Experiências paternas em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
Father’s experiences in Neonatal Intensive Care Unit
Experiencias paternas en una Unidad de Cuidados Intensivos Neonatales
Sabrine Gabrielle Fetzner
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Mônica Sperb Machado
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Caroline Rubin Rossato Pereira1
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Resumo
Introdução: O nascimento prematuro e a internação de um bebê configuram-se experiências difíceis para todos os envolvidos. Este estudo qualitativo objetivou compreender a experiência de pais de bebês nascidos prematuros e internados em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). Método: A amostra por conveniência incluiu três homens cujos bebês tinham entre cinco e seis meses de vida e se encontravam internados na UTIN de um hospital público no Rio Grande do Sul. Um questionário sociodemográfico e uma entrevista semiestruturada foram aplicados e analisados a partir da Análise de Conteúdo temática. Resultados e Discussões: Identificou-se o sofrimento dos pais diante do nascimento prematuro e da internação hospitalar dos filhos, os desafios da primeira visita e as dificuldades na retomada de suas rotinas de trabalho. Destacou-se o apoio recebido pelos pais de seus familiares e amigos. Conclusão: Faz-se necessário qualificar as intervenções destinadas aos pais na UTIN, fortalecendo a experiência de paternidade e o vínculo pai-bebê.
Palavras-chave: nascimento prematuro, paternidade, unidade de terapia intensiva neonatal
Abstract
Introduction: Premature birth and hospitalization of a baby are difficult experiences for everyone involved. This qualitative study aimed to understand the experience of fathers of babies born prematurely and hospitalized in a Neonatal Intensive Care Unit. Method: The convenience sample included three men whose babies were between five and six months old and were hospitalized in the NICU of a public hospital in Rio Grande do Sul. A sociodemographic questionnaire and a semi-structured interview were applied and analyzed based on thematic Content Analysis. Results and Discussions: Parents’ suffering regarding premature birth and hospitalization of the baby, challenges of the first visit and difficulties in resuming their work routines were identified. The support received by fathers from their family and friends was highlighted. Conclusion: It’s necessary to qualify interventions aimed at parents in the NICU, strengthening the experience of fatherhood and father-baby bond.
Keywords: premature birth, paternity, neonatal intensive care unit
Resumen
Introducción: El nacimiento prematuro y la hospitalización de un bebé son experiencias difíciles para todos envueltos. Este estudio cualitativo tuvo como objetivo comprender la experiencia de los padres de bebés prematuros y hospitalizados en una Unidad de Cuidados Intensivos Neonatales. Método: La muestra de conveniencia incluyó a tres hombres cuyos bebés tenían entre cinco y seis meses de edad y fueron ingresados en la UCIN de un hospital público en Rio Grande do Sul. Se aplicó un cuestionario sociodemográfico y una entrevista semiestructurada, que fueron analizados a partir del Análisis de Contenido temático. Resultados y debates: Se identificaron el sufrimiento de los padres que enfrentan el parto prematuro y la hospitalización de sus hijos, los desafíos de la primera visita y las dificultades para reanudar sus rutinas de trabajo en este nuevo contexto de vida. Se destacó el apoyo recibido por los padres de sus familiares y amigos. Conclusión: Es necesario calificar las intervenciones dirigidas a los padres en la UCIN, fortaleciendo la experiencia de la paternidad y el vínculo padre-bebé.
Palabras clave: parto prematuro, paternidade, unidad de cuidados intensivos neonatales
Introdução
Durante o século XIX até por volta do início do século XX, a estrutura familiar tradicional, nuclear e heterossexual, era constituída por uma clara divisão de papéis, cabendo ao homem o envolvimento com o trabalho e o domínio político-financeiro-social, sendo o único provedor da família. A mulher, por sua vez, devia dedicar-se apenas aos afazeres domésticos e à criação dos filhos, permanecendo alheia às discussões sociais, políticas e econômicas (Wagner, Predebon, Mosmann, & Verza, 2005). Dessa forma, o modelo familiar tradicional organizou-se através de um sistema rígido e hierárquico de papéis. A começar de meados do século XX, modificações no papel feminino, a partir, por exemplo, do movimento feminista, da entrada da mulher no mercado de trabalho e de sua participação no sistema financeiro familiar, ecoaram em alterações nas relações familiares, passando a constituir a dita família nuclear burguesa (Staudt & Wagner, 2007; Wagner et al., 2005).
A partir de então, começou a ser inscrito um modelo de família pós-moderna, caracterizado pelo questionamento da divisão e hierarquia de trabalho, bem como da estrutura familiar do patriarcado, concebida por papéis familiares cristalizados. Neste cenário, a maior ausência da mulher em relação ao domicílio familiar, devido à ampliação de seu papel social, contribuiu para a ampliação do espaço do homem neste contexto, sendo cada vez mais solicitado a participar e envolver-se nos relacionamentos afetivos e na criação dos filhos. Paralelamente a isso, na virada do século XX para o século XXI, identificou-se o surgimento de uma nova concepção de homem-pai, que compartilha com a mulher os âmbitos públicos e privados, além de envolver-se nos cuidados e na criação dos filhos (Staudt & Wagner, 2007).
Tal demanda pode ser percebida desde a gestação, período em que alguns pais podem se mostrar envolvidos tanto emocionalmente quanto concretamente com o filho que vai nascer. O período gravídico é sentido de forma intensa por muitos homens, quando no exercício do papel paterno, visto que passam por um misto de sentimentos que podem assemelhar-se aos das mulheres que serão mães. A gravidez, sendo assim, é considerada como um período em que o homem amplia e reavalia os seus papéis, como o de provedor financeiro, de apoio para a sua companheira e de modelo para seus filhos, reajustando sua concepção de papel paterno a fim de lidar com as demandas da chegada do filho (Klaus, Kennel, & Klaus, 2000). Além disso, esse período pode ser caracterizado por reflexões sobre as suas descendências, ou seja, nesse momento os pais podem reavaliar o que lhes foi transmitido e herdado de seus pais. Assim, pode-se entender que o bebê imaginado durante a gestação biológica, no caso das famílias heterossexuais, é fruto da história transgeracional da mãe e do pai (Lebovici & Solis-Poton, 2004) e que tal transmissão tem influência em como os pais vão exercer a parentalidade (Zornig, 2010).
Nesse sentido, mesmo antes do nascimento do filho, considera-se que pais e mães realizam investimentos emocionais e afetivos no bebê. Para as famílias heterossexuais e no contexto de uma gestação biológica, considera-se que, no período gravídico, a parentalidade tende a se desenvolver através de um ritmo diferente para homens e mulheres. A mulher, estimulada pelas modificações fisiológicas e pelo desenvolvimento do feto dentro de si, tende a desenvolver um vínculo com o bebê e uma percepção de si como mãe desde muito cedo. Na ausência destas particularidades, o processo para o homem, em geral, mostra-se mais lento (Bornholdt, Wagner, & Staudt, 2007).
Geralmente, é a partir do parto e do nascimento do filho que o pai consegue concretizar a paternidade. Dessa forma, o nascimento é comumente vivenciado com intensa emoção, acompanhado por sentimentos de continuidade da vida e de orgulho (Bornholdt et al., 2007). Após o nascimento, quando a mãe e o pai seguram o filho no colo, eles estão relacionando-se tanto com o bebê imaginário quanto com o bebê real. Isso significa que o contato inicial progenitores-bebê inclui a necessidade de adaptação entre o bebê que os pais idealizaram, com quem sonharam ao longo da gestação, e o bebê real, com quem passam a ter contato após o nascimento. Os pais, dessa forma, passam por um período de ajuste e adaptação para receberem o bebê real (Lebovici & Solis-Poton, 2004).
Quando o parto ocorre antecipadamente, nascendo um bebê prematuro, os pais necessitam de um esforço ainda maior para adaptar-se ao bebê e aos novos papéis. Eles precisam conciliar a imagem idealizada que tinham do bebê com um o qual pode se apresentar com um aspecto mais distante do imaginado, podendo ser menor do que o esperado, pálido, magro, com aparência enfraquecida, por vezes, entubado ou cercado por aparelhos (Klaus et al., 2000).
Considera-se prematuridade quando o bebê ainda não está maduro o suficiente, pois os seus pulmões ou outros órgãos ainda não estão em perfeito funcionamento. Assim, o bebê prematuro nasce antes de completar 37 semanas de gestação, e são considerados prematuros extremos os bebês que nascem com menos de 30 semanas gestacionais. O bebê prematuro pode necessitar de assistência técnica, envolvendo a hospitalização com reanimação neonatal ou permanência na incubadora, por exemplo, entre outros aparatos que aumentam as chances de desenvolver-se bem (Szejer & Stewart, 1997).
O início da internação de um bebê prematuro, portanto, configura-se em um momento difícil para os genitores, envolvendo grande ansiedade e a incerteza sobre a sobrevivência do bebê. O pai, em geral, acompanha o processo de internação tanto do bebê quanto o de sua companheira, no que ela, nos casos de parto cesariano, encontra-se no pós-operatório. Dessa forma, o pai pode experienciar confusão diante da situação inusitada, vivenciando o sofrimento de seu bebê, que pode ser submetido a muitos exames e procedimentos invasivos (Andreani, Custódio, & Crepaldi, 2006). Além disso, o pai é quem, em geral, acompanha o recebimento da notícia sobre a situação de seu bebê, junto de sua companheira, e está presente na primeira visita ao filho, geralmente na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) (Klaus et al., 2000).
Nesses casos, além de vivenciar os sentimentos advindos da paternidade, o pai pode experimentar tristeza, dor e impotência em relação ao nascimento de seu filho prematuro (Santos, Silva, Santana, & Santos, 2012), ao passo que pode buscar demonstrar-se forte, oferecendo-se como suporte à companheira e deixando em segundo plano o seu próprio sofrimento diante da situação a que está exposto. Assim, destaca-se que o pai também necessita de amparo, cuidado e atenção diante do nascimento do bebê prematuro. Entende-se que, ao receber um olhar e uma escuta adequados nesse momento, sua afetividade e possíveis emoções ocultas poderão aflorar, permitindo que vivencie e construa a paternidade de forma mais leve no contexto da UTIN (Coutinho & Morsch, 2006).
Assim, o presente estudo teve por objetivo compreender a experiência de pais, do sexo masculino, de bebês recém-nascidos prematuros, no contexto de uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, ao investigar os sentimentos despertados diante do nascimento prematuro e da internação do filho e o papel que ocupam nesse processo. Entende-se que tais compreensões podem colaborar para a qualificação das práticas destinadas aos pais nas equipes de saúde em contextos hospitalares, contribuindo para a promoção de saúde pai-bebê.
Método
Participantes
Participaram deste estudo três pais do sexo masculino de bebês prematuros que se encontravam internados na UTIN de um hospital público do interior do Rio Grande do Sul. Dois dos pais estavam vivenciando a paternidade pela primeira vez e um dos pais pela segunda vez. Os seus bebês tinham entre cinco e seis meses de idade. Destaca-se que os papéis maternos e paternos podem ser desempenhados por diferentes pessoas, não necessariamente os progenitores do bebê. Isso porque a parentalidade corresponde ao cuidado da criança, a fim de assegurar sua sobrevivência e seu desenvolvimento, independentemente de quem o realiza, pois o foco está na atividade e intenção de cuidar (Hoghughi, 2004). Contudo, dentre os diversos tipos de arranjos familiares existentes na contemporaneidade, este trabalho enfocou famílias nucleares heterossexuais e nas quais o progenitor masculino exercia a paternidade com envolvimento ativo, junto de suas companheiras.
A amostra foi construída por conveniência (Oliveira, 2001), sendo que todos os pais que se encontravam na UTIN no momento da coleta de dados foram convidados para participar do estudo. Para preservar as identidades de cada participante, foram-lhes atribuídos nomes fictícios escolhidos aleatoriamente. No Quadro 1, encontram-se algumas características sociodemográficas dos participantes.
Quadro 1
Características Sociodemográficas dos Participantes
Claudio |
Cristiano |
Jorge |
|
Idade |
44 anos |
26 anos |
32 anos |
Estado civil |
União estável |
União estável |
Solteiro |
Escolaridade |
Fundamental incompleto |
Fundamental incompleto |
Médio completo |
Emprego |
Autônomo |
Vendedor |
Autônomo |
Residia com |
Companheira |
Companheira |
Companheira |
Sexo do bebê |
Masculino |
Masculino |
Masculino |
Idade do bebê |
6 meses |
6 meses |
5 meses e 28 dias |
Delineamento e Procedimentos
A investigação consistiu em um estudo descritivo e exploratório, a partir de um delineamento qualitativo. A pesquisa qualitativa se dirige a trabalhar com a realidade social através da compreensão do que o ser humano pensa e interpreta a respeito de suas ações, dentro e a partir da realidade que vive e partilha com seus semelhantes (Minayo, 2014). Tem caráter descritivo e exploratório, por buscar proporcionar uma visão do problema a ser estudado e um conhecimento mais amplo e profundo acerca de uma temática (Gil, 2010).
Os pais foram convidados a participar da pesquisa, mediante esclarecimentos sobre esta, no momento em que se encontraram no hospital para a visita de seus bebês. Aqueles que aceitaram participar assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e preencheram um questionário de dados sociodemográficos elaborado para este estudo. Posteriormente, os participantes responderam a uma Entrevista sobre a Paternidade no Contexto da UTIN de forma individual. As entrevistas foram realizadas por uma das autoras do presente estudo e ocorreram nas dependências do próprio hospital, em uma sala que possibilitava preservar a privacidade dos participantes. A entrevista foi construída e desenvolvida de forma semiestruturada, permitindo a exploração da temática por meio da combinação de perguntas abertas e fechadas, sem, no entanto, a necessidade de restrição absoluta a estas (Minayo, 2014).
Foram abordados os seguintes tópicos: experiência da internação do filho na UTIN, sentimentos despertados na primeira visita do pai ao bebê e na primeira visita de sua companheira, experiência e sentimentos no primeiro contato com o bebê, interação com o bebê, rede de apoio neste período e dificuldades encontradas.
Análise dos Dados
As entrevistas foram gravadas e transcritas para, então, serem analisadas a partir da Análise de Conteúdo (Bardin, 2006), a qual corresponde à procura por sentidos e compreensões comuns aos dados coletados e à identificação de categorias a serem analisadas e discutidas. Em sua proposta temática, a análise foi composta da pré-análise dos dados, em que foram retomados os objetivos da pesquisa e se realizou a leitura flutuante do material coletado. Com isto, foi possível a identificação de núcleos de sentido comuns aos dados, cuja presença ou frequência de aparição correspondeu à representatividade destes. Então, foi possível reduzir o texto aos temas mais significativos, determinando categorias de análise. Por fim, os dados foram tratados com interpretações das informações e inferências com outros achados teóricos (Bardin, 2006; Minayo, 2014). Destaca-se que as categorias referentes à análise foram elaboradas a posteriori, a partir dos elementos significativos que surgiram nos relatos dos participantes, correspondendo ao modelo aberto (Laville & Dionne, 1999).
Considerações Éticas
O estudo foi aprovado pela gerência responsável por ensino e pesquisa e pelo Comitê de Ética do hospital onde se realizou o estudo, bem como pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o n. CAAE 786.774/2014, da universidade à qual as pesquisadoras estão vinculadas. Ainda, ressalta-se que o presente estudo atendeu aos preceitos éticos preconizados pelas Resoluções 510/16 e 466/12 do Conselho Nacional da Saúde.
Resultados e Discussões
A partir da análise dos dados, foram elaboradas quatro categorias temáticas, intituladas: 1) A notícia do nascimento e o parto prematuro: a chegada inesperada; 2) “Uma emoção forte de ver o meu filho”: a experiência da primeira visita; 3) A interação pai-bebê; 4) “Aos poucos a gente tenta se organizar ao máximo”: a adaptação à nova rotina; 5) O apoio social ao pai frente à internação do bebê na UTIN.
1) A notícia do nascimento e o parto prematuro: a chegada inesperada
Esta primeira categoria faz referência à experiência paterna diante do nascimento prematuro do bebê. Dois pais participantes do estudo relataram que a gravidez transcorreu normalmente, até o momento em que as suas companheiras começaram a apresentar alguns sintomas que indicavam o possível parto prematuro. Nesses casos, devido às condições de saúde apresentadas pelas companheiras durante a gestação de risco, já era possível prever que o filho nasceria antes do tempo ideal. Para o outro pai, contudo, o parto prematuro ocorreu em sua própria residência, sem causa prévia e mesmo depois de realizados exames que avaliaram como estáveis as condições de sua companheira e do bebê. De qualquer modo, para todos os pais, o nascimento prematuro do filho foi vivenciado como um momento muito difícil, perpassado por sentimentos de temor diante da possibilidade de perda do bebê e/ou da companheira, bem como por sentimento de impotência:
Porque no início tava tudo bem. Tava tudo legal. Foi bem no fim ali mesmo que ela teve que tirar o bebê antes do tempo. Esse período foi bem complicado. (. . .) Foi terrível. Foi bem horrível. Porque a médica disse que ele não tinha nenhuma chance. A chance dele era quase nula. E daí, ou tirava o nenê ou os dois acabavam falecendo. (. . .) Olha, vou te dizer, foi um daqueles momentos em que ela foi pra sala de cirurgia ali, foi um dos piores momentos que eu já tive, de angústia. Não sabia o que fazer. Nesse tipo de situação tu não tem o que fazer, a não ser pensar positivo, que tudo vai dar certo (Jorge).
Eu tava deitado, dormindo, e daí eu vi que ela gritou: ‘Tá nascendo. Tá nascendo’. Achei que era brincadeira dela. Daí, quando eu levantei, fui ver e era mesmo. Cheguei e já ‘tava’ saindo. Daí ela pegou o nenê e sentou. Daí, ela ficou sentada e eu fiquei em choque, eu não sabia o que eu fazia (Cristiano).
Tais achados estão de acordo com o estudo realizado por Coutinho e Morsch (2006), que investigou pais que experienciaram o nascimento prematuro do filho e o início da internação em uma UTIN e identificou que os pais vivenciaram o nascimento de seu bebê como algo traumatizante e chocante. Além disso, o sentimento de incapacidade de assimilar o acontecimento inesperado esteve presente. Outros autores também apontam para o nascimento de um filho prematuro como um momento difícil e inesperado, para o qual os pais não estavam preparados, além de ser caracterizado pelo choque, sofrimento e insegurança (Zani, Silva & Oliveira, 2015; Rocha et al., 2012).
O nascimento de um bebê prematuro tende a ser vivido como um momento de crise aguda, ansiogênico e desgastante. Pode-se refletir que o nascimento antes do tempo produz não apenas um bebê prematuro, como pais e mães também prematuros, estando o início da parentalidade associado a sentimentos difíceis de serem vivenciados (Andreani et al., 2006). No entanto, o impacto da notícia sobre a hospitalização do bebê nascido prematuro pode ser menos intenso para aqueles pais que já estavam cientes desta possibilidade (Rocha et al., 2012).
2) “Uma emoção forte de ver o meu filho”: a experiência da primeira visita
Nesta categoria são evidenciados os sentimentos paternos relacionados à primeira visita do pai ao bebê na UTIN. Após a ocorrência do parto, os pais ficaram primeiramente com as suas companheiras, de modo a acompanhar suas condições de saúde. Logo após, os pais puderam ter notícias dos seus filhos. A experiência de visitar o seu bebê pela primeira vez foi marcada por conflito de sentimentos e associada à forte emoção. Os pais manifestaram, por um lado, felicidade em ver o filho e, por outro, medo de perdê-lo: “Bah, não sei. Passou muita coisa na minha cabeça, muita coisa. Fiquei com medo de perder ele” (Cristiano).
Eu queria saber se ela [companheira] estava bem também. Daí me deixaram ver ela. Depois eu subi aqui na ‘neo’ (UTIN) pra ver ele [bebê]. Daí eu cheguei aqui desandado, chorando. (. . .) Foi bem emocionante na verdade. Porque, uma, é que o meu filho que tava ali e, outra, eu não sabia se ia dar certo. (. . .) Eu senti uma emoção. Eu não sei te dizer o sentimento certinho do que foi, mas eu desandei chorando. Uma emoção forte de ver o meu filho. Também o desespero se ia dar tudo certo. Então, foi uma felicidade com um pouco de tristeza, ansiedade, não sei o que estava junto (Jorge).
Percebe-se a preocupação dos pais em relação à saúde e à vida tanto de suas esposas, quanto dos seus bebês. De acordo com Provenzi e Santoro(2015), após o parto prematuro é comum que a primeira preocupação e o primeiro contato sejam com a parceira, para depois de os pais estarem seguros sobre o bem-estar do cônjuge, estabelecerem o contato com a criança. Para os pais e mães de bebês prematuros internados na UTIN de um hospital particular no estado do Espírito Santo, estudados por Cypriano e Pinto(2011), a primeira visita também foi vivida com emoção. Este primeiro momento de contato e de reconhecimento de seus bebês fez com que os pais se sentissem mais próximos a eles.
Somado a isso, em consonância com os resultados do presente estudo, Fontoura, Fontenele, Cardoso e Sherlok (2011), que investigaram a experiência de pais na UTIN em um hospital público de Fortaleza (CE), apontaram que a visita dos pais ao bebê esteve associada a sentimentos ambivalentes, incluindo tanto alegria e confiança, quanto indecisão e medo. A este respeito, Rocha et al. (2012), em estudo com pais de bebês prematuros internados no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC), apontaram que a entrada na UTIN pode envolver os pais em sentimentos ambíguos e confusos. Tais sentimentos estariam associados tanto às condições físicas de uma UTIN, uma unidade complexa de tratamento e um ambiente frequentemente relacionado ao sofrimento e à ameaça de morte, quanto às incertezas sobre a evolução do quadro de saúde do bebê. Desse modo, a primeira visita ao bebê envolve o contato dos pais com a aparência e condição real dos seus filhos, fragilizados em função da prematuridade, assim como o contato com um ambiente hospitalar desconhecido.
Para dois pais participantes do presente estudo, os relatos da primeira visita ao bebê na UTIN estiveram permeados por descrições sobre sua aparência física. Para os pais, a característica física do bebê foi marcada pela fragilidade e fraqueza, associada a riscos para sua vida: “É difícil de descrever. Ele parecia um ratinho, mas agora ele tá bem” (Claudio); “Ele tava nos aparelhinhos, né. Foi meio estranho, porque, não sei, ele é tão pequeninho, parece fraquinho, que não vai resistir” (Cristiano).
A vivência do primeiro contato com o bebê, desse modo, envolveu estranhamento com relação à aparência do filho. Assim, os pais precisam enfrentar a dificuldade em ajustar uma imagem idealizada de seu bebê, como saudável, ao bebê real, de aparência enfraquecida (Klaus et al., 2000). Soma-se a isso, o ambiente complexo da UTI, considerado no senso comum como destinado a pacientes graves e com poucas expectativas de vida (Schmidt, Sassá, Veronez, Ieda, & Marcon, 2012).
3) A interação pai-bebê
Esta categoria aborda a interação paterna com o bebê no contexto da UTIN, no que se refere ao contato físico, aos cuidados e à comunicação com o filho. Durante a internação dos bebês, todos os pais participantes do estudo procuraram se comunicar com eles através do toque e da fala, sendo que o primeiro toque foi relatado como uma experiência prazerosa. Contudo, o contato com o bebê também esteve relacionado ao temor em prejudicá-lo na visão de um dos pais, tendo em vista do risco de transmissão bacteriana ou outras possíveis complicações:
Tocá-lo pela primeira vez foi muito legal, muito legal. (. . .) Já toquei umas duas vezes. Procuro não. Como eu tô sempre na rua, pra um lado e pro outro. Agora mesmo eu ‘tava’ com uma gripe bem forte. Até teve dois dias que eu vim aqui e só fiquei aqui fora, não entrei. Então, quanto menos tocar, no meu ponto de vista, é melhor, até por causa das bactérias, essas coisas assim (Jorge).
O medo de prejudicar o filho, que leva ao receio de tocá-lo, foi também observado no estudo de Schmidt et al. (2012), que investigou mães e um pai em relação à primeira visita ao filho na UTIN de um hospital de ensino de Maringá (PR). Apesar da vontade de entrar em contato com seu bebê, este contato era inicialmente desencorajado pelo medo de causar danos à criança. Soares, Christoffel, Rodrigues, Machado e Cunha (2016) apontaram que tais restrições podem desencadear nos pais sentimentos de incapacidade para o cuidado do filho, deixando esta tarefa mais para as mães ou equipes de saúde. Esses achados apontam para a importância do acompanhamento dos pais durante as interações com o bebê prematuro pelas equipes de saúde, a fim de orientá-los e tranquilizá-los nesse momento. Contudo, nenhum dos pais mencionou ter recebido este suporte durante a internação do filho.
Entende-se, que os pais de bebês prematuros demandam de um pronto acesso e, dentro do possível, contato com seus recém-nascidos. Contudo, este contato precisa ser mediado pelo apoio e orientação da equipe profissional. Esse suporte está, portanto, vinculado ao desenvolvimento de interações mútuas pais-bebê, de forma que os pais consigam gradativamente compreender as necessidades dos filhos, conhecê-los, senti-los como seus e, assim, sentirem-se próximos a eles (Klaus et al. 2000). Dessa forma, a equipe de saúde tem o papel essencial de modo a favorecer o estabelecimento do vínculo pais-bebê.
Destaca-se que as interações dos pais com os seus bebês podem ocorrer de diversas maneiras. A comunicação verbal, por exemplo, se mostrou importante nesse contexto, conforme o exemplo de um pai que relatou conversar com seu filho mesmo este tendo sido diagnosticado como deficiente auditivo: “Ele não escuta, mas nos entende. Ele abre os olhinhos dele. Ele é bem espertinho, só que é muito ‘vagaroso’” (Claudio). Assim, o contato com o filho através da fala proporcionou ao pai vincular características de personalidade ao filho, como a esperteza, por um lado, e lentidão, por outro. Além disso, a resposta do bebê ao pai possui papel importante no fortalecimento do vínculo pai-bebê.
Em um estudo realizado por Barros, Menandro e Trindade (2006), que investigaram a experiência de cinco pais em uma UTIN em um hospital público no estado do Espírito Santo, também foi apontado que ao conversarem com os seus filhos durante as visitas, os pais identificavam que seus bebês os correspondiam de alguma forma. Tais exemplos demonstram que o vínculo pai-bebê pode ser fortalecido conforme os pais possam ter momentos de interação com seus filhos, segurando-os, balançando-os, alimentando-os, tocando-os ou simplesmente comunicando-se com estes.
4) “Aos poucos a gente tenta se organizar ao máximo”: A adaptação à nova rotina
A presente categoria aborda as mudanças na rotina da figura paterna frente ao nascimento prematuro e à internação hospitalar do bebê. A adaptação dos pais participantes do estudo para a chegada dos filhos nesse contexto tornou-se penosa, visto que eles encontraram dificuldade em conciliar o trabalho com as visitas à UTIN. Todos os pais do presente estudo trabalhavam, sendo dois deles autônomos. Em paralelo ao desejo dos pais de estarem presentes e ao lado dos seus filhos, havia a preocupação e a necessidade de manterem as atividades laborais:
Essa semana tá mais calma, mas foi bem tumultuado. Por questão de trabalho, por questão pessoal, foi bem complicado. Tinha coisas que eu tinha que fazer e eu não podia fazer. Dava a parte pros outros fazerem e não sabia se tavam fazendo do jeito que eu gosto que faça (. . . ). Foi bem tumultuado, mas agora tá bem mais tranquilo. Aos poucos a gente tenta se organizar ao máximo, pra ficar com a cabeça um pouco mais relaxada pra se sentir um pouco melhor (Jorge).
Olha, esses dias estão sendo bem puxados. Eu falei pro meu patrão que eu ia ficar uns dias sem ir. Daí ele ficou meio assim, né, não compreendeu muito. Mas eu falei pra ele: “Primeiro lugar, eu vou dar atenção pro meu filho”. Até porque serviço a gente arruma em qualquer outro lugar. Meu filho é prioridade. Por enquanto, essa semana eu tô aí [no hospital], depois, semana que vem, eu tenho que ir [trabalhar] (Cristiano).
Percebe-se que, a partir do nascimento prematuro do bebê, os pais tiveram de lidar com múltiplas tarefas. A este respeito, a literatura aponta que os pais de bebês internados na UTIN precisam adaptar-se a uma nova rotina, devido a demandas como a necessidade de seu acompanhamento no contexto hospitalar (Marski, Custódio, Abreu, Mello, & Wernet, 2015; Rodrigues & Moreira, 2012). Paralelamente, a figura paterna é comumente vista como aquela que provê o sustento e mantém a família financeiramente (Coutinho & Morsch, 2006; Marski et al., 2015; Cardoso, Souto, & Oliveira, 2006), o que pode ser encarado pelo homem como uma obrigação, não sendo permitido falhar nesse aspecto. Assim, no caso dos pais com filhos hospitalizados, pode ser que os homens se sintam responsáveis por uma série de tarefas, dentre elas, o cuidado com o desenvolvimento inicial do bebê na UTIN, a proteção e o suporte emocional que oferecem para a díade mãe-bebê, além dos compromissos profissionais e de provimento doméstico. Entende-se que isso possa lhes causar sobrecarga ou até mesmo sofrimento emocional, principalmente na falta de espaços para expressão desses sentimentos.
Deste modo, conforme Santos et al. (2012), a cobrança e as responsabilidades vivenciadas pelos pais de bebês internados na UTIN podem lhe causar estresse, ansiedade, impotência ou culpa. Estes sentimentos podem estar relacionados com o conflito entre o investimento no cuidado e no tempo com o filho e o investimento no mundo do trabalho. Vendo-se como aquele que precisa proporcionar segurança financeira para a sua família, o pai pode não conseguir passar o tempo que gostaria com o seu filho, já que teme a perda do seu emprego por faltas, atrasos ou licenças, por exemplo.
Vale ressaltar a importância de recentes avanços legislativos relacionados à extensão da licença-paternidade, compreendendo-se a relevância da presença do pai junto ao seu bebê. Nesse sentido, em 2016, a promulgação da Lei 13.257/2016 estabeleceu a ampliação da licença-paternidade de cinco para 20 dias. Destaca-se, contudo, que esta lei destina-se somente aos trabalhadores de empresas inscritas no Programa Empresa Cidadã, que entrou em vigor em 2008, e que o pai deve requisitar o direito da licença ampliada no prazo de dois dias úteis após o parto, além de comprovar a participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável, promovidos pelo governo. Com essas exigências, a extensão da licença pode não se configurar em uma realidade para todos.
5) O apoio social ao pai frente à internação do bebê na UTIN
Esta categoria refere-se ao apoio social recebido e percebido pelo pai diante da experiência e adaptação ao nascimento prematuro e da internação hospitalar do filho. Ao serem questionados acerca do apoio que recebiam durante o período em que seus bebês se encontravam na UTIN, os pais participantes deste estudo referiram como rede de apoio os seus familiares, amigos ou relacionamentos do ambiente de trabalho:
Familiares sempre me serviram de apoio. Apesar de não se visitarem muito, eu tenho uma família bem sólida. Nos visitamos pouco, mas quando precisamos um do outro a gente tá junto sempre. [Nesse momento, conta] Com bastantes amigos, com clientes meus que me deram bastante apoio. Amigos de longa data, tio e tia. Se tudo der certo, depois nós vamos comemorar junto . . . Chegar alguém e querer te passar uma energia positiva. Isso influencia bastante. Que toda essa loucura que tu vive, que a gente vive, que tu consegue passar alguma coisa de bem, que alguém te quer bem e isso é bom, é ótimo (Jorge).
Dos meus pais, meus avós da família. Mais pela minha família, a dela não é tanto, a minha apoia mais . . . O meu pai estava muito faceiro. O primeiro neto dele, e daí ele tá muito faceiro. Ele tá me ajudando a ser forte. Tem que aguentar, né . . . Tá sendo muito bom, muito bom. Eu recebo um apoio daqui, um pouco ali. (Cristiano).
Percebe-se que a rede de apoio corresponde a uma ajuda necessária e valorizada pelos pais no enfrentamento da situação em que se encontravam. Conforme indicado em estudo com pais e mães de crianças internadas em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica de Maringá (Hayakawa, Marcon, Higarashi, & Waidman, 2010), a afetividade que emergia dessa rede, bem como os vínculos afetivos que uniam as pessoas nesses momentos de crise e dificuldade, era vista como fundamental para a reestruturação e organização dos pais. Somado a isso, destaca-se que as fontes de apoio são consideradas como condição primordial para a reestruturação familiar, de modo que elas proporcionam estratégias que permitem aos pais a superação dos obstáculos vivenciados no dia a dia (Coutinho & Morsch, 2006).
O apoio das suas figuras parentais, ou seja, dos avôs paternos do bebê, foi considerado importante, oferecendo suporte e amparo para o pai lidar com as dificuldades deste período. Neste sentido, conforme também demonstrado em outros estudos sobre paternidade no contexto de UTIN (Coutinho & Morsch, 2006; Rocha et al., 2012), as figuras parentais do pai do bebê servem como modelos e figuras de referência para o exercício da própria paternidade, além de serem uma grande influência no momento em que o pai passa por situações críticas na internação do bebê ou quando o estado clínico do bebê mostra-se instável.
O apoio familiar e de amigos, no entanto, não foi vivenciado por um dos pais participantes deste estudo. Conforme indicado por ele, o único apoio que tinha era da sua companheira, visto que considerava que receber apoio nesta situação envolveria uma posterior cobrança de retribuição:
É só eu e ela. E eu nem quero apoio de ninguém, né, se é pra depois mais tarde vir cobrar. Então, a gente luta sozinho, né. Porque se te dão mão hoje, amanhã vão te pedir. Vão te largar na cara: ‘Ah, te dei uma mão e agora tu não vai dar pra mim, por quê?’. Então lute sozinho. Nós somos bem assim. (Claudio).
Entende-se que a ausência de uma rede de apoio familiar e de amizades reforça a importância do suporte profissional, uma vez que este amparo poderia proporcionar ao pai tanto um espaço de escuta de suas necessidades, amenizando as angústias e o medo, bem como de orientações relacionadas ao cuidado com o filho. Neste sentido, o apoio profissional pode servir como um elemento facilitador para a experiência e a construção da paternidade no contexto da UTIN, conforme demonstrado em estudos brasileiros (Cardoso et al., 2006; Zani, Souza, & Parada, 2016) e em uma revisão da literatura (Marski et al., 2015) sobre a paternidade de bebês nascidos prematuros internados em UTIN.
Em sentido semelhante, estudos realizados por Fontoura et al. (2011) e Barros et al. (2006) apontaram para a importância dos profissionais se envolverem e compreenderem a experiência de ser pai de um recém-nascido prematuro, enfatizando a necessidade de a equipe exercer os cuidados de saúde do bebê juntamente desses pais. Destacam-se a valorização da comunicação e do relacionamento humano, através de informação, acolhimento e acompanhamento prestados a esses pais, de modo a amenizar o seu sofrimento e fortalecer o vínculo pais-filhos.
Sobre este suporte profissional, no entanto, ressalta-se que nenhum dos pais mencionou o apoio ofertado pela equipe de saúde do hospital universitário. Tal destaque é válido, pois, conforme Zani et al. (2016), ao visitar o seu filho pela primeira vez na UTIN, o pai costuma ter o seu primeiro contato com os profissionais da saúde. A esse respeito, espera-se que os profissionais proporcionem acolhimento, a fim de sanar as dúvidas dos pais e orientá-los sobre os cuidados necessários para com o bebê prematuro, além de informá-los sobre o estado de saúde tanto do filho quanto da esposa. Essas atitudes poderiam amenizar o sofrimento paterno que a experiência de acompanhar o filho nascido prematuro internado na UTIN tende a causar. Contudo, cabe considerar que os participantes do presente estudo podem não ter reconhecido o apoio profissional como forma de auxílio quando questionados ou, ainda, não o terem acessado, embora este pudesse estar presente.
Conclusões
Quando o nascimento ocorre antes do tempo previsto, além de vivenciar os novos sentimentos advindos da paternidade, o pai tende a experimentar diversos outros sentimentos associados ao parto prematuro do bebê. No presente estudo, identificou-se que a experiência de pais de bebês nascidos prematuros e internados em uma UTIN foi marcada tanto por sofrimento e estranhamento como por zelo, seja no momento do nascimento prematuro, seja na primeira visita realizada ao bebê na internação. Somado a isso, a experiência demandou adaptações e reorganização da rotina, pois os participantes do estudo precisaram conciliar as visitas ao hospital, com a retomada de suas rotinas de vida e de trabalho.
Apesar dos desafios, destacou-se a potencialidade dos primeiros contatos e interações pai-bebê. Identificou-se que essa interação foi vivenciada na UTIN através de toques e conversas, momentos que proporcionaram envolvimento afetivo, construção de vínculo e do sentimento de serem pais dos bebês. Nesse sentido, aponta-se para a importância das equipes de saúde na UTIN fornecerem informações ao pai sobre a saúde do bebê, de modo que compreenda suas condições ou necessidades. Também, é relevante que os profissionais promovam e orientem a aproximação do pai nos cuidados do filho, o que pode estimular a interação pai-bebê e reduzir o sofrimento paterno. No presente estudo, os participantes não reconheceram a presença de apoio por parte da equipe de saúde. Apesar disso, dois dos pais puderam contar com o apoio emocional de seus familiares, amigos e conhecidos, o que os proporcionou acolhimento.
Destaca-se que este estudo enfocou a perspectiva de pais do sexo masculino, que se reconheciam como desempenhando o papel paterno em relação aos bebês e que consideravam ter participação na vida familiar. Esses pais viviam em uniões heterossexuais com suas companheiras e experienciaram junto delas uma gestação biológica. Sugere-se que estudos futuros sejam realizados com amostras diferentes, englobando outros arranjos familiares, bem como características socioeconômicas e culturais diversas, a fim de ampliar o conhecimento sobre a experiência da paternidade em diferentes contextos. Em muitas famílias, por exemplo, não há a participação do genitor masculino, sendo a figura paterna ausente ou desempenhada por outra pessoa, como a mãe ou avó do bebê, entre outros. Ainda, estudos futuros podem considerar também a perspectiva das mães, equipes de saúde ou outras pessoas que desempenham papel significativo na internação do bebê na UTIN, a fim de triangular informações a respeito do envolvimento paterno nesse momento.
Ademais, é válido apontar a necessidade de mais estudos voltados à compreensão da paternidade, ao envolvimento dos pais com os filhos e com a família, principalmente em contextos de fragilidades como o nascimento de um filho prematuro. Estudos voltados à temática da paternidade no contexto da UTIN podem contribuir para a qualificação das intervenções e dos espaços destinados aos pais, de modo a serem escutados e orientados, fortalecendo suas experiências de serem pais e o vínculo pai-bebê, além de contribuir para promoção de saúde tanto do pai quanto do bebê nesse contexto.
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Recebido em: 01/05/2020
Última revisão: 04/07/2020
Aceite final: 22/07/2020
Sobre as autoras:
Sabrine Gabrielle Fetzner: Psicóloga pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: sabrinefetzner@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0002-5729-1684
Mônica Sperb Machado: Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Psicologia e psicóloga pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pesquisadora visitante na The Ohio State University (OSU). E-mail: monicasperb@hotmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9493-4829
Caroline Rubin Rossato Pereira: Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: carolinerrp@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0001-9861-8391
1 Endereço de contato: Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Centro de Ciências Sociais e Humanas, Avenida Roraima, n. 1000, prédio 74B, sala 3206A, Bairro Camobi, Santa Maria, RS. Telefone: (55) 3220-9233. E-mail: carolinerrp@gmail.com
doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v13i4.1318