Percepção da Equipe de Saúde sobre a Implantação de Alojamento Conjunto Mãe-Bebê em Unidade Psiquiátrica

Perception of the Health Team on the Implementation of Mother-Baby Rooming in a Psychiatric Unit

Percepción del Equipo de Salud sobre la Implantación de Alojamiento Conjunto Madre-Bebé en Unidad Psiquiátrica

Marcelo Artmann1

Luciane Najar Smeha

Universidade Franciscana

Suzinara Beatriz Soares de Lima

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Resumo

O alojamento conjunto mãe/bebê em unidade psiquiátrica é uma alternativa para proteger o vínculo e manter os cuidados parentais. O objetivo deste estudo foi conhecer o posicionamento, as sugestões e as necessidades dos profissionais diante da implantação de um alojamento conjunto mãe-bebê. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com 28 profissionais da equipe de saúde de uma unidade psiquiátrica, localizada em hospital geral público. Os participantes responderam a um instrumento com questões fechadas e abertas. Os resultados evidenciaram sensibilidade, empatia e motivação dos profissionais para contribuir na efetivação do projeto. Para isso, eles pontuaram a necessidade de mudanças na estrutura física, na gestão da unidade e na capacitação da equipe. Os participantes consideram que a implementação poderá auxiliar na recuperação da mãe e evitar o comprometimento no vínculo dela com o bebê, contudo sugerem a sistematização na modalidade intermitente. Assim, os resultados/sugestões da equipe constituem subsídios para as próximas etapas de implantação do alojamento.

Palavras-chave: alojamento conjunto, relação mãe-filho, saúde mental, humanização na assistência hospitalar, saúde materno-infantil

Abstract

The mother/baby rooming in a Psychiatric unit is an alternative to protect the bond and maintain the parental care. This study aimed to know the professionals positioning, suggestions and needs in the face of a mother-baby rooming implementation. It is a qualitative research with 28 professionals from the health team of a psychiatric unit located in a public general hospital. Participants answered an instrument with closed and open questions. The results showed sensitivity, empathy, and motivation of professionals to contribute to the effectiveness of the project. To do so, they pointed out the need for changes in the physical structure, the unit management, and the team training. The participants consider that the implementation can help the mother’s recovery and avoid compromising her bond with the baby. However, they suggest the systematization in the intermittent mode. Thus, the results/suggestions of the team constitute subsidies for the coming stages of the implantation of the accommodation.

Keywords: rooming, mother-child relationship, mental health, humanization in hospital care, maternal and child health

Resumen

El alojamiento conjunto madre/bebé en unidad psiquiátrica es una alternativa para proteger el vínculo y mantener los cuidados parentales. El objetivo de este estudio fue conocer la postura, sugerencias y necesidades de los profesionales delante de la implantación de un alojamiento conjunto madre-bebé. Se trata de una investigación cualitativa, con 28 profesionales del equipo de salud de una unidad psiquiátrica, ubicada en hospital general público. Los participantes respondieron un instrumento con preguntas cerradas y abiertas. Los resultados evidenciaron sensibilidad, empatía y motivación de los profesionales para contribuir en la efectivización del proyecto. Para ello, señalaron la necesidad de cambios en la estructura física, en la gestión de la unidad y en la capacitación del equipo. Los participantes consideran que la implementación podrá auxiliar en la recuperación de la madre y evitar el comprometimiento del vínculo de ella con su bebé, sin embargo, sugieren la sistematización en la modalidad intermitente. Así, los resultados/sugerencias del equipo constituyen subsidios para las próximas etapas de implantación del alojamiento.

Palabras clave: alojamiento conjunto, relación madre-hijo, salud mental, humanización en la asistencia hospitalaria; salud materno-infantil

Introdução

A internação em uma unidade psiquiátrica é um momento difícil para o paciente e seus familiares, especialmente por retirar a pessoa em sofrimento do seu ambiente e convívio familiar. A situação ainda é mais complexa quando envolve a internação de uma mãe com filho nos primeiros meses de vida. A mãe, já fragilizada por seu adoecimento, precisa interromper a convivência com o bebê, o que gera ansiedade e angústia, aumentando o sofrimento psíquico. Esse é o cenário das internações psiquiátricas no Brasil, país que ainda não implementou o alojamento conjunto mãe-bebê e, por isso, a separação de ambos é uma prática comum diante da internação da mãe.

No Brasil, há altos índices de depressão pós-parto, ela acomete cerca de 25% das mães, índice maior que o registrado em países da Europa, nos Estados Unidos e na Austrália (Leonel, 2016). Somam-se a isso outros transtornos psíquicos recorrentes no período perinatal. O estudo Nascer no Brasil, realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2011, entrevistou 23.894 mulheres e revelou a prevalência de 26,3% de sintomas de depressão entre 6 e 18 meses após o parto (Fundação Oswaldo Cruz, 2011). Assim, estima-se a dimensão dos danos nos casos de internação, nos quais a mãe é separada do bebê, o que pode ter consequências na amamentação e no vínculo parental.

Nos casos de internação, o hospital passa a ser o mediador da relação mãe-filho, responsabilidade que necessita ser repensada com urgência, considerando a humanização do atendimento preconizada pela reforma psiquiátrica, a qual foi um importante avanço para a qualidade dos serviços públicos de atendimento à saúde mental. A legislação brasileira estabelece o fim dos “manicômios”, conforme prevê a Lei nº 10.216 (2001, Art. 3º e 4º), que proíbe a internação de pessoas com transtornos mentais em instituições com características asilares. Apesar de já passados 19 anos, ainda há muito para avançar, com vistas a espaços mais adequados às necessidades dos usuários e propostas terapêuticas inovadoras e singularizadas.

Para alcançar avanços nos tratamentos em saúde mental, é imprescindível o uso de novas metodologias de cuidado, as quais vão ao encontro do conceito de saúde mental proposto por Santos e Serralha (2015), que reitera a saúde mental como resultado de múltiplas e complexas interações, que incluem uma composição de fatores biológicos, psicológicos e sociais.

Embora as internações, após a reforma psiquiátrica, aconteçam por um período breve, geralmente de 30 dias a 3 meses, esse modelo tradicional de tratamento, ainda vigente no país, desconsidera a gravidade da interrupção da relação mãe-bebê e, muitas vezes, do aleitamento materno, o qual é recomendado até os 24 meses do bebê (Ministério da Saúde, 2015). Segundo Lebovici (1987), a privação materna, na qual a criança é afastada de sua mãe, seja este afastamento de ordem física ou emocional, produz consequências físicas, intelectuais e sociais no bebê, podendo desencadear o aparecimento de enfermidades físicas e mentais. Desse modo, o autor salienta que os danos causados variam de acordo com o grau da privação.

Nesse ínterim, a internação psiquiátrica, quando necessária, precisa acontecer de forma a preservar a relação mãe-bebê. A mãe que, ao internar, é informada da possibilidade de permanecer com seu bebê, de forma integral ou intermitente, em um ambiente adequado e seguro, poderá ter melhor aceitação e adesão ao tratamento. Segundo Soares e Carvalho (2009), o estigma associado ao transtorno mental produz um questionamento sobre a capacidade dessas mães para desempenharem suas funções maternas. Por isso, elas necessitam lidar, reconhecer e se enxergar em sua função materna, com vistas a permanecerem resistindo às limitações impostas pelo transtorno.

Dessa maneira, as Mother and Baby Units (MBUs), como são chamadas nos países de origem, são projetadas para manter as mães e seus bebês juntos; são lugares calmos e acolhedores, onde cada mãe tem seu próprio quarto, com berço. A equipe especializada nutre e apoia o relacionamento mãe-bebê, mas não substituiu a mãe nos cuidados com o bebê; ela recebe apoio para que os possa realizar, ao mesmo tempo que faz o tratamento. Nas MBUs, podem ser admitidas mulheres no final da gravidez e a qualquer momento até o bebê completar um ano de idade (Royal College of Psychiatrists, 2018).

Essas unidades de alojamento conjunto em psiquiatria, ou MBUs, iniciaram-se com Thomas Main, em 1948, na Inglaterra (Brockington, 1962). Posteriormente, espalharam-se por todo o Reino Unido e, atualmente, existem em vários países, como: França, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e Índia (Chandra et al., 2015). Nelas são desenvolvidas atividades planejadas para novas mães e seus bebês, como o apoio à amamentação, intervenções parentais, ajuda com cuidados infantis, aconselhamento especializado sobre medicação e intervenções no relacionamento mãe-bebê. Ainda, atividades, como assistir a vídeos educativos de interação entre mãe e bebê e reproduzi-los, contribuem para desenvolver habilidades parentais e promover o vínculo mãe-bebê (Griffiths et al., 2019).

Com base nas experiências internacionais descritas na literatura, somadas à experiência de um dos autores, como membro da equipe multiprofissional da Unidade Psiquiátrica Paulo Guedes − Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), foi possível identificar o sofrimento de algumas mães diante da obrigatoriedade de se separar do bebê, bem como a preocupação de mães internadas quanto aos cuidados da criança que está em casa com familiares, ou ainda sendo cuidada por vizinha ou amiga, conforme a rede de apoio que cada uma pode acessar. Também, a falta de notícias do bebê, interrupção da amamentação, receio de não reencontrar o(a) filho(a) e de perder a guarda dele(a), dentre outros. Dessa forma, foi possível identificar a necessidade de um espaço que favoreça a manutenção do vínculo entre mãe-bebê, ou, no caso da gestante, a preparação para a chegada deste, por meio da implantação de um alojamento conjunto mãe-bebê, na unidade psiquiátrica.

Não obstante, para que o alojamento conjunto seja uma realidade e tenha o efeito terapêutico esperado, é primordial o envolvimento de gestores e toda a equipe de saúde da unidade, para que ocorra uma construção coletiva a fim de criar uma nova vivência de cuidado em saúde mental, na qual todos se sintam protagonistas. Assim, este estudo teve como objetivo conhecer o posicionamento, sugestões e necessidades dos profissionais da saúde, membros de uma equipe de unidade de internação psiquiátrica, tendo em vista a implantação de um alojamento conjunto mãe-bebê.

Método

Trata-se de um estudo exploratório, descritivo e transversal, com abordagem qualitativa. O cenário da investigação foi a unidade de internação psiquiátrica do Hospital Universitário de Santa Maria, RS, o qual destina trinta leitos somente para internação de adultos, masculinos e femininos, exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Tem uma equipe multiprofissional composta por 21 técnicos/auxiliares em enfermagem, 10 enfermeiros, 7 médicos, 1 psicólogo, 1 assistente social e 1 recreacionista. Também possui equipes de residência médica em psiquiatria e multiprofissional, constituída por enfermeiro, terapeuta ocupacional, assistente social e psicólogo.

Participou do estudo um total de 28 profissionais da equipe multiprofissional que presta serviços na unidade: 12 técnicos/auxiliares de enfermagem, 6 enfermeiros, 4 médicos psiquiatras, 2 médicos residentes em psiquiatria, 2 residentes da residência multiprofissional, 1 psicólogo e 1 assistente social. A quase totalidade dos integrantes da equipe, que foram convidados a participar, aceitou o convite. Para preservar o sigilo da identidade dos profissionais, o nome deles foi substituído pela letra P seguida de um número, de 1 a 28, sendo o primeiro P1 e assim sucessivamente.

Os critérios de inclusão dos participantes da pesquisa foram: atuar na Unidade Paulo Guedes no período mínimo de seis meses e atuar diretamente com atendimentos de pacientes. Como critérios de exclusão, utilizou-se: profissionais que estavam em período de férias, laudos e/ou atestados no período da coleta dos dados e colaboradores da higienização.

A equipe multiprofissional que participou da pesquisa tem idade entre 28 e 66 anos, como uma média de 42,2 anos, sendo 15 mulheres e 13 homens, todos com nível superior completo, a maioria com especialização na área de saúde mental/psiquiatria. O tempo médio de atuação na Unidade Paulo Guedes, de cada participante, foi de 8,9 anos.

A maior parte dos profissionais participantes foi de técnicos/auxiliares de enfermagem (n=12), seguida de enfermeiros (n=6) e médicos psiquiatras (n=4). Nota-se que 58% do total da equipe participou da pesquisa. Explica-se esse número considerando que alguns profissionais não atuam diretamente com o paciente, e outros não tinham completado seis meses de atuação na unidade ou não responderam ao questionário.

Como instrumento para obtenção dos dados, foi construído um questionário composto por questões fechadas e abertas; ele foi elaborado com base na revisão de literatura internacional sobre as MBUs e a realidade da Unidade Paulo Guedes. O convite para participar do estudo foi feito pessoalmente pelo pesquisador que trabalha como membro da equipe, com vistas a informar e esclarecer dúvidas dos profissionais. Para isso, a proposta foi apresentada, tanto desta pesquisa quanto da ideia de uma implantação futura desse tipo de alojamento na unidade.

A coleta de dados teve início em abril de 2020 e foi finalizada em dezembro de 2020. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, seguindo as recomendações da Resolução nº 466, do Conselho Nacional de Saúde (Ministério da Saúde, 2012). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), conforme parecer nº 3.954.791, de 5 de abril de 2020.

Os dados oriundos das questões fechadas foram submetidos à análise estatística descritiva e, posteriormente, analisados junto aos dados obtidos nas questões abertas, de acordo com a análise de conteúdo temática de Minayo (2013), com a ordenação, classificação e ­categorização dos dados. Inicialmente, foi realizada uma leitura flutuante das respostas, organização do material coletado, seguida da sistematização dos temas encontrados e, posteriormente, a constituição das categorias temáticas. Neste estudo, emergiram cinco categorias que serão apresentadas, a saber: 1- Conhecimento do tema e capacitação da equipe; 2- O vínculo mãe/filho(a) e o alojamento conjunto; 3- Adequação do espaço e ambiência; 4- Sistematização do funcionamento do alojamento conjunto; 5- Participação da equipe.

Apresentação dos Resultados e Discussão

Do número de profissionais convidados, a sua maioria aceitou contribuir e respondeu ao questionário proposto pelo pesquisador. As respostas a seguir, divididas em categorias temáticas, correspondem às contribuições da equipe.

Na primeira categoria, “conhecimento do tema e capacitação da equipe”, a quase totalidade dos participantes (93%) não conhecia a proposta de alojamento conjunto em unidade psiquiátrica, e, ainda, os 7% restantes mencionaram ter ouvido falar por meio de conversas com colegas sobre este próprio estudo. Isso corrobora a inexistência de publicações brasileiras sinalizando o desconhecimento sobre o tema no país, como mostram os relatos da equipe: Amigos e conversas com colegas. (P1 Médico psiquiatra), Colega de trabalho comentou sobre o assunto. (P12 Técnica de enfermagem).

Diante disso, percebe-se a importância da capacitação dos profissionais da saúde antes e durante uma possível implantação de alojamento conjunto na unidade; neste estudo, 78% referem a necessidade de capacitação da equipe. De acordo com Cazas e Glangeaud-Freudenthal (2004), a equipe, preferencialmente multidisciplinar, precisa de treinamento adequado, habilidades especiais e compreensão para ser capaz de cuidar das mulheres e dos bebês neste período de suas vidas.

Na segunda categoria, “vínculo mãe/bebê e o alojamento conjunto”, destaca-se a unanimidade das respostas, pois 100% dos profissionais consideraram que a implantação do alojamento conjunto mãe-bebê pode ser uma ferramenta terapêutica no tratamento das pacientes com filhos nos primeiros meses de vida; essas respostas vão ao encontro dos resultados de pesquisas internacionais (Chandra et al., 2015; Christl et al., 2015; Gillhan & Wittkowsky, 2015) e relatadas nas afirmações da equipe:

Sim, visto que o vínculo mãe-bebe contribui positivamente para a criação de laços afetivos, assim como incentiva a mãe a desempenhar seu papel materno aproximando-a do bebê, contato pele a pele, olho no olho, proporcionando um sentimento de segurança ao bebê. (P6 Enfermeira residente).

Pode ser uma boa ferramenta porque estimula o vínculo mãe-bebê e que pode prevenir recaídas nos sintomas psiquiátricos maternos futuros. (P8 Médica psiquiatra).

Tal recurso pode ser uma importante ferramenta para manter o vínculo mãe-bebê, permitindo que a usuária exerça a maternagem como suporte necessário para o momento de adoecimento mental. (P20 Assistente social).

Além disso, 100% dos profissionais consideram que o fortalecimento do vínculo no alojamento conjunto pode contribuir positivamente para o tratamento da paciente, como ­demostrado nas respostas a seguir:

Entendo que o fortalecimento deste vínculo, bem como o suporte da equipe assistente, pode abreviar o período de internação e auxiliar na construção da rotina pós-alta. (P1 Médico psiquiatra).

Pode facilitar a aceitação da internação, promover sentimentos positivos e ajudar a paciente a se adaptar às mudanças que a criança traz na vida familiar. (P7 Psicólogo).

A interação tem potencial para a construção do psíquico do bebê e na qualidade da relação futura com a mãe. (P17 Médico psiquiatra).

Assim, as respostas da equipe sobre as relações de vínculo entre a mãe e o bebê corroboram Spitz (2004), no que diz respeito à existência da mãe e sua simples presença servirem como um estímulo para as respostas do bebê. Essas interações da mãe com o bebê são as formas mais gerais e visíveis de troca de estímulos e denotam a reciprocidade da díade. Segundo Klein et al. (1982), durante o primeiro ano de vida, período de extrema plasticidade do cérebro do bebê, as experiências e ações constituem provavelmente a mais decisiva influência no desenvolvimento de sua personalidade. Ainda, Winnicott (1999) afirma que, no início, o bebê não se encontra preparado para lidar com as demandas internas e externas devido à sua fragilidade psicobiológica inicial, necessitando, então, da interferência do meio ambiente maternante.

No sentido de enfatizar a percepção sobre a importância do relacionamento entre a díade mãe-bebê, os membros da equipe multiprofissional também descrevem em suas respostas o inverso do ideal, ou seja, quando há o rompimento da relação de vínculo e o quanto isso pode ser prejudicial para mãe e o bebê, conforme evidenciado nas respostas da equipe:

O afastamento prolongado da dupla pode acarretar dificuldades de formação de vínculos futuros no bebê, além de prejudicar a construção da relação da díade e formação da identidade de mãe. (P1 Médico Psiquiatra).

A criança ficando muito tempo afastada da mãe pode não a reconhecer mais como a figura principal de seu afeto. (P12 Técnica de enfermagem).

Os defeitos na relação inicial da mãe com o bebê são evidentes no comportamento disruptivo ao longo do desenvolvimento. (P17 Médico psiquiatra).

A concepção dos participantes P1, P12 e P17 estão em consonância com Bowlby (1981), ao que ele denominou “privação de mãe”, situação na qual o bebê não encontra uma relação calorosa, íntima, contínua com a mãe, o que se acredita ser essencial para sua saúde mental. Essa relação complexa, rica e compensadora é o que se julga estar na base do desenvolvimento da personalidade do bebê.

Ainda que saibamos a importância das relações de vínculo no alojamento conjunto, é imprescindível um detalhamento adequado destas relações e de que forma devem ser registradas, possibilitando uma análise evolutiva, tanto da sintomatologia da mãe quanto da relação que ela estabelece com o bebê. Neste sentido, foi perguntado à equipe qual a melhor forma de registrar esta interação: 93% sugerem que o registro seja feito no prontuário; 79% referiram a solicitação de informações em todas as trocas de plantão; e, ainda, 75% consideraram a opção de reunir a equipe com maior frequência durante a internação. Todas as possibilidades tiveram boa aceitação pelos participantes e não são excludentes, podendo ser usadas em concomitância, visto que o registro das interações entre a mãe e o bebê é base fundamental para a prática do alojamento conjunto, como descrevem os participantes:

Definir profissional de referência para acompanhamento/supervisão de todas as interações, considerando as possibilidades de ensino do cuidado/suporte e monitoramento de riscos inerentes ao quadro psiquiátrico específico. (P1 Médico psiquiatra).

Assinalar a participação (negativa ou positiva) dos familiares da gestante. (P21 Médico psiquiatra).

Avaliar o benefício constantemente. (P19 Técnico de enfermagem).

Nesse aspecto, cabe destacar o estudo de Wright et al. (2018), sendo o primeiro a descrever de forma abrangente a saúde e o bem-estar das crianças em uma MBU, por meio de medidas das interações mãe-bebê em alojamento conjunto. Na terceira categoria, “adequação do espaço e ambiência”, 89,5% dos profissionais consideram que a unidade precisa de melhorias, entre elas, a infraestrutura física. Sobre a composição do ambiente, houve sugestões dos participantes P17, P19 e P1, para objetos que deveriam compor o espaço do alojamento conjunto, com vistas a proporcionar segurança, conforto e a ambiência adequada para o desenvolvimento da relação mãe-bebê:

Um mobiliário completo que possibilite na medida do possível a manipulação e o manejo das necessidades de um bebê, sejam de higiene, cuidado, alimentação, troca. (P17 Médico psiquiatra).

Berço (não alto do chão), maca ou trocador (largo), armário para guardar pertences, sofá para acomodação do familiar/paciente e bebê. (P19 Técnico de enfermagem).

Além dos citados, oferecimento de material de higiene para o bebê, caso o familiar não tenha consigo. (P11 Técnica de enfermagem).

De acordo com Ronchi e Avellar (2013), a ambiência torna-se fundamental para a política de humanização do Serviço Único de Saúde, na medida em que considera o ambiente como promotor de saúde física e mental. Especialmente nos serviços psiquiátricos, a ambiência é considerada um facilitador do processo terapêutico. O Ministério da Saúde (2004) define que o conceito de ambiência hospitalar se refere à estruturação do espaço físico entendido como espaço social, profissional e de relações interpessoais que deve dar uma atenção acolhedora, humana e resolutiva.

Na quarta categoria, “sistematização do funcionamento do alojamento conjunto”, considerando uma proposta de alojamento conjunto intermitente, foi perguntado à equipe quanto tempo o bebê deveria permanecer com a mãe no alojamento conjunto. A resposta mais votada, com 39%, foi “mais de 4 horas”, o que surpreende positivamente e indica disposição da equipe em investir na relação mãe-bebê em uma futura implantação do alojamento conjunto. Entretanto, para definir esse tempo, deve-se levar em conta outros fatores, como a disponibilidade emocional da mãe, a qual deve ser avaliada no momento, bem como a disponibilidade do familiar em acompanhar o bebê.

No início dos anos 1970, no Brasil, o alojamento conjunto na maternidade era incipiente e malvisto por profissionais da saúde. Um dos primeiros artigos sobre o tempo de permanência do bebê com a puérpera foi publicado por Freddi e Schubert (1977). Ele versa sobre ­alojamento conjunto em hospital geral, isso inclui enfermarias perinatais, nas quais o tempo de permanência deve ser pautado nas orientações da Academia Americana de Pediatria (1957), considerando as condições da mãe, do bebê e da equipe. Atualmente, a portaria nº 2.068, de 21 de outubro de 2016, do Ministério da Saúde (2016), institui as diretrizes voltadas à atenção integral humanizada para a saúde da mulher e do recém-nascido, com vistas a favorecer o vínculo, cuidar e proteger as necessidades da díade mãe-bebê. Embora o avanço nas políticas de saúde e no reconhecimento dos benefícios do alojamento conjunto perinatal, os autores deste artigo não localizaram publicações sobre o assunto no âmbito da internação psiquiátrica no Brasil. Assim, não foram encontrados estudos brasileiros sobre o tempo de permanência do bebê com a mãe, durante o período de internação psiquiátrica.

Quanto à sistematização do alojamento conjunto, os participantes foram questionados sobre qual turno seria mais adequado o bebê estar com a mãe, e 43% responderam que em todos os turnos, seguidos, coincidentemente, de 43% que optaram pelo turno da tarde como mais adequado, em decorrência da rotina da unidade. Destacam-se as respostas relativas à opção de “todos os turnos” como uma das preferências, o que aproxima da realidade de funcionamento das MBUs internacionais. Nas afirmativas de P1, P19 e P21, vemos a preocupação com o melhor momento para convivência da díade:

Período em que foram já realizadas as rotinas da manhã, a equipe se encontra completa e não há passagem de plantão entre 13-19h. (P1 Médico psiquiatra).

A tarde é um turno em que há número suficiente de funcionários e procedimentos de rotina já foram realizados (banhos, laboratório etc.). (P19 Técnico de enfermagem).

Entendo que a maior convivência está associada ao período diurno da dupla mãe-bebê, pois o objetivo é o fortalecimento dos vínculos. (P21 Médico psiquiatra).

Cabe destacar que as MBUs internacionais, em sua grande maioria, são de turno integral, com equipe 24 horas, existindo também outras modalidades em menor número, sejam nos moldes de hospital-dia, seja com funcionamento de segunda a sexta-feira (Cazas & Glangeaud-Freudenthal, 2004). Embora essa seja a experiência em outros países, inicialmente, ao implantar uma unidade, considerando a necessidade de adaptação e capacitação da equipe, sugere-se a modalidade intermitente.

Na questão que envolve as pacientes/gestantes, 96,5% consideraram que elas devem ser usuárias do alojamento conjunto no sentido de ter um ambiente adequado para construção do vínculo com o futuro bebê. Sobre o período gestacional necessário para internar, 79% responderam que a gestante poderia usufruir do espaço em qualquer etapa da gestação. Assim, torna-se evidente o entendimento da equipe sobre a construção da relação mãe-bebê ainda na gestação, conforme afirmam em suas narrativas:

Favorecer sentimentos e expectativas positivas sobre o nascimento e sobre a maternidade. O nascimento é crucial para o vínculo. (P5 Enfermeiro).

Sim, a gestante estando em um ambiente planejado cria uma segurança maior, estimulando um pensamento de momento futuro de proximidade que terá com o bebê, além de já ir criando uma identidade materna. (P6 Enfermeira).

Sim, desde que esteja tudo bem e ela vai ficar com o bebê, pode-se ir trabalhando os cuidados primários com essa mãe para aplicar no bebê. (P12 Técnica de enfermagem).

A relação com o bebê deve ocorrer antes do parto, de forma a construir a relação. (P17 Médico psiquiatra).

O período de gestação e os primeiros meses do bebê são preciosos para a construção e consolidação do vínculo. Nesse sentido, segundo Silva (2016), o vínculo inicia-se desde o nascimento do bebê e se estende por toda a vida. É um caminho no qual a díade mãe-bebê se comunicará pela relação recíproca que foi desenvolvida desde a concepção, passando pelo seu desenvolvimento em útero até o instante do seu nascimento.

A importância potencial do período gestacional e a proteção do bebê são aspectos relevantes na discussão sobre o tema, especialmente porque o alojamento conjunto pode estar localizado em hospital geral, com a presença próxima de outros pacientes psiquiátricos em tratamento. Por isso, foi perguntado à equipe o que poderia ser feito no caso de intercorrências como agitação, vozes em som alto, entre outras manifestações associadas a pacientes em sofrimento psíquico; nessa questão, o participante poderia assinalar mais de uma alternativa e escrever sugestões. Do total de participantes, 36% responderam que um técnico pode se direcionar ao quarto para tranquilizar sobre o contexto e 36% afirmaram que seria viável retirar o bebê com a acompanhante da unidade.

Estes percentuais revelam a preocupação da equipe quanto à melhor forma de disponibilizar um ambiente de segurança e tranquilidade, já que o alojamento conjunto deve ser um espaço calmo e acolhedor, para que a mãe e o bebê tenham uma boa experiência no período de internação. As respostas mencionadas a seguir pelos participantes P1, P9 e P12 denotam uma disposição em contribuir para o êxito da experiência, caso ela fosse implementada na unidade:

A prioridade, em casos assim, deveria ser garantir a proteção do paciente em crise/risco. Entendo que faça parte do conjunto de ações o manejo ambiental, orientações, medicações suplementares e mesmo isolamento físico de setores. (P1 Médico psiquiatra).

A equipe multiprofissional, ou enfermeiro, ou técnicos, ou residentes médicos, se direcionam ao quarto para tranquilizar sobre o contexto. (P9 Técnica de enfermagem).

Acredito que seja de proteção, fechar a porta e explicar o que está acontecendo, sempre tranquilizando a paciente. (P12 Técnica de enfermagem).

Na quinta e última categoria, “colaboração da equipe”, os profissionais foram questionados sobre a colaboração da equipe multiprofissional para construção do projeto de implantação do alojamento conjunto na unidade, e 64% afirmaram que haverá colaboração, seguidos de 29% que acreditam que a colaboração será parcial. Em uma questão descritiva, foi perguntado como cada participante poderia contribuir para o alojamento conjunto, e 100% dos participantes se mostraram dispostos a participar, dando sugestões de como poderiam ajudar:

Como consultor do pronto-socorro, entendo poder ser útil na verificação dos critérios de inclusão e exclusão, sobretudo identificando riscos de agressão. (P1 Médico psiquiatra).

Com conhecimento sobre aspectos psicológicos da interação mãe-bebê, para subsidiar decisões da equipe e atendimento psicológico às pacientes. (P7 Psicólogo).

Avaliação e acompanhamento médico psiquiátrico, instruções para residência sobre o tópico após capacitação. (P8 Médica psiquiatra).

Na minha área percebo que se poderá contribuir na identificação da composição familiar, quais podem ser responsabilizadas por contribuir nessa unidade e ver quais as possibilidades e fragilidades para vinda dos mesmos, disponibilizar passagens, ou articular transporte com secretarias dos municípios. (P20 Assistente social).

A disponibilidade dos profissionais P1, P7, P8, e P20 denota que o tema foi muito bem recebido pela equipe, resultado que surpreendeu os pesquisadores. Inicialmente, pensou-se que ter filhos ou não poderia interferir na posição do participante diante da ideia, mas o número de mulheres sem filhos foi superior ao das mulheres mães, e, dos 13 homens, 7 são pais. No que se refere ao sexo, os homens totalizaram um percentual de 46% dos participantes e, nos resultados, todos demonstraram o mesmo entusiasmo e respeito com a relevância do tema.

Concluída com êxito esta primeira etapa da coleta e análise dos dados oriundos da pesquisa com a equipe multiprofissional, essas informações são subsídios para a fase de implantação do alojamento conjunto na Unidade. Outrossim, acredita-se que um ambiente físico adequado qualifica os cuidados de saúde mental e possibilita, na prática, a humanização no atendimento hospitalar, o que pode ajudar a desconstruir a percepção negativa da internação em unidade psiquiátrica.

Considerações Finais

Embora os resultados deste estudo evidenciem o pouco ou nenhum conhecimento dos profissionais sobre o alojamento conjunto na internação psiquiátrica, a equipe foi receptiva à pesquisa realizada, mostrando-se sensível em relação à ideia de não interromper o convívio de mãe-bebê durante a hospitalização. Para que isso aconteça, eles sinalizaram a necessidade de adequação da infraestrutura física, capacitação da equipe, mudanças na gestão e sistematização de convívio mãe-bebê de forma intermitente.

Todos os profissionais participantes deste estudo consideraram que o fortalecimento do vínculo mãe-bebê, no alojamento conjunto, poderá auxiliar no tratamento da paciente. Acredita-se que esse é um dos fatores que mobilizou o interesse da equipe em conhecer mais o assunto, bem como a participar ativamente da proposta, considerando que todos os participantes responderam à questão sobre como poderiam contribuir para que o alojamento conjunto fosse uma experiência exitosa.

A disponibilidade, o entusiasmo e a participação da equipe em todas as etapas do processo é imprescindível, bem como nas etapas posteriores, até a efetiva implantação do alojamento conjunto na unidade. Assim, este estudo revelou que há consonância de ideias dos pesquisadores que, posteriormente, conduzirão as próximas etapas do projeto alojamento conjunto, com as ideias elucidadas pela equipe. Essa sintonia facilitará a implantação de nova metodologia de cuidado em saúde mental. Assim, acredita-se que há um importante interesse da equipe em qualificar o atendimento prestado em unidade psiquiátrica, tendo em vista que a proposta de alojamento conjunto, na unidade psiquiátrica, vai ao encontro das atuais políticas de humanização do sistema de saúde no Brasil.

Com base nas experiências internacionais e nos estudos que demonstram o alojamento conjunto mãe-bebê como inovação em termos de atendimento humanizado, recomenda-se que a experiência de alojamento conjunto na saúde mental seja pauta de reflexões e ­discussões no território brasileiro, alicerçando uma nova tecnologia de cuidado a pessoas em sofrimento psíquico. Sabe-se que as experiências internacionais publicadas são importantes fontes de conhecimento sobre o tema. No entanto, o Brasil precisa construir sua própria experiência de alojamento conjunto, com base na realidade brasileira e nas especificidades de cada região do país.

Assim, consequentemente, o país terá sua própria experiência narrada na literatura e pesquisas publicadas sobre o tema, como já ocorre, com a que se acredita ser a primeira publicação sobre alojamento conjunto em unidade psiquiátrica no país, uma revisão integrativa de literatura inserida na dissertação de Artmann (2021). Desse modo, espera-se que a primeira experiência em alojamento conjunto possa ser um incentivo para que ela seja replicada e aperfeiçoada em vários hospitais brasileiros.

Referências

Academia Americana de Pediatria. (1957). Normas y recomendaciones para la atención del recién nacido en hospitales a término y prematuro.

Artmann, M. (2021). Implantação de alojamento conjunto mãe-bebê em unidade psiquiátrica [Dissertação de Mestrado, Universidade Franciscana].

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Recebido em 17/04/2021

Última revisão em 13/01/2022

Aceite final em 04/02/2022

Sobre os autores:

Marcelo Artmann: Mestre em Saúde Materno Infantil pela Universidade Franciscana (UFN). Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: marcelo.artmann@bol.com.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2558-2142

Luciane Najar Smeha: Doutora em Psicologia pela Universidade Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Docente no curso de graduação em Psicologia, e no Mestrado Profissional em Saúde Materno Infantil da Universidade Franciscana (UFN). E-mail: lucianenajar@yahoo.com.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3068-3776

Suzinara Beatriz Soares de Lima: Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Enfermeira no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Docente da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: suzibslima@yahoo.com.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2162-8601


1 Endereço de contato: Rua Sete de Setembro, nº 199, apto. 2, São Pedro do Sul, RS. CEP: 97400-000. E-mail: marcelo.artmann@bol.com.br

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v14i2.1670