugar . . ., é mais o conteúdo que eu vou trocar com o usuário, . . . cuidados e orientações às vezes com outros profissionais de saúde” (Luíza); “. . . é quando a gente faz grupos, quando a gente faz alguma atividade no sentido de orientar algum tema específico que veio como uma demanda desse grupo” (Márcia).
Todas as participantes afirmaram fazer uso de psicoeducação em seus contextos de trabalho, o que ocorria com frequência constante (quase sempre ou sempre) (85,8%) ou às vezes (14,3%). Os objetivos associados ao uso dessa abordagem foram diversos, predominando aqueles voltados para esclarecimentos sobre agravos à saúde e suas indicações terapêuticas, tanto no que se refere aos adoecimentos em geral (76,2%) como a sofrimentos ou comprometimentos em saúde mental, incluindo transtornos e dependência química (66,7%). Apareceram ainda finalidades relacionadas a orientações acerca de cuidados preventivos (61,9%), a melhora da saúde e qualidade de vida de diferentes segmentos da população (ex.: idosos, jovens, mulheres) (52,4%), bem como ao desenvolvimento humano (52,4%) e a experiências de vida específicas (ex.: gravidez) (47,6%).
Nas narrativas das entrevistadas, os objetivos da psicoeducacão estiveram atrelados a duas categorias principais: (1) informar sobre aspectos emocionais e (2) orientar para o autocuidado. No primeiro caso, prover informações sobre questões de ordem emocional implicava esclarecer acerca de transtornos mentais, revendo concepções equivocadas oriundas do senso comum, bem como orientar sobre determinadas vivências que geram sofrimento ou provocam prejuízos psicossociais. A expectativa era ampliar o conhecimento, desmistificar certos problemas e diminuir angústias, na medida em que a intervenção dá acesso a informações com conteúdo técnico adequado, discute ou problematiza conhecimentos preconcebidos e promove reflexões e revisões em um contexto de acolhimento e respeito.
Hoje em dia estamos num movimento de querer diagnosticar tudo, então toda agitação de uma criança parece que virou um TDAH, toda tristeza parece que virou depressão, então acho que a psicoeducação entra, principalmente, no seu teor informativo. É importante parar, articular e cuidar, no sentido de que nem toda criança que corre é hiperativa, não é a pessoa que hoje acordou triste que está depressiva, então acredito que, nesse sentido, diante de um mundo com muitas informações que são dadas de forma muito indiscriminada, a gente pode, com a psicoeducação, ter uma ferramenta para as pessoas se localizarem mesmo (Heloísa).
Por outro lado, a categoria orientar de modo a promover comportamentos de autocuidado pode ser descrita como auxílio e estímulo aos usuários para identificarem fatores de risco à saúde e, assim, adotarem cuidados preventivos, além de buscarem modos de vida mais saudáveis. Esta visão destaca a psicoeducação como proposta preventiva e de resgate da autonomia da população-alvo. “. . . você vai direcionar conteúdos para a população, para ela poder lidar com sua própria questão de saúde e doença e como ela vai fazer esse autocuidado, como ela vai se responsabilizar pelo seu processo de saúde” (Roberta); “. . . é um trabalho preventivo e a intenção da escola quando chamou a gente era justamente isso, esse trabalho informativo, de orientação, a gente falou sobre sexualidade na adolescência e de tudo que tá envolvido, a gravidez, DSTs, uso de preservativo” (Carla).
Modos de uso da psicoeducação na prática profissional na ABS
As psicólogas afirmaram fazer uso de diferentes modalidades de trabalho psicoeducativo, desde os atendimentos individuais (57,1%), até aqueles realizados com grupos (61,9%) e com famílias (28,6%) ou casais (9,5%). As atividades em grupo ocorriam tanto em formato mais estruturado como em rodas de conversa e em atividades de sala de espera. As intervenções também ocorriam em ações compartilhadas com outros profissionais, seja em consultas conjuntas (9,5%), seja em visitas domiciliares (28,6%).
Observou-se uma atuação abrangente e diversificada, de acordo com as diferentes frentes de trabalho que compõem a ABS, realizadas muitas vezes com a parceria de outros profissionais. Conforme as experiências relatadas, a psicoeducação se mostrava presente em diferentes contextos de atendimento psicológico: da intervenção individual aos grupos, do consultório à comunidade. “A função do NASF é transmitir de alguma forma, é promover saúde, independente se é num consultório durante um atendimento, se é em sala de espera” (Vera).
Nos atendimentos individuais, o foco era sobretudo o diálogo e o estímulo a reflexões. Nos grupos e nas salas de espera, eram abordados temas diversos, a depender da demanda, sobre os quais eram dadas informações e esclarecidas dúvidas. Nas situações mais comunitárias, buscava-se o conhecimento das situações e oferta de orientações pertinentes às necessidades percebidas. “A gente faz [psicoeducação] nos atendimentos individuais, através do diálogo, das reflexões. Tem os grupos, as salas de espera, que a gente tenta trabalhar assuntos específicos, dando maior informação possível para a população e estar respondendo a dúvidas” (Fernanda). “. . . nos atendimentos individuais, a gente tem uma prática muito pautada em orientações mesmo, mas também faz muita atividade em grupo, faz muita atividade na escola” (Heloísa).
As entrevistadas indicaram seus esforços em ampliar as ações educativas na comunidade, para além dos atendimentos em consultório. No entanto, duas delas referiram se tratar de ações ainda incipientes, em fase de transição entre modelos de atuação. Buscavam-se atividades inovadoras em espaços comunitários, afinadas com as diretrizes dos cuidados primários, marcadas pela mudança de uma prática mais tradicional e individualizada para uma prática mais ampla e preventiva, de bases mais comunitárias.
Ainda a equipe requer um trabalho clínico e individualizado dos casos e ainda estamos nessa aproximação de um trabalho mais psicoeducativo, amplo, pra atingir um maior número de pessoas em termos de grupos, . . . então ainda está se aproximando do que seria ideal. Temos feito algumas rodas de conversa com pares do NASF e a gente sempre tentando chamar as pessoas da equipe para esse fazer coletivo, . . . por exemplo, Outubro Rosa, a gente faz atividades relativas à mulher junto com o pessoal da enfermagem que tem que fazer os preventivos, então estamos aumentando isso a cada dia (Roberta).
O público-alvo das intervenções psicoeducativas era amplo e diversificado, embora algumas das participantes centrassem a maior parte de suas ações com um tipo específico de usuário, como os adolescentes. Prevaleceu o trabalho com sujeitos adultos (71,5%), sobretudo mulheres, com adolescentes (66,7%), idosos (52,4%), usuários da rede de saúde mental (42,8%), crianças (33,3%) e famílias (33,3%). Houve ainda apontamento de atendimento a usuários dos serviços de saúde em geral (14,3%), a estudantes e professores (4,8%) e a gestantes (4,8%). “Nós fizemos atividades relativas a alguns temas da mulher e ao homem, que é um público que não acessa muito. A gente tá com planejamento relativo a jovens e adolescentes, que tem chegado uma demanda de saúde mental” (Roberta).
As demandas para as intervenções psicoeducativas vinham de diferentes fontes, sobretudo dos próprios usuários (85,8%), que, durante os atendimentos, evidenciavam suas expectativas por algum tipo de informação ou orientação. Atuavam ainda como demandantes os profissionais de saúde (38,1%), que solicitavam uso da psicoeducação em certos casos. Havia também solicitações oriundas de outras instituições ou programas a elas vinculados, como o Programa Saúde na Escola (40%).
. . . os próprios adolescentes, muitas vezes são eles que pedem esse apoio psicológico, às vezes é o colega daqui do serviço que percebe alguma questão no atendimento, seja um médico, ou seja uma enfermeira ou assistente social, e eles pedem esse apoio. Ou seja, vem da demanda do próprio adolescente como dos outros profissionais que percebem a necessidade de uma informação mais específica (Carla).
. . . tem muita escola que é parceira, sugerem fazer grupos sobre dar esclarecimentos sobre transtornos, até porque os professores não estão conseguindo identificar, porque acham que toda agitação vai ser hiperatividade, ou toda ansiedade vai ser um transtorno, então vamos fazer um grupo para esclarecer, ansiedade é isso, TDAH é isso (Heloísa).
. . . a escola trás: “estamos precisando falar sobre isso, a psicóloga pode estar indo lá?” Ou às vezes os postos de saúde, eles têm cronograma de ação, como se fosse uma programação, eles já têm o setembro amarelo, o novembro azul, metas . . . e os temas relacionados à psicologia eles encaminham e falam o que a gente tem que falar na sala de espera (Vera).
As temáticas abordadas na veiculação de informações durante as atividades psicoeducativas às vezes eram definidas a priori, a partir do contato das psicólogas com outros profissionais ou instituições. Também o próprio usuário podia evidenciar os assuntos de seu interesse. Os principais temas tratados eram cuidados preventivos em geral (61,9%) e doenças crônicas e seus tratamentos (57,1%), assim como DSTs HIV/AIDS (47,6%), gravidez e assuntos relacionados (52,4%), educação e cuidado de crianças (57,1%) e envelhecimento saudável (38,1%). Em menor frequência, foi apontada a abordagem de temáticas como cidadania (28,6%), dependência química (4,8%), violência e seus determinantes (4,8%) e planejamento familiar (4,8%). A escolha dos temas para o trabalho psicoeducativo dependia das características e necessidades da população-alvo, como era o caso das intervenções feitas com o segmento adolescente.
. . . a gente atende as adolescentes gestantes, elas fazem o pré-natal aqui no nosso serviço e aí a gente vê que essas adolescentes, muitas fizeram o primeiro atendimento delas aqui no serviço já no pré-natal, já buscando o acompanhamento dessa gravidez, não houve uma procura antes de informação, de orientação quanto ao uso de preservativo, para se evitar uma DST, inclusive algumas, além de grávidas, apresentam alguma DST e outras doenças que poderiam ter sido evitadas. Então a gente percebe que esse trabalho preventivo é muito importante, principalmente com o nosso grupo hoje que são os adolescentes, em razão da particularidade dessa fase, da imaturidade, pela impulsividade (Carla).
As participantes indicaram usar variados recursos educativos, como dinâmicas e vivências grupais (80,9%), rodas de conversa (76,2%), folders e panfletos (33,3%), cartazes com fotos e ilustrações (33,3%), vídeos (42,8%), jogos (28,6%) e encenações/dramatizações (14,3%). Entretanto, as entrevistadas frisaram que, muitas vezes, a demanda pela psicoeducação se construía na interação com os usuários, sem definição prévia de um tema ou planejamento antecipado. O conteúdo e o momento da intervenção eram definidos a partir do diálogo, da troca mantida no processo interativo, que evidenciava a relevância de facilitar determinados conhecimentos. “Eu não penso ‘Ah, hoje eu vou fazer psicoeducação’, eu não vejo dessa maneira. Eu vejo ali no próprio atendimento, vai surgindo uma situação ou outra que você precisa entrar com uma informação, passar um conhecimento pra aquela pessoa” (Fernanda); “Eu acho que é mais eficiente quando eu escuto a demanda e levo as orientações à medida do que a pessoa está precisando . . . a demanda vem a partir do que eu converso ali” (Luíza).
Nesse sentido, a estratégia principal utilizada na intervenção psicoeducativa era a interação verbal. O trabalho era baseado no diálogo, em espaços que se caracterizavam pela escuta, pelo acolhimento e pela orientação, como exposto pela psicóloga Fernanda: “O que a gente tem de recurso somos nós mesmos, então é muito do diálogo, de roda de conversa, de atendimento individual, onde só é com a troca”. Segundo Vera, muitas vezes, os próprios usuários ajudavam a conduzir o processo interventivo, assumindo algumas falas e adotando uma postura ativa e dialógica. “. . . geralmente faço grupos com pacientes que já estão em atendimento, então às vezes no tema eles se pronunciam, e às vezes eu falo uma palavra e eles já vão falando sozinhos, eu não preciso falar mais nada”.
Por fim, as participantes mostraram os modos de interação mantidos com outros profissionais de saúde durante o trabalho psicoeducativo, principalmente na condução de grupos (66,7%) e na realização de visitas conjuntas (61,9%), bem como nos momentos que antecediam (planejamento) e sucediam (avaliação) as intervenções (52,4%). Estas trocas ocorriam com profissionais de diferentes especialidades, que colaboravam nas ações educativas, sendo estes predominantemente assistentes sociais (71,5%), enfermeiros (66,7%) e agentes comunitários de saúde (57,1%). Houve menções também a trabalhos conjuntos com nutricionistas (42,8%), outros psicólogos (38,1%), fisioterapeutas (33,3%), técnicos de enfermagem (28,6%), médicos (23,8%) e fonoaudiólogos (14,3%).
Pelas falas das entrevistadas, suas ações psicoeducativas com outros profissionais ocorriam de três modos distintos, o que abria caminho para um trabalho mais integrado: solicitação de intervenção psicológica ou encaminhamento, realização do atendimento de modo conjunto e oferta de orientações e apoio para potencializar o trabalho do outro profissional. “É um cotidiano que a gente faz muito do que a equipe demanda, das questões que estão acontecendo no momento, mas ainda é uma coisa que a gente tem que estar buscando pra fortalecer mais” (Roberta).
Conforme Luíza, os integrantes das equipes de saúde, ao receberem orientação do psicólogo, podiam ter suas ações profissionais maximizadas no sentido do apoio psicossocial e passavam a se ver também como capazes e responsáveis por iniciativas de acolhimento e psicoeducação. Nesse sentido, o trabalho com o colega de equipe mostrava-se relacionado ao apoio matricial e a interconsulta, já que, neste caso, o profissional de psicologia, em vez de realizar a intervenção diretamente, colaborava para que seus pares tivessem ações mais efetivas no cotidiano da assistência, considerando os aspectos psicossociais presentes.
. . . as discussões de caso com os profissionais estão ficando mais ricas, com mais informação, até nesse sentido de que nem tudo talvez precise passar pelo psicólogo, nem todo adoecimento é emocional, porque talvez a pessoa está passando por algum momento de angústia e não necessariamente é o psicólogo que vai dar conta daquilo, que a escuta tem um alcance importante, então acho que isso é uma coisa que a gente alcança (Luíza).
Discussão
As psicólogas assinalaram que as práticas psicoeducativas se referem às ações dos profissionais em fornecerem informações e orientações a diferentes perfis de usuários e em variados contextos, conforme as necessidades percebidas nas observações e interações mantidas no cotidiano de trabalho. Para elas, a disponibilização de informações, conforme literatura na área, deve levar em consideração os aspectos psicossociais presentes, sobretudo as questões emocionais. De fato, a intervenção deve se pautar no auxílio para um melhor entendimento do adoecimento, mas com propósitos voltados também para desmistificação de certos aspectos da doença, autorregulação emocional e enfrentamento adequado de estressores associados (Menezes & Souza, 2012; Swadi et al., 2010).
Por outro lado, é verdade que o cotidiano de trabalho na ABS é vivo e dinâmico, e nem sempre as orientações podem ser planejadas previamente e com o devido cuidado, sendo necessárias decisões e improvisações a partir das interações estabelecidas. Como afirmado por uma parcela das entrevistadas, suas intervenções eram, em grande parte, improvisadas, sem que houvesse objetivos bem definidos e conteúdos delimitados. Pressupõe-se que esse modo de exercer as atividades educativas estivesse relacionado a suas formações acadêmicas (referencial teórico, capacitação técnica) e do contexto de trabalho, como a multiplicidade de demandas e urgências.
Isso reforça a relevância de os profissionais conhecerem a realidade sociossanitária e epidemiológica dos territórios em que atuam, além do perfil em saúde mental da população assistida, de modo a estarem preparados para fornecerem orientações e informações com precisão, organização e clareza. No caso de psicólogos que atuam em contextos de saúde e doenças diversas, isso pressupõe que estes estejam buscando construir conhecimentos para além do enfoque em saúde mental, incluindo características, fatores determinantes, cuidados preventivos e tratamentos de diferentes agravos à saúde (Borges & Soares, 2018).
As psicólogas mostraram ainda a visão de que a psicoeducação deve ocorrer de maneira particularizada e processual, não sendo, portanto, caracterizada como simples transmissão de informações de forma padronizada e pontual. Deve ser conduzida a partir de um processo em que as observações e interações orientam a condução das atividades. Não se trata simplesmente de reinventar práticas psicológicas, tampouco de inventar novos métodos, mas de questionar as práticas realizadas e a maneira como são feitas (Borges & Soares, 2018).
Nesse sentido, as estratégias psicoeducativas no âmbito da ABS requerem um fazer voltado para as necessidades em saúde dos indivíduos e comunidades e devem ocorrer de modo sintonizado com as demandas percebidas, mediante ações tanto individuais como grupais e comunitárias. Em congruência com a PNAB (Brasil, 2012), o objetivo é contribuir para tornar as pessoas mais conscientes dos fatores que afetam sua saúde, assim como para fortalecer o autocuidado e iniciativas em prol de melhorias das condições de vida. Para tanto, o sujeito deve ser colocado como centro da coprodução do cuidado em saúde (Cunha & Campos, 2010; Perrella, 2017), visto como cidadão de direito e agente de transformação do modo de vida pessoal e da comunidade (Silva & Carvalhaes, 2016; Soares & Macedo, 2020).
Conforme Spink (2003), o papel do psicólogo atuante na ABS deve ser pautado em uma ação ampliada, em que haja contextualização de suas intervenções, proteção aos direitos sociais e reforço da cidadania. A finalidade é estimular uma prática transformadora e reflexiva, coerente com a realidade da comunidade e promotora de conscientização e empoderamento (Cintra & Bernardo, 2017). Uma clínica ampliada, de acordo com Campos (2003), baseia-se na escuta ativa e no interesse genuíno pela realidade dos usuários, que têm suas necessidades consideradas e são estimulados quanto ao desenvolvimento de um grau maior de responsabilização e autonomia em relação aos cuidados com a saúde.
Embora as participantes tenham enfatizado o aspecto informativo das estratégias educativas, pressupõe-se, no contexto geral de seus relatos, que não se tratava meramente de prestar informações, mas de fazer isso em um contexto de reflexão, acolhimento e compreensão empática. É preciso sinalizar que a ação educativa requer cuidados tanto na seleção e sistematização como no modo em que as informações são disponibilizadas. A atitude de abertura, acolhimento e interesse exibida pelo profissional auxilia o entendimento e a aceitação das informações fornecidas (Murta et al., 2014).
É importante frisar ainda que a intervenção psicoeducativa no âmbito da ABS foi destacada pelas participantes como um tipo de atividade que permite ao psicólogo não somente orientar diretamente os usuários, mas também apoiar equipes multiprofissionais. Nesse sentido, elas mostraram que os conhecimentos em psicoeducação podem ser utilizados no preparo de outros profissionais, a fim de que estes possam ser mais bem instruídos para as ações educativas. Isso pode ocorrer mediante intervenções conjuntas, acompanhamento das equipes em visitas domiciliares, discussões de casos e capacitações específicas. De fato, o NASF, como equipe multiprofissional de apoio, tem como uma de suas principais funções o fornecimento de suporte matricial às equipes de atenção básica, sendo esta ação reconhecida como fundamental na funcionalidade do trabalho em saúde (Campos & Domitti, 2007).
Considerações Finais
As participantes desta pesquisa faziam uso amplo e diversificado de estratégias psicoeducativas em seus cotidianos de trabalho na ABS de seus municípios. Verificou-se, conforme seus relatos, esforços por ampliar suas práticas, indo além dos atendimentos individuais em consultórios, e por torná-las mais próximas das necessidades e dos anseios dos usuários, sendo condizentes com os preceitos dos cuidados primários em saúde.
Fazendo uma análise da pesquisa, considera-se que o uso integrado de métodos diferentes de autorrelato − questionários e entrevistas – mostrou-se pertinente aos objetivos traçados e permitiu tanto um panorama geral das ações psicoeducativas na prática profissional das participantes como um aprofundamento nas vivências de uma parte delas. Como limitação do estudo, pode-se apontar o quantitativo pequeno de participantes, o que esteve associado a uma baixa adesão ao preenchimento dos questionários e ao número reduzido de psicólogos na ABS dos municípios contemplados na pesquisa, em muitos dos quais o NASF-AB ainda se encontrava em fase de implantação ou ampliação.
Ademais, é importante ressaltar que os resultados obtidos mostram a realidade de municípios fluminenses, não se aplicando necessariamente a outras regiões do país, o que torna importante a proposição de novos estudos para compreender o uso da psicoeducação em outras localidades e em outros dispositivos do SUS. Destaca-se ainda a relevância de conhecer as práticas de psicólogos atuantes na atenção primária em relação a outras modalidades de trabalho preventivo, bem como de investigar iniciativas específicas de psicoeducação, como as grupais e de base comunitária.
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Recebido em: 08/11/2019
Última revisão: 1º/04/2020
Aceite final: 22/04/2021
Sobre os autores:
Martina de Paula Eduardo Ravaioli: Doutoranda e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Psicóloga atuante no Hospital Unimed Volta Redonda e em consultório particular. E-mail: ravaioli1955@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9874-3141
Lilian Maria Borges: Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professora adjunta do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). E-mail: lborgesufrrj@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6570-0417
1 Endereço de contato: Rua Rodrigues de Abreu, 87, Volta Redonda, RJ. CEP 27.265-360. Telefones: (24) 3349-2841 / (24) 99853-7421. E-mail: ravaioli1955@gmail.com