“. . . Dá Vontade de Desistir da Vida. . .”: Sentidos do Processo Saúde-Doença por Usuários de Drogas
“. . . Gives a Will to Give off Life. . .”: Senses of the Health-Disease Process by Drugs Users
“. . . Te Hace Querer Desistir de la Vida. . .”: Sentidos del Proceso Salud-Enfermedad por Hombres Usuarios de Drogas
Alessandro Diogo De Carli1
Gabriele Ferrarezi
Juliane Seger Falcão
Paulo Zárate Pereira
Melina Raquel Theobald
Mara Lisiane de Moraes dos Santos
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Danielle Tupinambá Emmi
Regina Fátima Feio Barroso
Universidade Federal do Pará (UFPA)
Resumo
O objetivo foi analisar e compreender a percepção de usuários de drogas em relação ao processo saúde-doença que permeia seu modo de vida. Estudo qualitativo, realizado com 38 homens em tratamento para o controle do uso de entorpecentes. Os dados foram coletados por entrevistas, que foram transcritas, submetidas à Análise de Conteúdo e problematizadas pela Fenomenologia Heideggeriana. As categorias empíricas emergentes denotaram a influência da família, o impacto da utilização de drogas lícitas e ilícitas e o reconhecimento da doença como traços marcadores do processo saúde-doença. Concluiu-se que, apesar do processo saúde-doença ser um fenômeno complexo em um grupo específico vulnerável, foi possível explorar elementos significativos que carregam em si a concretude do ser-aí em suas vivências. Para os entrevistados, o processo saúde-doença reflete seus modos de vida enquanto ser-aí, ser-com, ser-com-no-mundo, como também influenciado pelas questões familiares e pelo reconhecimento da dependência química como doença causadora de sofrimento psíquico.
Palavras-chave: dependência química, fenomenologia, processo saúde-doença, sofrimento psíquico
Abstract
The objective was to analyze and understand the perception of drug users relation to the health-disease process that permeates their way of life. Qualitative study, conducted with 38 men undergoing treatment for the control of use of narcotics. The data were collected through interviews that were transcribed, submitted to Content Analysis and problematized by the Heideggerian Phenomenology. Emerging empirical categories denoted family influence, the impact of using licit and illicit drugs, and the recognition of disease as marking traits of the health-disease process. It was concluded that although the health-disease process is a complex phenomenon in a specific vulnerable group, it was possible to explore significant elements that carry within themselves the concreteness of being-there in their experiences. For the interviewees, the health-disease process reflect their ways of life while being-there, being-with, being-with-the-world, as well as influenced by family issues and recognition of chemical dependence as a disease causing suffering psychic.
Keywords: chemical dependence,phenomenology, health-disease process, stress psychological
Resumen
El objetivo fue analizar y comprender la percepción de usuarios de drogas en relación al proceso salud-enfermedad que permea su modo de vida. Estudio cualitativo, realizado con 38 hombres en tratamiento para el control del uso de estupefacientes. Los datos fueron recolectados por entrevistas que fueron transcritas, sometidas al Análisis de Contenido y problematizadas pela Fenomenología Heideggeriana. Las categorías empíricas emergentes denotaron la influencia de la familia, el impacto de la utilización de drogas lícitas e ilícitas y el reconocimiento de la enfermedad como rasgos marcadores del proceso salud-enfermedad. Se concluyó que a pesar del proceso salud-enfermedad ser un fenómeno complejo en un grupo específico vulnerable, fue posible explotar elementos significativos que cargan en sí la concreción del ser-ahí en sus vivencias. Para los entrevistados, el proceso salud-enfermedad reflejo sus modos de vida como ser-ahí, ser-con, ser-con-el-mundo, como también influenciado por las cuestiones familiares y por el reconocimiento de la dependencia química como enfermedad causadora de sufrimiento psíquico.
Palabras clave: dependencia química, fenomenología, proceso salud-enfermedad, estrés psicológico
Introdução
O uso de substâncias psicoativas vem existindo ao longo dos tempos em diferentes culturas e religiões, com finalidades específicas e motivações variadas, correspondendo a uma prática humana milenar e universal, em que o homem busca aumentar o prazer e/ou reduzir o sofrimento (Buscher, 1992; Pratta & Santos, 2009). Os hábitos e costumes de cada sociedade e os conhecimentos e interesses de cada época é que direcionavam ao uso de drogas, principalmente realizado por pequenos grupos e em cerimônias coletivas, rituais e festas. No entanto, atualmente, esse consumo pode ser verificado em qualquer circunstância, por fatores que estão ligados ao cotidiano do indivíduo, ao estresse social, às condições socioeconômicas, cultura, hereditariedade ou fatores psicológicos, por pessoas de diferentes grupos e realidades, tornando-se um grave problema social e de saúde pública (Pratta & Santos, 2009; Vargas, Bittencourt, Rocha, & Oliveira, 2013).
Os tipos de drogas consumidas e a frequência de utilização seguem as transformações das culturas e dos contextos, mudando de uma época para outra, como qualquer outro elemento presente na sociedade e de acordo com as condições socioculturais existentes. O que diferencia o uso das drogas no passado e o uso atual é que este deixou de ser um elemento de integração, um fator de coesão social e emocional da população, passando a constituir-se num elemento de desintegração, de doença social (Buscher, 1992). O uso de drogas, então, vai revelar-se como uma das possibilidades de alívio do cuidar, na precariedade do viver (Sipahi & Vianna, 2002).
A contextualização histórica do uso de drogas traz a diversificação das concepções do processo saúde/doença ao longo do tempo, o que está diretamente relacionado à própria complexidade e singularidade do viver do ser humano, sendo determinado, portanto, não por intervenção médica, mas sim por comportamentos e pela natureza do ambiente no qual se está inserido (Capra, 1982). Com esse pressuposto, a dependência química é mundialmente classificada como um dos transtornos psiquiátricos que devem ser tratados simultaneamente como uma doença médica crônica e como um problema social (Aguilar & Pillon, 2005).
De acordo com o Relatório de 2016 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), uma a cada 20 pessoas entre 15 e 64 anos faz uso de pelo menos algum tipo de substância psicoativa no mundo, independentemente de sexo, idade, nível social e de instrução. O relatório sugere que cerca de 29 milhões de pessoas apresentam transtornos relacionados ao consumo de drogas e que cerca de 207 mil mortes foram ocasionadas pela drogadição, evidenciando o impacto negativo das drogas na saúde e o desafio do acesso a serviços de tratamento (UNODC, 2016).
No que se refere ao tratamento das pessoas que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas, observou-se que os usuários de drogas sempre foram tratados em instituições psiquiátricas fechadas, de cunho segregatório e excludente, especializadas em saúde mental, em que a principal meta era o alcance da abstinência. Isso ocorreu, sobretudo, pela falta de uma política clara voltada para a assistência a essa população (Vargas et al, 2013). A reforma psiquiátrica desencadeou o processo de criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), instituições destinadas a acolher os usuários com transtornos mentais, estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em iniciativas de busca pela autonomia, bem como oferecer-lhes atendimento médico e psicológico, cuja característica fundamental é desenvolver estratégias para integrá-los ao ambiente social e cultural concreto (Vieira, Carvalho, Azevedo, Silva, & Ferreira Filha, 2010). No que diz respeito à atenção ao usuário de álcool e outras drogas, os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool/Outras Drogas (CAPS-AD) trouxeram formas distintas de tratamento e abordagens específicas para essa população, com atendimento multidisciplinar e realização de oficinas terapêuticas, minimizando os prejuízos individuais e sociais causados pelo uso dessas substâncias e sendo considerados serviços inovadores no que diz respeito à atenção ao dependente químico (Vargas et al., 2013).
Nessa perspectiva, na intenção de aproximar o serviço de saúde, a sociedade e o usuário de drogas, passou-se a entender, no âmbito da Redução de Danos (RD), que os sujeitos usuários de substâncias psicoativas são seres ativos, protagonistas de suas vivências e história, o que os torna capazes e úteis tanto para seu núcleo familiar quanto para a sociedade (Souza, Mesquita, & Sousa, 2017). Estes pressupostos modificaram a atenção a estes sujeitos, de modo que o enfoque da atenção à saúde, nestes casos, passou também a considerar as subjetividades, para além do biologicismo, o que ainda necessita ser explorado em termos de produção de conhecimento. Assim, para promover a efetividade das ações de saúde direcionadas a esta população específica, faz-se necessário compreender o conhecimento dos sujeitos no que se refere a padrões comportamentais, valores culturais e informações que possam nortear ações protetivas e preventivas ao consumo de drogas (Cardoso, Santos, Thomas, & Siqueira, 2013). Para tanto, é necessário utilizarmos recursos metodológicos que possibilitem o entendimento de narrativas individuais que desvelem suas experiências de vida diárias e seus modos de vida (Neubauer, Witkop, & Varpio, 2019).
O objetivo deste estudo foi de compreender a experiência de usuários de drogas de um CAPS-AD em relação ao processo saúde-doença que permeia seu modo/contexto de vida, baseando-se em uma visão fenomenológica.
Método
Trata-se de estudo de caráter descritivo, qualitativo, realizado no Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e Outras Drogas (CAPS-AD) de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil.
Participaram da pesquisa 38 homens, usuários de álcool e outros entorpecentes, com idade entre 27 e 66 anos. A pesquisa foi realizada apenas com homens, devido ao número muito baixo de mulheres que realizavam tratamento no CAPS-AD. A amostra foi definida por saturação (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008), uma vez que a população do estudo tem homogeneidade causal, o que garante a fidedignidade dos dados coletados, de acordo com os objetivos propostos.
Como percurso metodológico prévio aos procedimentos exploratórios de campo, consideramos relevante o exercício da dupla imersão (Neves, Nunes, & Lima, 2018), que, tendo como suporte a prática da imersão proposta por Munhall (2007), privilegia, num primeiro momento, a imersão em si mesmo (como autores) e que implica resposta ao porquê do interesse em explorar esse objeto de estudo; e, paralelamente, procede-se a imersão no referencial teórico-metodológico adotado (Munhall, 2007).
A coleta de dados foi realizada individualmente, em espaço específico para tal fim, por meio de entrevista semidirigida (Turato, 2013), tendo como eixo norteador uma questão disparadora que abordou o entendimento do processo saúde-doença vivenciado por esta população específica. O roteiro deste instrumento de coleta de dados foi utilizado em situações específicas, quando necessário, para maior detalhamento e imersão nas questões trazidas pelos participantes, e foi composto pelos seguintes tópicos: Fale sobre sua saúde ou doença (questão disparadora); Explique como chegou à situação atual; Os problemas vivenciados interferem em sua vida/em seu cotidiano? Como você lida com essa situação? Diante da necessidade de maiores esclarecimentos, o entrevistador emitia interposições propositais (Turato, 2013), como: Fale mais sobre isso. . .; Explique melhor essa questão. . .; a fim de facilitar a coleta de dados e esclarecer situações obscuras ou que merecessem maior exploração. Os áudios foram gravados, transcritos e lidos exaustivamente. Após, procedeu-se a categorização de acordo com os temas emergentes das falas dos entrevistados, as quais foram submetidas à Análise de Conteúdo (Bardin, 2011).
Para a preservação da identidade dos voluntários, as entrevistas e os voluntários foram identificados com um código alfanumérico, sendo utilizadas as letras “A”, seguida de um número, e “P”, seguida de um número, indicando, respectivamente, o áudio e participante aos quais se referiam.
As entrevistas foram categorizadas de acordo com as estruturas ontológicas, ou seja, os “existenciais” do ser do ser humano. Os dados foram analisados utilizando-se a observação fenomenológica. Como a fenomenologia não explica o fenômeno, mas tenta compreendê-lo (Veloso & Monteiro, 2012), não foi intenção deste estudo realizar discussão que procure identificar causas para o fenômeno observado. Nesse sentido, optou-se pela fenomenologia Heideggeriana, cujo método é apropriado para desvelar o fenômeno e pressupõe a sua compreensão valorizando o ser na sua singularidade e no significado que as pessoas dão às suas vivências (Heidegger, 2007). A opção por este referencial teórico ocorreu por se considerar a saúde como fenômeno percebido: “. . . na experiência total de quem vivencia o processo saúde-doença, com os seus determinantes sociais, culturais, políticos, econômicos, biológicos e psicológicos envolvidos na vivência cotidiana e historicamente produzida” (Gomes, Paiva, Valdés, Frota, & Albuquerque, 2008, p. 147).
Partimos do pressuposto que “. . . toda a experiência humana é informada pelo mundo da vida do indivíduo, e se todas as experiências devem ser interpretadas naquele contexto”, a fenomenologia deve extrapolar seu componente descritivo acerca do fenômeno e interpretá-lo, exigindo do pesquisador a ciência a respeito das influências que o contexto histórico dos indivíduos e de suas implicações exercem sobre a experiência de ser destes (Neubauer et al., 2019, p. 94).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), CAEE 22206313.6.0000.0021, e aprovado sob o n. 545.606, seguindo as diretrizes da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados e Discussão
Os achados deste estudo demonstram que os participantes percebem o próprio processo saúde-doença como algo permeado por questões relacionadas ao uso precoce, como estímulo/consequência de eventos pertencentes ao contexto/núcleo familiar e às amizades; à evolução no uso de diferentes tipos de substâncias; ao sofrimento psíquico oriundo de perdas materiais e pessoais; ao impacto do apoio do núcleo familiar (ou da falta deste) e à conscientização acerca da doença.
A proposta desta pesquisa, de realizar análise da relação sujeito-drogadição por meio de uma visão fenomenológica, traz a ideia de fenômeno a tudo que está intencionalmente presente na consciência, ocasionando a esta significados que não estão isentos de valores e separados do mundo (Oliveira, 2009; Tessaro & Ratto, 2015), pois o homem é um ser-no-mundo e não um ser separado do mundo (Roehe, 2012). A análise fenomenológica é um caminho significativo porque busca o fenômeno por meio de quem vivencia uma determinada situação, possibilitando ao pesquisador olhá-lo atentamente sem querer justificá-lo, mas compreendê-lo enquanto ser-aí-com-o-outro (Lopes & Souza, 1997).
Segundo Heidegger, o ser humano tem uma compreensão mais ou menos explícita de seu próprio ser. Ele afirma que a compreensão do ser em geral constitui uma determinação ontológica do ser-aí – ou Dasein (Zuben, 2011) –, a qual não é perceptível e pode percorrer meandros que propiciam significados próprios da experiência vivenciada, facilitando a percepção da possibilidade de criação de espaços para que o Dasein assuma seus próprios caminhos (González et al., 2012). Ressalta-se aqui que assumir o próprio caminho não implica um caminhar solitário, principalmente quando consideramos a vulnerabilidade dos sujeitos em questão, cujas vidas foram e são afetadas por desfechos intrinsecamente relacionados ao estado complexo dos seres-aí tal como se apresentavam à época da realização deste estudo.
Como Tudo Começou. . .
Aos 12 anos, bebia cachaça pura. Na fazenda, meu pai dava pra gente. Depois fui pra cidade, conheci a cerveja, daí tomava só cerveja. (Entrevistado 1, comunicação pessoal, 6 de março, 2015).
Comecei com minha avó, ela era parteira, tinha uns 7 anos, sempre pedia 2 garrafas de pinga, e sempre dava um golinho pro neto, aí quando tinha 11 anos já bebia uma garrafa de pinga sozinho. (Entrevistado 2, comunicação pessoal, 9 de março, 2015).
Comecei com meu pai, ele bebia. E quando eu tinha uns 7, 8 anos também, ele que deu meu primeiro trago, foi meu pai. Depois a gente acostuma de trabalhar na roça, então saía da roça e tomava uma cachacinha, e o vício foi aumentando. (Entrevistado 3, comunicação pessoal, 9 de março, 2015).
O relato dos usuários remete que o início se deu na própria família. Heidegger afirma que o ser-aí é um ser no mundo e está vinculado, em sua existência, com o ambiente das coisas e de outras pessoas (Veloso & Monteiro, 2012). Porém, considerando-se o contexto social, econômico e político em que se inseriu este núcleo familiar, cabe refletirmos sobre quais condições constitutivas de uma realidade e até da historicidade vivenciada podem realmente contribuir para que este processo de iniciação seja vinculado à família. Nessa perspectiva, como exemplo, ressaltamos que tanto o álcool quanto o tabaco são classificados como lícitos, sendo amplamente consumidos pela sociedade e, até certo ponto, considerados inofensivos. O ex-sistir dessas pessoas utiliza estas drogas como uma tradição, sem prever que possa se desenvolver a dependência química, o que sugere a necessidade de caminhos analíticos diversos do previsto neste estudo, para o entendimento e estabelecimento de relações causais. Isto se torna relevante, posto que, no contexto da licitude, aquilo que é socialmente aceitável é relacionado às características da comunidade em questão (valores, cultura), e não ao risco que a substância representa (Tagliamento, Souza, Ferreira, & Polli, 2020)
Assim, os participantes relataram outros motivos e situações que podem ter facilitado o início do uso de substâncias:
Eu comecei na rua, abandonado por pai e mãe, e comecei a usar droga muito cedo, com 12 anos eu já tava com um cigarro de maconha na boca, daí eu casei, criei tudo meus filhos assim, fumando maconha. (Entrevistado 2, comunicação pessoal, 9 de março, 2015).
Desde uns 13 anos . . . foi por revolta mesmo, foi tudo questão familiar. Começou tudo na minha família, meu pai bebia muito, era alcoólatra, espancava todo mundo, me tirou da escola, não me deixou estudar, eu cresci revoltado, e quando ele se separou da minha mãe eu tinha uns 12 anos de idade, aí aquela liberdade eu me senti livre, aí eu comecei a estudar à noite, fumar maconha, fumar cigarro, beber cerveja, foi começando aquela revolta contra a família e contra a sociedade. Fiquei revoltado e comecei a usar droga. Eu já tinha uma predisposição, porque meu pai, meu avô eram alcoólatras. (Entrevistado 1, comunicação pessoal, 6 de março, 2015).
Meus pais ficaram preocupados com a situação financeira, esqueceram da educação familiar, aí a gente já tava bebendo, eu e meu irmão, a gente foi criado por meu pai, a gente começou a beber, meu pai não conseguia mais segurar a rédea, a gente via o exemplo de meu pai em várias farras. (Entrevistado 4, comunicação pessoal, 11 de março, 2015).
A ausência da família ou a falta de estrutura desta também se mostrou como possível gatilho para o início do uso de substâncias. Pode haver alguma relação nesse sentido, no entanto, há de se considerar que existem configurações e estruturações familiares diversas que são tão funcionais quanto aquelas ditas tradicionais. Nessa perspectiva, alinhamo-nos ao entendimento de família como nucleadora de afetos e pertencimentos, que desempenha papel crucial na socialização e pode funcionar, em amplo espectro, como fator protetor (contribuindo para a prevenção do uso de drogas) ou de vulnerabilização, diante da complexidade do tema (Barros & Tucci, 2018). Portanto, desse ponto de vista, o que balizaria a característica protetora ou de imposição de risco inerente ao núcleo familiar extrapola o fato de considerarmos somente a composição e estrutura dessa família e nos direciona para o escrutínio de como são estabelecidos e construídos os relacionamentos intrafamiliares.
Dessa forma, não temos suporte para generalizações nesse sentido, posto que a escolha pelo consumo da droga sugere que o “ser” sempre escolhe um jeito de ser, independentemente de as escolhas serem certas ou não. Dar-se conta destas escolhas significa ter consciência do estar-aí-no-mundo (Sodelli, 2010), o que pode ocorrer independentemente do contexto e configuração familiares. Diante disso, a fim de evitar estigmatizações normalizadoras, há de se problematizar o papel da família em relação a estas questões, considerando-se que não há uma relação direta entre
Composição familiar e o consumo de drogas, revelando a presença de alguns outros fatores relevantes na dinâmica familiar mencionados na literatura, tais como a presença de perdas afetivas significativas, da violência como prática educativa e de histórico de uso de drogas na família de origem, especialmente entre os pais e irmãos dos usuários, sugerindo que o uso de drogas possa estar mais fortemente relacionado com o padrão de relacionamento familiar caracterizado pela presença desses fatores do que com a composição da mesma. (Barros & Tucci, 2018, p. 7).
Seguindo este raciocínio, identificaram-se outros fatores desencadeadores, como segue:
Foi por amizade. Tinha um colega meu que eu me espelhava muito nele, aí ele me apresentou a maconha, aí depois ele falou que maconha não era droga de homem, que tinha uma droga melhor, que era a pasta-base, a cocaína. (Entrevistado 5, comunicação pessoal, 11 de março, 2015).
Como eu era do interior, eu era muito careta, então eles falavam que, para participar da nossa tribo, tinha que ser alegre, e ele às vezes até me chamavam de bicha por eu ser muito tímido, então desde então eu comecei a beber, e isso foi com 12/13 anos. (Entrevistado 6, comunicação pessoal, 16 de março, 2015).
Eu comecei com 11 anos. Na rua que a gente morava, você jogava bolita com um baseado na boca [. . .] foi por prazer mesmo, ninguém me influenciou em nada... todo mundo ficava doidão, ficava legal, eu falava, quero ficar desse jeito também, como que eu faço? (Entrevistado 7, comunicação pessoal, 16 de março, 2015).
Como o ser humano, na perspectiva fenomenológica (Heidegger, 2007), não pode ser compreendido como se faz com outros seres ou objetos, o Dasein foi proposto para indicar o caráter peculiar da existência humana e caracteriza que o ex-sistir se dá por meio da relação de ser-com-os-outros. Quando esta relação de ser-no-mundo se dá por meio de grupos de adolescentes, em que a necessidade de afirmação é importante para sua inclusão nas relações sociais que são mais profundas, em um ambiente de iniquidades, pode-se compreender o fenômeno do consumo de drogas como uma força motivadora para a inclusão, no sentido da relação de ser-com-os-outros. Tais afirmativas são suportadas pelo fato de que, para o Dasein, o ser-com-os-outros constitui-se enquanto sua característica existencial, o que, do ponto de vista relacional, pode levar ao compartilhamento de consciências e subjetividades, implicando intersubjetividades (Gomes et al., 2008), as quais possivelmente intermediam atitudes afirmativas e inclusivas.
Assim, é preciso considerar o contexto em que se inseriram e se inserem os participantes deste estudo, na perspectiva de experiência/vivência de uma condição particular, modulado pelo fato de terem nascido num período histórico-cultural, em determinada família, com visão de mundo e linguagens específicas, sobre os quais não se tem escolha, porém, contribuem para a sedimentação do mundo da vida, arcabouço do contexto (Munhall, 2017). Cabe ponderar, nesse caso, que as práticas culturais refletem necessidades individuais que são permeadas por valores e crenças advindos do núcleo familiar e compreendem uma teia de significados a serem interpretados e a própria natureza humana (Roehrs, Lenardt, & Maftum, 2008). Assim, o contexto familiar caracteriza-se também pela construção e sedimentação de “práticas culturais, de modo de olhar e de agir engendrado em uma intrincada rede de símbolos e significados. A família corresponde ao primeiro núcleo de aprendizado de muitos conhecimentos e crenças, que são construídos, compartilhados e imitados. . .” (Roehrs et al., 2008, p. 356). Considerando essa afirmativa, encontramos explicação para situações específicas em que crianças e adolescentes que vivenciaram o oferecimento ou compartilhamento de drogas no contexto familiar podem vir a entender estas práticas como permitidas, situação que os colocam em situação de vulnerabilidade para problemas relacionados ao uso de substâncias (Barros & Tucci, 2018), lícitas ou ilícitas.
O Longo Túnel Escuro
Os entrevistados relataram o uso progressivo e concomitante de vários tipos de drogas, de forma contextualizada a questões de socialização, inclusive reconhecendo efeitos:
Funciona mais ou menos assim, primeiro vem a maconha, tem o crack, tem a cocaína e tem o LSD. Cada droga dessa tem um tipo de sociedade que usa, por causa do preço. . . o mais humilde usa crack, mas sempre começa com a bebida, daí vem a maconha, cocaína, aí o cara tá numa roda social diferente e conhece um ecstasy, um LSD, daí os cara apresenta o crack para ele. (Entrevistado 6, comunicação pessoal, 16 de março, 2015).
Na escola, jamais ia conhecer isso aí, eu sei que hoje em dia o pessoal conhece, mas eu digo pela turma que eu andava, nós crescemos juntos, éramos 4 amigos, criança da primeira à oitava série que a gente estudou junto, daí na oitava série eu conheci a pedra, eu já tava bebendo demais. . . amizade errada, curiosidade, experimenta ali, aqui. Não adianta falar que é só a primeira vez, não adianta, sempre volta. (Entrevistado 7, comunicação pessoal, 16 de março, 2015).
Eu era daqueles caras que fumava maconha, cheirava cocaína, usava pasta-base, o crack, o óxi, bebia, cigarro. Eu comecei a usar com 15 anos. (Entrevistado 8, comunicação pessoal, 20 de março, 2015).
O acontecer da manifestação, o estar-aí do homem primitivo, desconhece o modo de ser do instrumento, ou seja, um fetiche não é “descoberto” como instrumento (Loparic, 1996). Assim, o consumo da droga se dá não pelo conhecimento de suas consequências, mas pela necessidade da aceitação e até mesmo pelo prazer momentâneo proporcionado pela droga. Além disso, a utilização múltipla de substâncias sinaliza para o fato de que, na busca de um bem-estar, as vias obtidas e encontradas podem não fazer mais efeito, o que leva o dependente químico a ansiar pelo alívio de sua condição, transformando seu mundo, diante da busca da superação da restrição da possibilidade de surpreender-se e de permanecer com outras demandas/convocações do mundo (Sipahi & Vianna, 2001).
Estas constatações revelam que a produção de sentidos acerca do problema vivenciado pode não ser predeterminada, mas articulada a contextos interativos específicos, ultrapassando o que é dito (pelo ser-aí-no-mundo) sobre o mundo social, posto que são elementos constitutivos deste mundo (Alves, 2006). Neste alinhamento, do ponto de vista fenomenológico, há de se ponderar que os sentidos informados são transformados em uma experiência de consciência, traduzida não no conceito de mundo, mas no modo como o conhecimento do mundo se realiza para o indivíduo (Gomes et al., 2008). Ao aceitarmos estes pontos de vista, reconhecemos que eles influenciam sobremaneira o ser-aí, o ser-com-os-outros e o ser-no-mundo, de modo que o enfrentamento das situações vivenciadas partirão de um vir a ser contínuo, rico em experiências e desnudo de pressupostos que limitem ações (do indivíduo, da família, da comunidade, dos profissionais de saúde) ao campo biológico/comportamental, ultrapassando a visão reducionista e se deslocando para um campo de entendimento de atores sociais que são seres-com-os-outros-no-mundo.
Sofrimento Psíquico
O sentimento de culpa é uma peculiaridade do modo de ser do Dasein e se vincula à necessidade de fazer escolhas em detrimento de outras (Sodelli, 2010). O sofrimento advindo do uso de drogas pode se apresentar sob a forma de culpa pelo uso, que pode ser externada por condições patológicas e psíquicas, pelos transtornos causados às pessoas do seu convívio e de sua família, como demonstra-se a seguir:
Me arrependo de ter apresentado o álcool para os meus filhos, e eles chegaram a experimentar por causa de mim. (Entrevistado 8, comunicação pessoal, 20 de março, 2015).
Vinha coisas na minha cabeça de uns anos pra cá, de suicídio, de tentar se suicidar, falava, vou tirar minha vida porque daí dá um basta, vou me matar que eu acabo com isso, acabo com o meu sofrimento, e acabo com o sofrimento que eu causo pra minha mãe e minha família. (Entrevistado 10, comunicação pessoal, 20 de março, 2015).
Causa ansiedade, porque você perde muita coisa durante os anos, aí quando você começa a ficar bom, você quer recuperar tudo de um dia pro outro, isso me causa muita ansiedade e tristeza, porque eu vejo todo prejuízo que dei pra minha família. (Entrevistado 11, comunicação pessoal, 30 de março, 2015).
O sentido de buscar ajuda para a dependência química significa resgatar a saúde, o emprego perdido, o respeito junto à família e até mesmo a luta pela “dignidade” perdida:
Tenho vontade de conversar com as pessoas, de trabalhar, não de roubar. Eu quero poder voltar a viver no convívio com as outras pessoas. (Entrevistado 1, comunicação pessoal, 6 de março, 2015).
Eu não tinha mais condições físicas e psicológicas para trabalhar, e eu penso que o que me fez entrar em estado de angústia e depressão foi o álcool. (Entrevistado 13, comunicação pessoal, 3 de abril, 2015).
É inquestionável o sofrimento psíquico do usuário de drogas, quer pelo efeito das substâncias, quer pelo efeito da dependência. Na compreensão fenomenológica, o ser humano é vulnerável em relação ao cuidar de seu ex-sistir, e esta vulnerabilidade proporciona o aparecimento de sentimentos de angústia e de culpa. Desse ponto de vista, há de se considerar que o fenômeno pode se manter velado ao que se mostra, ao passo que pode também mostrar-se diretamente, como constitutivo ao sentido de quem o vivencia (Dasein), o que se desafia a compreender que o fenômeno é o que se mostra e como se mostra, mesmo que de forma velada, em sua singularidade (González et al., 2012).
Assim, os participantes manifestaram que:
Perdas, tanto materiais como de pessoas que eu amo que se afastaram de mim, uma tristeza muito grande, dá uma vontade de desistir da vida, mas eu tô tomando a medicação que me ajuda. Antidepressivos, ansiolíticos. Tem me ajudado, mas essa depressão ainda bate, é aí que eu tenho que ter um lado espiritual. O que me conforta é ir à igreja, vou tocar, a música me tira daquele estresse, mas minha luta mesmo é com a depressão. (Entrevistado 11, comunicação pessoal, 30 de março, 2015).
Eu fumo maconha todos os dias, eu já fumei hoje, mesmo tomando o remédio, mas agora o meu estado de depressão não sei de onde que sai. (Entrevistado 14, comunicação pessoal, 3 de abril, 2015).
O que eu fiz no meu corpo durante esses anos com a droga? O que eu vejo é que eu seria um homem mais respeitado, eu teria dignidade, família, amigos, e você percebe isso tarde, e a recuperação é tão difícil quanto você aprender. (Entrevistado 25, comunicação pessoal, 10 de abril, 2015).
Os relatos da ex-sistência dos usuários em tratamento demonstram que estão tendo a consciência dos males causados às pessoas queridas, e (re)conhecer isso é ter consciência do estar-aí-no-mundo. Nestas falas, evidencia-se a busca por outros sentidos de estar-no-mundo, a despeito dos problemas causados pelas drogas ilícitas, as quais ainda podem permear o cotidiano do usuário. Tais fatos são uníssonos ao discurso heideggeriano, que evoca o entendimento de que, para todas as pessoas, viver pode ser difícil e sofrido, posta a condição humana que se mostra como um ônus para todo ser-aí (Dasein), lançado no mundo, e que não é constituído a priori, mas no binômio existir-viver (Heidegger, 2007).
Questões Familiares
O apoio familiar é um dos eixos de sustentação para a proteção e o auxílio ao dependente químico e, de acordo com seus relatos, sua condição os afastou do núcleo familiar. Tais resultados destacam que o Dasein, ao aceitar sua dependência das drogas, traz consigo um modo restrito de movimentar-se na vida e de cuidar de seu mundo, o que interfere em suas atividades cotidianas, caracterizadas pela dificuldade do viver-com e pela solidão (Sipahi, 2001), o que se torna plausível quando revelam:
Fico com a minha mãe, que é uma pessoa que cuida de mim, que nunca me abandonou; quando eu fui preso, ela tava lá todo domingo para me ver. É lógico que eu vou escolher a minha mãe. (Entrevistado 27, comunicação pessoal, 13 de abril, 2015).
Meu pai, ele falava assim, eu não tive estudo, meu filho também não vai ter. Depois que meu pai morreu, aí minha mãe que lutou pra mim estudar. Hoje eu tenho ensino médio completo, foi por causa dela. (Entrevistado 28, comunicação pessoal, 13 de abril, 2015).
Minha família me apoia agora, porque antes eu nunca morei com pai e mãe, eu não tive uma criação assistida, sempre um jogando a culpa no outro e assim foi, e eu cresci nesse mundinho. (Entrevistado 13, comunicação pessoal, 3 de abril, 2015).
Não tenho apoio, porque o apoio que eu tinha era minha mãe e meu irmão, mas eles já partiram. Agora moro sozinho, meus irmãos moram em São Paulo. O apoio que tenho aqui é mais minha vontade e meus amigos do CAPS. (Entrevistado 1, comunicação pessoal, 6 de abril, 2015).
Isto posto, há a necessidade de uma mudança gradual, em que essas pessoas possam reduzir os efeitos negativos causados pelas drogas, para o resgate do amor de seus filhos. Nesse sentido, ao reconhecer este afastamento, o ser-aí sinaliza para a consciência de que este se deu como consequência de seu modo de vida, mas que, do ponto de vista fenomenológico, pode ser resgatado mediante o acesso de novos modos possíveis de ser no mundo, encarando o futuro como um vir a ser possibilitador, estando o Dasein como sujeito de sua própria história, situação que implica riscos, medos e abandonos (Sipahi, 2001), conforme destacado a seguir:
Faz três anos que não vejo meus filhos, tem várias coisas que estão acontecendo na minha vida, que a maconha às vezes me faz esquecer. (Entrevistado 13, comunicação pessoal, 3 de abril, 2015)
A minha filha de 14 anos me ama muito, mas às vezes eu mesmo não vou ver ela, com vergonha própria, mas agora, não, eu estou aqui, ela sabe, sabe que eu estou fazendo tratamento, mas quando eu estava no uso mesmo, eu tinha vergonha de ir lá ver ela, abraçar ela. (Entrevistado 31, comunicação pessoal, 17 de abril, 2015).
E agora que eu estou reconquistando minhas filhas, porque até me separei por causa do álcool, então estou recuperando o carinho das minhas filhas graças à minha sobriedade. E a minha filha de 18 anos tem um bom tempo que não conversa comigo, tem uns 4, 5 anos que ela não conversa comigo. É isso que mais me dói, as minhas filhas tão longe de mim. (Entrevistado 28, comunicação pessoal, 13 de abril, 2015).
Tais achados ganham suporte na constatação de que o ser-aí (neste caso, os usuários de drogas) altera seu modo de estar no mundo e com os outros, devido às frequentes irregularidades de sua vivência, alterada e balizada pelo consumo das drogas, o que limita seu convívio com familiares/amigos, por não compartilharem de uma mesma realidade (Sipahi, 2001).
A vulnerabilidade da família na convivência com o usuário de drogas demonstra a importância da sua inclusão no tratamento prestado pelos serviços de saúde, que precisam ter uma política com visão holística dos programas destinados à recuperação de dependentes químicos. Assim, propostas de reequilíbrio do processo saúde-doença no contexto dos usuários de drogas necessitam ser pautadas por abordagens inclusivas, sobretudo realistas, de modo a se promover tomada de decisões individuais e coletivas que sejam compatíveis com os modos de vida e expectativas do usuário e da família. Isto se contrapõe às políticas excludentes e estigmatizadoras, e se alinha à perspectiva da RD, na medida em que se reconhecem potencialidades, fragilidades e possibilidades de cada caso, propondo-se, a partir disso e das evidências científicas atuais, estratégias de enfrentamento.
No entanto, a política de RD, que tem como pressuposto a consideração do contexto sociocultural e econômico e foi implementada progressivamente no Brasil, reconhecendo o papel do Estado na atenção à saúde aos usuários de substâncias psicoativas (Tagliamento et al., 2020), desde 2019, está sendo precarizada, desmontada e substituída pela atual política nacional de drogas. Esta tem o potencial de contribuir para a exclusão e estigmatização, na medida em que: “. . . não leva em conta a singularidade, a autonomia e a (re)inserção social da pessoa na sociedade, uma vez que postula unicamente a abstinência e o internamento como possibilidades de tratamento/acolhimento para pessoas que fazem uso prejudicial de substâncias psicoativas” (Tagliamento et al., 2020, p. 196).
Em contraponto, compreende-se que o padecimento oriundo do envolvimento com as drogas implica restrição de liberdade do ser-aí, limitando suas possibilidades de viver e conviver, devido à desestruturação de sua cotidianidade. Tal afirmativa não pressupõe a necessidade exclusiva de cuidados profissionais. A priori, diz respeito à necessidade de ajuda humana de convivência no mundo, posto que o homem é sempre heterônomo, enquanto ser-com os outros no mundo. Neste caso, o padecimento potencializa, do ponto de vista quali-quantitativo, a necessidade de ajuda (González et al., 2012) que possivelmente terá de ser estendida ao núcleo familiar. Em corroboração a isto, cabe salientar que, para o corpo que vivencia o adoecimento, a doença implica estado de humor alienante que envolve todo o mundo da pessoa que sofre (Heiddeger, 2007), incluindo-se aí o núcleo familiar.
A Consciência da Doença e o Apelo à Saúde
Apesar da percepção dos efeitos negativos da droga sobre o corpo, os relatos salientam a impotência da sua redução na preservação da saúde. À luz da fenomenologia, saúde e doença são fenômenos existenciais e a sua compreensão pelos profissionais de saúde oportuniza um olhar mais amplo sobre o ser humano (Mendes, Araújo, Dias, & Melo, 2014). Para tanto, valoriza-se a experiência como a forma original com a qual os sujeitos concretos vivenciam seu mundo (modo de ser do sujeito no mundo), pela disposição ao reinserir o sensível, situado no tempo e no espaço (Alves, 2006). Assumir este posicionamento requer o desprendimento de práticas prescritivas, construídas prioritariamente no alicerce do biologicismo e das normativas comportamentais. Assim, os profissionais de saúde poderão ofertar a oportunidade de reequilíbrio do processo saúde-doença enquanto devir, respaldados pelo que a situação dos usuários traz de real, como descrito a seguir:
Quando a gente tá usando, a gente chega a ficar 8, 10 dias no mato, usando droga, bebida, não tá nem aí pra saúde. (Entrevistado 01, comunicação pessoal, 6 de março, 2015).
Sem contar que, quando você usa o álcool, você fede, transpira aquele odor, e na boca também, não saía o gosto do álcool da minha boca, da pele. (Entrevistado 28, comunicação pessoal, 13 de abril, 2015).
Eu não gostava de me alimentar não, parecia que a alimentação enfraquecia o efeito da droga. Eu não me alimentava, para o efeito ser mais forte. (Entrevistado 35, comunicação pessoal, 4 de maio, 2015).
Hoje eu admito que eu tenho uma doença, sou dependente químico, e sou fraco perante a droga, se eu for usar ela, ela acaba comigo. (Entrevistado 31, comunicação pessoal, 17 de abril, 2015).
Atualmente, não se pode planejar o tratamento e o apoio ao usuário com dependência química sem refletir a saúde-doença como um processo capaz de entender esses pacientes, levando em consideração suas histórias de vida, seus sentimentos, desejos e também suas necessidades, inclusive na visão específica de cada pessoa representar o processo saúde-doença (Pratta & Santos, 2009).
Para Heidegger, a dualidade saúde-doença relaciona-se ao paradigma cartesiano que ainda é predominante nas ciências da saúde. Ao fazer a distinção entre o termo, diz que o Dasein pode escolher livremente a doença, mais autenticamente que a saúde. Para ele, a doença como estado, a medicina como salvação e a medicalização seriam construções metafísicas (Cabrera & Salamano, 2014). Em contrapartida, para a fenomenologia, o estado de doença compreende um conjunto de elementos socioculturais interligados, que constituem o mundo da doença, entendido como um horizonte de significados, condutas e instituições associadas à enfermidade ou ao sofrimento (Alves, 2006). Esta dualidade nos pontos de vista, associada à cultura normativa e reducionista pela qual os profissionais de saúde são submetidos em sua formação, implica desafio ainda maior para que a abordagem resolutiva das pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool/drogas seja efetiva, tanto no âmbito individual quanto coletivo.
O conjunto das categorias empíricas emergentes nos levou a refletir sobre a complexidade do processo saúde-doença vivenciado pelos sujeitos em questão. Embora tenhamos centrado a problematização desta discussão no entorno do objeto de estudo, faz-se necessário pontuar que o resgate à dimensão libertadora do cuidado é uníssono às necessidades deste tipo de população. Assim, as ações de saúde (o cuidado em si) apoiarão o ser-aí em suas potencialidades para vir a ser, para cuidar de si próprio, antepondo-se ao outro em sua possibilidade existencial de ser, não lhe negando o cuidado, mas considerando a existência do outro, que não pode ser objeto de ocupação, mas da possibilidade de tornar-se, cuidar-se (Heidegger, 2007).
Diante do reconhecimento da doença, mencionado pelos participantes deste estudo, e da dualidade vivenciada no processo de controle do processo saúde-doença, com períodos de maior estabilidade e outros de recaídas, salientamos que conviver com a dependência química pode não ser apenas uma experiência dolorosa, mas também a possibilidade de um modo mais autêntico de existir, cuja finalidade não seja evitar a morte, mas a escolha de “. . . quem queremos ser e o que queremos realizar precisamente em luz da natureza finita e vulnerável de todo projeto de vida humana” (Svenaeus, 2019, p. 471), o que pode ser válido tanto para os participantes do estudo quanto para os profissionais relacionados à atenção à saúde desta população específica. Entretanto, tanto a saúde quanto a doença, apesar de serem normativas na natureza, diferem das normas que constituem aquilo que se espera de uma vida feliz e autêntica de uma vida infeliz e irreal (Svenaeus, 2019).
Considerações Finais
Compreendemos que os sujeitos deste estudo perceberam o próprio processo saúde-doença como algo em construção, ou seja, situado no campo do vir a ser, posto que foi caracterizado pelo reconhecimento: da influência do contexto e questões familiares vivenciados no passado e no presente e que terão possível desfecho futuro; da doença dependência química como fator responsável por seu sofrimento e de familiares, a despeito dos efeitos buscados quando da utilização das drogas, que, para alguns, ainda se fazia presente.
O processo saúde-doença, enquanto fenômeno complexo, revela-se como um campo com muito potencial para o desenvolvimento de pesquisas qualitativas, especialmente quando da adoção da fenomenologia como referencial teórico. Nesta perspectiva, ao se explorar um conjunto de elementos que carrega em si a concretude do ser-aí e de suas vivências, abrem-se perspectivas para o enfrentamento de questões que ultrapassam o campo do biológico, principalmente quando consideramos grupos específicos vulneráveis, como os deste estudo.
Ao assumirmos este posicionamento, vislumbramos seu reflexo não somente nos modos de vida do sujeito (enquanto ser-aí, ser-com, ser-com-no-mundo), mas também em toda a abordagem diferenciada que as questões relacionadas ao controle do processo saúde-doença de pessoas com problemas relacionados às drogas, ao emergirem, podem demandar dos serviços de saúde e da sociedade.
Em relação ao percurso metodológico adotado neste estudo, destacamos dois aspectos fundamentais: a valorização da dupla imersão e a realização da entrevista semidirigida de forma flexível. Assim, a dupla imersão (Neves et al., 2018) se fez necessária, pois nos levou às respostas (descritas nos achados deste estudo) ao nosso interesse pela temática/objeto de pesquisa, antecedido pela pergunta: quais as vivências/experiências dos participantes que balizam o processo saúde-doença e que implicam complexidade para os atores envolvidos na atenção à saúde de grupos tão vulneráveis? Este foi o real motivo deste estudo, que sinaliza o “. . .lugar do pesquisador no mundo, e isso tem implicações importantes, pois, na metodologia fenomenológica, o pesquisador também é instrumento de pesquisa”, produzindo-se assim condições que privilegiam a subjetividade/intersubjetividade e uma relação dialógica contextual, ou seja, com o mundo da vida (Neves et al., 2018; p. 8). Isto se torna dimensão crítica do processo dialógico de estudos fenomenológicos, posto que reconhecemos que tanto o pesquisador quanto o sujeito da pesquisa não podem se desvincular do mundo da vida, e que as experiências e os conhecimentos do pesquisador o conduzem a considerar se um determinado fenômeno é relevante para se realizar uma investigação (Neubauer et al., 2019). No caso deste estudo, tanto a vulnerabilidade dos participantes quanto a temática em termos de saúde pública nos sensibilizaram para aprofundar os conhecimentos, com o intuito de propormos ações de promoção, prevenção e controle ao processo saúde-doença de forma mais específica e resolutiva, pela possibilidade de construirmos um “. . . entendimento sobre as experiências vividas . . .” (Neubauer et al., 2019, p. 95) pelos participantes do estudo.
Para tanto, durante a entrevista semidirigida, embora houvesse um roteiro organizado em tópicos, optamos por utilizá-lo em situações de extrema necessidade, o que ocorreu somente em duas ocasiões durante a coleta de dados. Consideramos que esta flexibilização promove maior riqueza de detalhes, na medida em que os interlocutores constroem, paulatinamente, um momento de escuta e fala centrado no que faz sentido às experiências dos participantes, considerando o objeto de estudo proposto. Nesse aspecto, as vivências na realização deste estudo nos apontaram que uma certa amplitude da questão disparadora e a menor quantidade de intervenções do pesquisador durante as entrevistas (tendo sempre em vista o objetivo proposto, mas sendo flexível em relação à ordenação e composição do roteiro) favorecem possibilidades de emergirem detalhes relevantes tanto para pesquisadores quanto para os entrevistados. Assim, foi apropriada a postura do entrevistador no sentido de acolher alternâncias subliminares no comando do direcionamento da entrevista e a livre associação de ideias, além de realizar interposições propositais quando necessárias, de modo a contribuir para a obtenção dos objetivos em questão (Turato, 2013).
Apesar de desvelar aspectos importantes para a construção do conhecimento na área proposta, este estudo envolveu somente homens em processo de tratamento/controle, o que o limita, considerando que possivelmente as mulheres/pessoas que não estejam em tratamento no momento da coleta de dados produzam sentidos diversos ao serem inqueridas sobre a mesma questão central de estudo. Estas limitações sinalizam para a necessidade de pesquisas futuras que abordem as mulheres (que estejam em fase de tratamento ou não) e, também, a utilização de metodologias mistas que propiciem a compreensão destes sentidos de processo saúde-doença vinculados ao modo pelo qual esta população está sendo cuidada no Sistema Único de Saúde.
Referências
Aguilar, L. R., & Pillon, S. C. (2005). Percepción de tentaciones de uso de drogas en personas que reciben tratamiento. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 13(spe), 790-797.
Alves, P. C. (2006). A fenomenologia e as abordagens sistêmicas nos estudos sócio-antropológicos da doença: Breve revisão crítica. Cadernos de Saúde Pública, 22(8), 1547-1554.
Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.
Barros, N. A., & Tucci, A. M. (2018). Percepções dos Usuários de Crack sobre as suas Relações Familiares na Infância e Adolescência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, e34418. doi:https://doi.org/10.1590/0102.3772e34418
Bucher, R. (1992). Drogas e drogadição no Brasil. Porto Alegre: Artes Médicas.
Cabrera, J., & Salamano, M. C. (2014). Heidegger Para a Bioética. Revista Latinoamericana de Bioética, 14(2), 118–127.
Capra, F. (1982). O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix.
Cardoso, L. S., Santos, M. V. F., Thomas, C. L., & Siqueira, M. M. (2013). Fatores de risco e proteção para o consumo de drogas: Conhecimento de estudantes de uma escola pública. Saúde em Debate, 37, 147-157.
Fontanella, B. J. B., & Ricas, J., & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: Contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, 24(1), 17-27.
Gomes, A. M. A., Paiva, E. S., Valdés, M. T. M., Frota, M. A., & Albuquerque, C. M. (2008). Fenomenologia, Humanização e Promoção da Saúde: Uma proposta de articulação. Saúde & Sociedade, 17(1), 143-152.
González, A. D., Garanhani, M. L., Bortoletto, M. S. S., Almeida, M. J. de, Melchior, R., & Nunes, E. de F. P. A. (2012). Fenomenologia heideggeriana como referencial para estudos sobre formação em saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 16(42), 809-817.
Heidegger, M. (2007). Ser e tempo. Petrópolis: Vozes.
Loparic, Z. (1996). Heidegger e a pergunta pela técnica. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, série 3, 6(2), 107-138.
Lopes, R. L., & Souza, I. E. (1997). A fenomenologia como abordagem metodológica: Compartilhando a experiência de mulheres que buscam a prevenção do câncer cérvico-uterino. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 5(3), 5-11.
Mendes, M., Araújo, A., Dias, M., & Melo, J. (2014). Reflexões sobre corpo, saúde e doença em Merleau-Ponty: Implicações para práticas inclusivas. Movimento, 20(4), 1587-1609.
Munhall, P. L. (2007). A Phenomenological Method. In Nursing Research – A qualitative perspective (4a ed., pp. 145-210). Sudbury, MA: Jones And Bartlett Publishers.
Neubauer, B. E., Witkop, C. T., & Varpio, L. (2019). How phenomenology can help us learn from the experiences of others. Perspectives on Medical Education, 8(2), 90–97.
Neves, R. da F., Nunes, M. de O., & Lima, M. A. G. de. (2018). A abordagem fenomenológica na investigação do retorno ao trabalho nos casos de transtorno mental. Psicologia & Sociedade, 30(0), 1-10.
Oliveira, S. R. M. (2009). Fenomenológico-existencial/Compreensiva. In Seibel, S. D. (Org.), Dependência de Drogas. São Paulo: Atheneu.
Pratta, M. E. M., & Santos, M. A. (2009). O processo saúde-doença e a dependência química: Interfaces e evolução. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(2), 203-211.
Roehe, M. V. (2012). A Psicologia Heideggeriana. Psico, 43(1), 14-21.
Roehrs, H., Lenardt, M. H., & Maftum, M. A. (2008). Práticas culturais familiares e o uso de drogas psicoativas pelos adolescentes: reflexão teórica. Escola Anna Nery, 12(2), 353-357. doi:https://doi.org/10.1590/S1414-81452008000200024
Sipahi, F. M., & Vianna, F. C. (2002). A dependência de drogas e a fenomenologia existencial. Revista da Associação Brasileira Daseinsanalyse, 11, 85-92.
Sipahi, F. M., & Vianna, F. C. (2001). Uma análise da dependência química numa perspectiva fenomenológica existencial. Anales de Psicología, 4 (XIX), 503-507.
Sodelli, M. (2010). A abordagem proibicionista em desconstrução: Compreensão fenomenológica existencial do uso de drogas. Ciência & Saúde Coletiva, 15(3), 637-644.
Souza, S. E. F, Mesquita, C. F. B., & Sousa, F. S. P. (2017). Abordagem na rua às pessoas usuárias de substâncias psicoativas: Um relato de experiência. Saúde em Debate, 41(112), 331-339.
Svenaeus, F. (2019). A Defense of the Phenomenological Account of Health and Illness. The Journal of Medicine and Philosophy: A Forum for Bioethics and Philosophy of Medicine, 44(4), 459-478.
Tagliamento, G., Souza, A., Ferreira, R., & Polli, G. (2020). Processo de saúde-doença nos modelos de abstinência e redução de danos: Revisão integrativa da literatura. Psicologia Argumento, 38(99), 174-200. doi: http://dx.doi.org/10.7213/psicolargum.38.99.AO09
Tessaro, L. G. S., & Ratto, C. G. (2015). Pessoas que dependem de drogas: ensaio de figuras e fechamentos. Revista Abordagem Gestalt - Phenomenological Studies, 21(1), 83-94.
Turato, E. R. (2013). Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: Construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis: Vozes.
United Nations Office on Drugs and Crime. (2016). World Drug Report. Recuperado de http://www.unodc.org/wdr2016
Vargas, D. de, Bittencourt, M. N., Rocha, F. M., & Oliveira, M. A. F. de. (2013). Representação social de enfermeiros de centros de atenção psicossocial em álcool e drogas (CAPS AD) sobre o dependente químico. Escola Anna Nery, 17(2), 242-248.
Vieira, J. K. de S., Carvalho, R. N., Azevedo, E. B. de, Silva, P. M. de C., & Ferreira Filha, M. de O. (2010). Concepción de las drogas: relatos de usuarios del CAPS-ad de Campina Grande, PB, Brazil. SMAD. Revista Eletrônica de Saúde Mental Álcool e Drogas, 6(2), 274–295.
Veloso, L. U., & Monteiro, C. F. S. (2012). A família frente ao alcoolismo: Um estudo fenomenológico. Revista de Enfermagem da UFPI, 1(1), 14-21.
Zuben, N. A. V. (2011). A fenomenologia como retorno à ontologia em Martin Heidegger. Trans/Form/Ação, 34(2), 85-102.
Recebido em: 09/04/2020
Última revisão: 26/10/2020
Aceite final: 25/11/2020
Sobre os autores:
Alessandro Diogo De Carli: Doutor em em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Docente permanente do Programa de Pós-graduação Stricto sensu em Saúde da Família - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: alessandrodecarli@hotmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0002-4560-4524
Gabriele Ferrarezi: Graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Cirurgiã-dentista. E-mail: gabriele.ferrarezi@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0001-7999-8835
Juliane Seger Falcão: Graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Cirurgiã-dentista. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-5954-4163
Paulo Zárate Pereira: Doutor em Odontologia pela Universidade de São Paulo. Docente da Faculdade de Odontologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: paulo.zarate@ufms.br, Orcid: http://orcid.org/0000-0001-9249-7955
Melina Raquel Theobald: Doutora em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Enfermeira do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul. E-mail: melinatheobald@hotmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0002-1683-3280
Mara Lisiane de Moraes dos Santos: Doutora em Ciências da Saúde pelo convênio multi-institucional Rede Centro-Oeste UnB/UFG/UFMS. Docente permanente do Programa de Pós-graduação Stricto sensu em Saúde da Família na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul E-mail: maralisi@globo.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0001-6074-0041
Danielle Tupinambá Emmi: Doutora em Odontologia (Dentística) pela Universidade de São Paulo. Docente do curso de Odontologia na Universidade Federal do Pará. E-mail: dtemmi@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0002-6046-0717
Regina Fátima Feio Barroso: Doutora em Odontologia (Odontologia Social) pela Universidade Federal Fluminense. Docente do curso de Odontologia na Universidade Federal do Pará. E-mail: reginafeio26@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0002-8875-2957
1 Endereço de contato: Rua Canxin, 38, Campo Grande, MS. CEP 79046-214. Telefone: 67.981236797. E-mail: alessandrodecarli@hotmail.com
doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v13i4.1291