Vivências de Automutilação sob a Lente da Gestalt-Terapia

Self-Mutilation Experiences under the Lens of Gestalt Therapy

Vivencias de Automutilación bajo la Lente de la Terapia Gestalt

Ana Lorena Coelho1

Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP)

Carlos Ming-Wau

Anna Karynne Melo

Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

Darla Moreira Carneiro Leite

Instituto Dr. José Frota (IJF)

Resumo

A automutilação é um ajustamento criativo disfuncional, considerada pela gestalt-terapia como uma retroflexão. Trata-se de um comportamento autodestrutivo em busca de lidar com o sofrimento no campo organismo-ambiente. Objetivamos compreender, sob a lente da gestalt-terapia, vivências de automutilação de pacientes internados por tentativa de suicídio. Utilizamos o método fenomenológico, nestas etapas: redução fenomenológica, descrição dos vetores internos ao fenômeno e explicitação da experiência em seus diferentes sentidos. Participaram do estudo quatro mulheres hospitalizadas por tentativas de suicídio e que praticavam automutilação. Realizamos atendimentos psicológicos às participantes, em seus leitos, cujos trechos sobre a automutilação foram registrados num diário de bordo e, em seguida, analisados. Constatamos que a automutilação foi uma forma de punição ao flagelar seus corpos com os cortes em busca de irem aos poucos se matando. Portanto, como um processo retroflexivo, a automutilação é um modo de autocontrole, evitação de contato e frustração a fim de um ajustamento criativo.

Palavras-chave: comportamento autodestrutivo, automutilação, tentativa de suicídio, gestalt-terapia, retroflexão

Abstract

Self-mutilation is a dysfunctional creative adjustment, considered by gestalt therapy as a retroflection. It is a self-destructive behavior in search of dealing with suffering in the organism-environment field. The aim of this article was to understand, under the lens of gestalt therapy, the experience of self-mutilation of patients hospitalized for a suicide attempt. We used the phenomenological method in these steps: phenomenological reduction, description of the internal vectors of the phenomenon, and explanation of the experience in its different meanings. Four women who were hospitalized for suicide attempts and who practice self-mutilation participated in the study. We provided psychological assistance to the participants in their beds, whose excerpts about self-mutilation were recorded in a logbook, and then analyzed. We found that self-mutilation is a form of punishment for flagellating their bodies with cuts to gradually kill themselves. Therefore, as a retroflexed process, self-mutilation is a way of self-control, avoidance of contact, and frustration to adjust creatively.

Keywords: self-destructive behavior, self-mutilation, suicide attempts, gestalt therapy, retroflection

Resumen

La automutilación es un ajuste creativo disfuncional, considerada por la terapia gestalt como una retroflexión. Es un comportamiento autodestructivo en busca de lidiar con el sufrimiento en el campo organismo-ambiente. El objetivo de este artículo fue comprender, bajo la lente de la terapia gestalt, la vivencia de automutilación de pacientes internados por tentativa de suicidio. Utilizamos el método fenomenológico en estas etapas: reducción fenomenológica, descripción de los vectores internos al fenómeno y explicitación de la experiencia en sus diferentes sentidos. En el estudio participaron cuatro mujeres hospitalizadas por tentativas de suicidio que practicaron automutilación. Realizamos asistencia psicológica a las participantes en sus camas, cuyos extractos sobre automutilación fueron registrados en un cuaderno de bitácora y seguidamente analizados. Encontramos que la automutilación es una forma de castigo por azotar sus cuerpos con cortes para suicidarse gradualmente. Así, como proceso retroflexivo, la autolesión es una forma de autocontrol, evitación del contacto y frustración para adaptarse creativamente.

Palabras clave: comportamiento autodestructivo, automutilación, tentativa de suicidio, terapia gestalt, retroflexión

Introdução

A violência autoinfligida é praticada pela própria pessoa contra si mesma e consiste na ação consciente realizada por meio de atos autodestrutivos; assim, engloba o comportamento suicida e a autoagressão (Veloso et al., 2017). O comportamento suicida se refere à ideação, planejamento, tentativas e suicídios propriamente ditos (Fukumitsu, 2014). No que se refere à autoagressão, este conceito abrange a automutilação; por exemplo, os arranhões superficiais na pele e a autoamputação de membros do corpo (Bahia et al., 2017).

O comportamento de se automutilar é classificado como leve, moderado ou grave, de acordo com a definição de Dalgalarrondo (2018). Este pesquisador define que as automutilações leves e moderadas são aquelas em que ocorre a presença de escoriações na pele e nas mucosas, furos, queimaduras ou até mesmo tricotilomania. Em contrapartida, as automutilações mais agressivas são consideradas graves, nas quais há a autoamputação do membro ou de parte dele, como a autoenucleação, em que ocorre a extração do próprio olho, ou o ato de arrancar os órgãos genitais.

Em alguns casos, o comportamento suicida se apresenta em concomitância com a prática da automutilação, principalmente por meio de tentativas de suicídio. Em outros casos, as pessoas iniciam os comportamentos autodestrutivos a partir da automutilação na pele. Devido à intensidade e à recorrência dos cortes, sejam superficiais, sejam profundos, estas pessoas podem tentar o suicídio por métodos mais letais; por exemplo, pela intoxicação exógena (Silva & Botti, 2017). A tentativa de suicídio é uma das formas que elas encontram para acabar com os sofrimentos e as dores da vida, pois o alívio experimentado pela prática de automutilação é apenas imediato, fato que pode desencadear atos mais agressivos, cujo desfecho pode ser o suicídio (Ming-Wau et al., 2020).

Este fenômeno foi observado na atuação da primeira autora, no exercício da função de psicóloga, durante a Residência Multiprofissional da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), com ênfase em Urgência e Emergência, no Instituto Dr. José Frota (IJF), em Fortaleza, no Ceará. Nos atendimentos realizados pela psicóloga residente às pessoas internadas por tentativa de suicídio, em virtude da escuta de suas queixas, algumas delas relataram que, em algum momento de suas vidas, haviam praticado a automutilação.

Os atendimentos psicológicos realizados aos pacientes internados, no IJF, ocorrem em espaços que dificultam a garantia do sigilo, pois são compartilhados com outros pacientes, cuidadores e os profissionais que trabalham na instituição. Contudo, destacamos que é neste setting que o trabalho da psicóloga hospitalar se desenvolve, isto é, entre as macas, os equipamentos e os ruídos, buscamos acolher as queixas e demandas dos pacientes e intervir em suas situações de dor e sofrimento, angústia e desespero.

Simonetti (2018) declara que o local dos atendimentos em psicologia hospitalar é diferente do modelo psicoterapêutico, centrado no consultório; afinal, “o local de atendimento é onde o paciente está, e não a sala do psicólogo, que na maioria dos hospitais nem existe, em razão da falta de espaço físico” (p. 157). Esses atendimentos ocorrem em poucos encontros, em razão de o tempo de permanência do paciente no hospital não poder ser previsto, pois depende da evolução do seu quadro clínico, que culmina com sua alta (Freitas et al., 2010).

Diante das escutas realizadas no hospital, escolhemos que o enfoque desta investigação seria a vivência de automutilação de pacientes internados por tentativa de suicídio. Fomos impulsionados a investigar este fenômeno pelo fato de sua recorrência nos discursos dos pacientes outrora atendidos, coadunando com a afirmação de Silva e Botti (2017), que explicitam que a prática da automutilação antecede a maioria das tentivas de suicídio.

Destacamos que a relevância científica deste estudo consiste em gerar reflexões teóricas, fundamentadas pela gestalt-terapia, sobre a automutilação, pois é um fenômeno recorrente nas queixas clínicas de quem procura atendimento psicológico e em pacientes hospitalizados por tentativa de suicídio. No que tange à relevância social, apontamos caminhos de como acolher as pessoas que praticam automutilação e que, em concomitância, tentaram o suicídio, principalmente no sentido de não julgá-las moralmente e não tratar este assunto como um problema que se inscreve somente nas searas da psicopatologia.

Assim, neste artigo, abordamos as vivências de automutilação em busca da compreensão dos sentidos que as pessoas atribuem a esta prática, a de se cortarem. Esta temática se inscreve no campo da psicologia em interface com a assistência e a promoção de saúde mental junto aos pacientes hospitalizados com queixas de comportamento suicida e automutilação. Portanto, objetivamos compreender, sob a lente da gestalt-terapia, vivências de automutilação de pacientes internados por tentativa de suicídio.

Automutilação na Lente da Gestalt-Terapia

A abordagem gestáltica considera o humano como um todo, isto é, em seus aspectos físicos, psíquicos, sociais, espirituais, políticos, comunitários e ecológicos (Ribeiro, 2019). Trata-se da compreensão do sujeito como um organismo total, no qual não há a cisão corpo e mente, um dos pressupostos fundamentais defendidos pela gestalt-terapia. Esta teoria psicológica defende que o homem é um organismo unificado que está em constante troca com o meio na busca de elementos que garantam sua sobrevivência (Perls, 1973/1988).

Esta compreensão de homem se pauta na doutrina holística, que defende a ideia de que o organismo é unificado e está inserido num campo, ou seja, em um determinado contexto em que se desenrola sua história de vida (Boris et al., 2017). Ribeiro (1999) acentua que a noção de campo não se refere a um local físico, mas à integração do organismo e do meio ambiente, ambos formando o espaço vital.

Yontef (1998) pontua que as relações se originam por meio da dialética contato-fuga que se dá na interação entre o organismo e o ambiente. Contato é um intercâmbio processual entre o indivíduo e o ambiente que o circunda, uma relação de reciprocidade em que homem e mundo se transformam. Perls et al. (1951/1997) definem que todo contato é criativo e dinâmico, e sempre há a busca pela homeostase e pelo crescimento; ou seja, a autorregulação organísmica. Em contrapartida, o organismo se utiliza da fuga para manter sua sobrevivência no momento em que rejeita aquilo que não lhe proporciona crescimento. Então, “este contato com o meio e a fuga dele, esta aceitação e rejeição do meio, são as funções mais importantes da personalidade global” (Perls, 1973/1988, p. 36).

Contato e fuga fazem parte da autorregulação organísmica, denominada de homeostase (Perls, 1969/1977). O processo homeostático é aquele pelo qual o organismo busca manter seu equilíbrio diante das situações que vivencia (Ming-Wau et al., 2021), quer sejam as que possibilitam crescimento, que sejam aquelas que geram incômodo e sofrimento. Na busca pelo equilíbrio diante das situações de adversidade, entre os modos que as pessoas da contemporaneidade lançam mão para lidar com os sentimentos que causam mal-estar, destacamos a medicalização dos sofrimentos (Dutra, 2012) e os atos autodestrutivos, como tentativas de suicídio e automutilação (Ming-Wau et al., 2020).

Alvim (2019) defende que as experiências singulares do organismo se produzem nos níveis individuais e coletivos; ou seja, na concepção da abordagem gestáltica, o organismo é um sujeito singular que se inscreve num contexto sócio-histório, no qual o modifica e é modificado por ele. Isto posto, os sujeitos da contemporaneidade preferem não entrar em contato com o mal-estar, mas a todo custo desejam extirpá-lo da existência (Dutra, 2012). Por este motivo, os atos autodestrutivos vivenciados pela automutilação, escopo deste estudo, convocam a discussão sobre como se concretizam na história de vida de quem os pratica.

A automutilação, a partir das concepções teóricas da abordagem gestáltica, é compreendida como um ajustamento criativo que o organismo escolhe para manter seu equilíbrio diante das situações de sofrimento que vivencia no seu cotidiano. Os ajustamentos criativos se dão no contato do organismo com o meio (Perls et al., 1951/1997). Berri (2020) destaca que “a ‘qualidade’ desse contato, ou seja, a forma como esse contato acontece é o que podemos chamar de ajustamento criativo” (p. 353).

Frazão (2015) define os ajustamentos criativos como funcionais e disfuncionais. Em sua concepção, o ajustamento criativo funcional possibilita ao organismo seu crescimento e desenvolvimento por meio das interações com as outras pessoas e com o ambiente em que está inserido. O ajustamento criativo disfuncional se refere aos contatos que não proporcionam o crescimento do organismo, mas cristalizam e fixam o seu comportamento em atitudes que o impedem de visualizar outras saídas para as vivências de mal-estar.

. . . O contato disfuncional se apresenta quando há uma inibição do excitamento frente a uma nova figura, interrompendo o fluxo entre figura e fundo, o que não desenvolve o ímpeto necessário para a ação levando à repetição de comportamentos que, por sua vez, não são adequados à nova situação . . . (Berri, 2020, p. 353).

Na lente da gestalt-terapia, consideramos que a automutilação se configura como um ajustamento criativo disfuncional, pois o organismo fixa sua energia em atos que visam à autodestruição dirigida ao seu corpo. Os sujeitos que se automutilam lançam mão da retroflexão, direcionando contra si mesmo o que poderia ser dirigido ao outro ou ao mundo. Na retroflexão, destaca Perls (1973/1988), ocorre a liberação de energia contra o próprio organismo; é uma forma de manipular o campo na busca de um reajustamento.

A retroflexão é uma tentativa de ajustamento num campo seguro percebido pelo sujeito, no caso, seu próprio corpo. Para Perls, “o ambiente tangível do retrofletor consiste somente em si próprio, e nessa tarefa acaba com as energias que mobilizou” (Perls et al., 1951/1997, p. 256). O retrofletor intenta, com a automutilação, evitar a frustação, e, com os cortes, estar ocupado com o controle ativo de si. Então, por meio dos cortes, as pessoas ensejam dar conta de situações inabadas e buscam interromper a expansão do contato, principalmente quando não conseguem construir ajustamentos criativos funcionais para fechar as gestalten em aberto e finalizar as questões em que o sofrimento se faz presente.

Percurso Metodológico

Esta investigação se define como um estudo qualitativo que lançou mão do método fenomenológico proposto por Feijoo e Goto (2017) e Feijoo e Mattar (2014), especialmente no que concerne aos modos como os estudos em psicologia podem se servir da fenomenologia filosófica de Husserl para alcançar os significados das vivências. Neste estudo, almejamos a compreensão, sob a lente da gestalt-terapia, dos sentidos das vivências de automutilação de pacientes internados por tentativa de suicídio.

Feijoo e Goto (2017) esclarecem que o método fenomenológico tem a intenção de investigar os significados das vivências em torno do fenômeno. Em suas palavras, “em todos os procedimentos de investigação fenomenológica na psicologia, o objetivo continua sendo a compreensão do significado do vivido, alcançado mediante uma descrição analítica, apoiada em uma relação de cooperação entre os sujeitos da pesquisa e o pesquisador” (p. 2).

A amostra deste estudo foi intencional, sendo composta por 4 mulheres internadas por tentativa de suicídio que, em algum momento de suas vidas, relataram que praticam ou praticaram a automutilação. Para abordá-las, o protocolo da investigação foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IJF (CAAE: 33842820.0.0000.5047/Parecer: 4.140.192). As participantes foram nomeadas com pseudônimos, a fim de preservar o anonimato de suas identidades, sendo eles: Laura (23 anos), Andréa (46 anos), Joana (57 anos) e Letícia (72 anos), conforme pactuado no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Estas pacientes foram internadas na emergência do IJF por conta de suas tentativas de suicídio. O IJF, locus da pesquisa, é o maior hospital de urgência e emergência de nível terciário da rede de saúde pública da Prefeitura de Fortaleza, Ceará, e referência para atendimento às vítimas de trauma de alta complexidade, queimaduras, intoxicação exógena e lesões vasculares graves.

Realizamos atendimentos psicológicos, sob a lente da abordagem gestáltica, com cada uma das participantes durante o período em que estiveram internadas. Com cada uma delas, foram realizados, em média, 6 atendimentos, pois ficaram internadas no IJF cerca de 10 dias. Nestes atendimentos, abordamos os acontecimentos de suas vidas que mantinham relação com a hospitalização, ou seja, com a tentativa de suicídio. Em seus relatos, elas pontuaram que praticavam a automutilação antes de tentarem o suicídio e, por este motivo, foram convidadas a participar deste estudo.

Os materiais analisados foram os registros dos atendimentos psicológicos com as paticipantes, escritos num diário de bordo, instrumento qualitativo comumente utilizado em estudos etnográficos; no entanto, pode ser utilizado em estudos de outras abordagens metodológicas, entre eles, investigações fenomenológicas (Moreira & Cavalcante-Júnior, 2008). Caprara e Landim (2008) destacam que o diário de bordo permite que o pesquisador escreva nele suas impressões sobre o fenômeno que está pesquisando, fruto do encontro com os participantes do estudo, como também é um recurso que contribui nas pesquisas em saúde. Escolhemos fazer os registros no diário de bordo devido ao ambiente hospitalar não favorecer a realização de entrevistas, clássico instrumento utilizado por pesquisadores ­fenomenólogos. Tal escolha se deu pela impossibilidade de deslocar as participantes para um local adequado que permitisse a gravação das entrevistas.

Em concordância com a proposta teórico-metodológica de Feijoo e Mattar (2014) e Feijoo e Goto (2017), desenvolvemos estes três momentos durante esta investigação fenomenológica em psicologia: 1) redução fenomenológica, 2) descrição dos vetores internos ao fenômeno e 3) explicitação da experiência em seus diferentes sentidos. Estas etapas nortearam os procedimentos para coleta e análise dos dados.

Durante a coleta dos dados, isto é, nos atendimentos psicológicos junto às pacientes hospitalizadas, ouvimos seus relatos sobre os motivos da hospitalização, no caso, as tentativas de suicídio. Quando falaram que também praticavam a automutilação, abordamos o que desejavam obter por meio dos cortes. Nestes encontros, adotamos a redução fenomenológica, na qual suspendemos, ou seja, colocamos entre parênteses, os pressupostos teóricos sobre a automutilação e suas nuances na tentativa de suicídio. Também suspendemos as concepções moralistas e psicopatológicas sobre a automutilação. Nesta etapa, destacamos que reduzimos fenomenologicamente as concepções teóricas da gestalt-terapia, que inscreve a automutilação como um ajustamento criativo disfuncional retroflexivo.

Na descrição dos vetores internos do fenômeno, acompanhamos os relatos das participantes acerca de como vivenciavam a prática de automutilação. As mulheres descreveram como a automutilação se faz presente no contexto de suas histórias de vida. Nesta etapa, ainda estávamos operando em redução fenomenológica. Ao término dos atendimentos, tomamos nota, no diário de bordo, dos conteúdos que as participantes mencionaram ter relação com as automutilações e o que se atrelava a estas vivências.

Na última etapa, que consistiu em explicitar a experiência em seus diferentes sentidos, acompanhamos o aparecimento do fenômeno no seu campo de mostração, por meio das expressões singulares que nos encaminharam aos significados da automutilação.

De posse das descrições registradas no diário de bordo, durante os procedimentos da análise dos dados, ainda em redução fenomenológica, realizamos leituras exaustivas das anotações do diário de bordo acerca do que escrevemos sobre as vivências de automutilação descritas pelas participantes. Em seguida, agrupamos, em unidades de sentido, os significados que conseguimos captar sobre suas vivências. Finalmente, para a análise teórica, abrimos mão da redução fenomenológica para ir ao encontro dos modos como a abordagem gestáltica define a automutilação e seus conceitos fundamentais.

As anotações do diário de bordo comparecem, na análise e na discussão dos resultados, por meio de vinhetas, que se definem como excertos que o pesquisador fenomenólogo se serve para ilustrar o fenômeno investigado e o modo como ele se apresenta, a partir dos depoimentos dos sujeitos envolvidos na pesquisa (Moreira & Cavalcante-Júnior, 2008). Então, as vinhentas utilizadas demonstram os sentidos que as participantes atribuíram às suas vivências de automutilação.

Resultados e Discussão

Nos atendimentos, as participantes descreveram como realizavam as automutilações, em todos os casos, com facas e estiletes, e os métodos utilizados para as tentativas de suicídio: Joana, por exposição à água quente; Andréa, por intoxicação exógena com psicofármacos; Laura se arremessou de um prédio; e Letícia perfurou o seio com uma faca.

Na efetivação do estudo, não havia homens internados que praticavam automutilação. Este dado coaduna com a literatura científica sobre o comportamento suicida, que aponta que as mulheres são mais propensas a tentar o suicídio (Moreira et al., 2017) e a praticar automutilação (Klonsky et al., 2015).

De modo geral, na escuta das participantes, a automutilação ocorreu em momentos que vivenciaram situações de adversidade: Laura relatou a dificuldade em aceitar sua autoimagem corporal e sua sexualidade dirigida a outras mulheres; Andréa se culpa pelo falecimento do seu filho, pois havia comprado a motocicleta que ocasionou o acidente; Letícia desejava se livrar dos pensamentos que lhe mandavam tentar o suicídio; Joana escutava vozes que a mandavam se cortar. Com estes dados, elaboramos duas unidades de sentido, nas quais buscamos explicitar os significados das vivências de automutilação das participantes.

Quero Ir aos Poucos me Matando

Nesta unidade de sentido, analisamos os relatos das participantes que se relacionam à automutilação como uma forma de punição, na qual desejavam ir se matando aos poucos. Compreendemos que a punição ocorria em momentos que não encontravam saídas, ou seja, um autossuporte eficaz para lidar com o sofrimento. Para elas, a automutilação era a única forma que visualizavam para amenizá-lo: Laura refere que os cortes se davam por não conseguir aceitar sua sexualidade, permanecer no emprego e terminar a faculdade; Andréa relata a culpa em ter comprado a moto no qual seu filho se acidentou e faleceu precocemente; e Joana e Letícia se culpavam porque não obtiham êxito em suas tentativas de suicídio.

A automutilação era a alternativa mais simples de ir aos poucos se matando. Isso acontece diante de pensamentos perturbadores e insistentes, com teor de culpa por continuar vivendo e não conseguir se suicidar. Tais pensamentos surgem em momentos de tristeza, com conteúdos relacionados à falta de sentido de continuar vivendo (Vinheta da anotação no diário de bordo sobre o atendimento de Letícia).

O ato de se automutilar se relaciona ao fracasso nas tentativas de suicídio, pois, em decorrência de pensamentos negativos sobre seus medos, suas angústias e seus sentimentos, morrer seria a solução dos seus sofrimentos. Demonstrava-se sem perspectivas de futuro e que vive só por viver. Não sente prazer em viver e nas coisas que a vida proporciona, restando apenas a vontade de se ferir, de sentir dor, como forma de punição por ainda continuar viva. (Vinheta da anotação no diário de bordo sobre o atendimento de Joana).

Nestas vinhetas, percebemos as situações em que Joana e Letícia lançam mão da automutilação para amenizar o mal-estar, no entanto, desejavam morrer aos poucos. Na abordagem gestáltica, quando “o indivíduo volta para si mesmo o que ele gostaria de fazer a outra pessoa, ou faz a si mesmo o que ele gostaria que alguma outra pessoa fizesse a ele” (Polster & Polster, 1979, p. 88).

A automutilação, como um ajustamento criativo disfuncional, é o modo como Joana e Letícia realizam suas autorregulações organísmicas, isto é, com os cortes, buscam uma punição pelas tentativas sem êxito de morrer por suicídio. Ambas dirigem aos seus corpos a vivência do desespero e o desejo de acabar com suas vidas, e, enquanto não conseguem, praticam a automutilação como forma de aliviar a falta de sentido e perspectivas de futuro para continuarem vivas. Assim, constatamos que recorrem à retroflexão na tentativa de dar conta da falta de perspectivas criativas que lhes permitam preencher de sentido suas vidas.

O desejo de não continuar viva também foi relatado por Andréa, sobretudo por conta de se sentir culpada desde o falecimento do seu filho, ao ponto de manisfestar uma dor que dilacerava sua alma.

Sentia a necessidade de fazer três cortes em seu braço para ver o sangue escorrendo e preenchendo todo o membro. Compara o sangue às coisas boas que aconteceram em sua vida, porém, elas escorreram, foram embora ou morreram. Não aceita a morte do filho, sentindo-se culpada por este acontecimento (Vinheta da anotação no diário de bordo sobre o atendimento de Andréa).

A vontade incontrolável de fazer cortes em seus braços traz consigo o prazer da automutilação, como se estivesse sacrificando seu corpo em busca de expiar a culpa pela morte do filho. O sangue que escorre, em sua cor vermelha, é vibrante e vívido, conforme relatou. Este sangue se assemelha às situações que aconteceram em sua vida que fugiram do seu controle. Compreendemos que, com as automutilações, Andréa tenta elaborar a vivência do luto da perda do seu filho, o que também envolve os seus sentimentos de culpa.

Fukumitsu (2012) destaca que o luto ocorre em decorrência de perdas significativas e se estabelece como um processo de ajustamento a tais perdas. Cada pessoa busca superar suas perdas de modos singulares. Por sua vez, Berri (2020) considera a vivência do luto como um ajustamento criativo, pois o enlutado tenta dar sentido à perda da pessoa querida e viver com sua ausência. Assim, Andréa recorre à automutilação na tentativa de lidar com sua perda e se libertar da culpa por ter, em sua visão, cooperado indiretamente para o que aconteceu.

A vivência da culpa também foi relatada por outra participante, que recorreu à automutilação a fim de se punir por não aceitar seu corpo e sua sexualidade, manifestando sentimentos de menos-valia e autodepreciação.

A automutilação se apresenta como recurso para lidar com as dificuldades em aceitar sua sexualidade e seu corpo. Apresentou baixa autoestima e se sente inferior e incapaz de ter uma vida como as demais pessoas da família. Tem medo e vergonha de assumir relacionamentos homoafetivos, ao mesmo tempo que carrega culpa em sentir vontade de se relacionar com pessoas do mesmo sexo. (Vinheta da anotação no diário de bordo sobre o atendimento de Laura).

As questões sobre a própria sexualidade, para Laura, eram de difícil compreensão e lhe causavam culpa, pois se sentia inferior perante as demais pessoas, principalmente as mulheres que se relacionam com homens. Não gostar de roupas curtas, coladas, vestidos, saltos ou maquiagem, mais comum entre as meninas, reforçava a ideia de ser diferente e incapaz de construir uma família. Então, a automutilação era uma forma de punir a si mesma por ainda continuar viva diante das exigências que fazia a si mesma sobre como deveria ser: a culpa lhe remete à vivência de um débito consigo mesma, pago por meio dos atos autodestrutivos.

Compreendemos que o que estava em questão era sua dificuldade diante das possibilidades de escolher outros meios para lidar com seu mal-estar, ou seja, ajustamentos criativos que permitissem se aceitar como ela era. “O sentimento de culpa desvela, então, a impossibilidade do homem ser plenamente si-mesmo, e ao mesmo tempo receber esse chamado, estando assim sempre em débito consigo mesmo” (Santos, 2013, p. 87).

Portanto, a punição se manifestou nos atendimentos psicológicos das participantes, tanto para se autopunirem por terem feito algo que elas mesmas reprovavam quanto por não conseguirem ser como desejavam. As automutilações, como ajustamentos criativos disfuncionais retroflexivos, são tentativas de resolução de suas situações inacabadas, a fim de obter o equilíbrio diante das adversidades que enfrentavam no contexto de suas histórias de vida. Elas não reconhecem a possibilidade ou não investem na relação com o outro/mundo, isto é, com o heterossuporte, e nem conseguem construir um autossuporte eficaz que permita visualizar possibilidades criativas para concluírem suas situações inacabadas.

Não Conseguia me Livrar do que Sentia, Então me Cortei

Nesta unidade de sentido, os trechos dos atendimentos psicológicos que foram analisados indicam que a automutilação foi o recurso utilizado para se livrar de pensamentos recorrentes de fazer os cortes, no qual comparece a experiência de um alívio momentâneo: Andréa sente prazer ao realizar os cortes; Laura se vê com a necessidade de sempre se cortar; e Letícia e Joana buscavam se livrar de pensamentos negativos e daqueles que lhes mandavam praticar a automutilação.

Os pensamentos negativos infestavam sua existência, pois despertavam conteúdos sobre teor de desdenha em relação à sua condição de adoecimento, sobre seus medos, suas angústias e seus sentimentos, além disso, incentivos à tentativa de suicídio. Relata que por não saber lidar com eles, sentia-se impotente. Para amenizar estes sentimentos, buscava se aliviar com a prática da automutilação. Acrescenta que este foi o único modo de se desvencilhar deles. (Vinheta da anotação no diário de bordo sobre o atendimento de Joana).

A automutilação é um ciclo que não consegue ter um fim, pois é sua maneira de se livrar dos pensamentos que a fazem repensar sobre o sentido das relações e dos vínculos familiares e sociais, da solidão e do processo de finitude da vida e, principalmente, da falta de sentido de continuar vivendo com tristeza, angústia, vergonha e dor (Vinheta da anotação no diário de bordo sobre o atendimento de Letícia).

Na escuta fundamentada na clínica gestática realizada durante os atendimentos de Joana e Letícia, percebemos as suas dificuldades de elaborar, por meio da fala, o que estavam sentindo e que se atrelavam às suas vivências de automutilação. Percebemos claramente a retroflexão, manifestada pela retenção, no corpo, das energias que poderiam ser lançadas para fora. Perls et al. (1951/1997) afirmam que, na retroflexão, “as energias comprometidas voltam-se contra os únicos objetos seguros no campo: sua própria personalidade e seu próprio corpo” (pp. 255-256). Deste modo, diante da dificuldade de descrever o que sentiam, elas relataram que o que desejavam falar estava preso, causado-lhes uma espécie de aperto, mas que não dispunham de energia para dar vazão, o que se desdobrava no sentimento de insuficiência, pois não conseguiam falar os seus sentimentos, muito menos, controlá-los, diferentemente da automutilação, por elas controlada.

Por outro lado, a automutilação surgiu como um comportamento repetitivo, que incorre na retroflexão, em busca de responder às situações que mais lhes incomodam e que se sentiam incapazes de lidar, isto é, cortar o próprio corpo tinha a capacidade de aliviar estes incômodos que não eram elaborados pela fala.

Percebemos também o mecanismo neurótico de introjeção, pois Joana faz um processo de internalização dos pensamentos negativos sobre sua condição de adoecimento. Introjetou a ideia de que, por ser uma mulher doente, não conseguiria resolver seus conflitos. Já Letícia introjeta em seu organismo a ideia de que apenas a automutilação pode satisfazer suas necessidades, ao passo que cria um ritual para praticá-la, no qual sente prazer e, em seguida, culpa. Perls (1973/1988) define que, na introjeção, o organismo ingere elementos do meio que não lhe proporcionarão crescimento, pois ele não consegue discriminar que eles não são saudáveis para o seu desenvolvimento.

Nestas vinhetas, fica notório o mecanismo neurótico da dessensibilização, pois se faz presente nas dificuldades que Joana e Letícia manifestaram em perceber e acessar seus sentimentos. Diante disso, a percepção fica comprometida e o modo como conseguem se livrar das situações que lhes incomodavam é por meio da automutilação. De acordo com Ribeiro (2007), a dessensibilização ocorre com a ausência da definição dos sentimentos, ou seja, a pessoa não consegue perceber o que acontece no seu meio, ao passo que não sente seu corpo e age com embotamento afetivo.

Durante o ato de se cortar, relatou que fica concentrada na imagem do sangue escorrendo. A dor dos cortes não consegue tirar sua atenção, na maioria das vezes, nem sente dor. Classificou a automutilação como um vício, acrescentando que sente prazer ao realizá-la, especialmente quando vê o braço coberto de sangue (Vinheta da anotação no diário de bordo sobre o atendimento de Andréa).

Andréa descreve a vontade incontrolável de fazer cortes em seus braços e, ao falar sobre este desejo, diz que ocorre como um momento em que busca fugir da realidade, no qual o foco de sua atenção se volta para a morte de seu filho e a saudade por não o ter por perto. Além disso, busca prazer na imagem do sangue escorrendo pelo seu braço. Para ela, ver o braço coberto de sangue, após três cortes em cada local, remete à sensação de prazer, pois, nesta situação, Andréa afirma ter controle, diferentemente das situações de sua vida. Aqui, neste relato, vemos a retroflexão, pois a automutilação se manifesta como uma forma de autocontrole e evitação de contato com a dor intensa da ausência do filho.

Perls (1973/1988) destaca que nem todo contato é saudável e nem toda fuga é doentia, pois estas escolhas de distanciamento ou aproximação são meios de satisfazer as necessidades emergentes. Para Andréa, o contato com os cortes é um refúgio na tentativa de não lidar com a culpa da perda do filho, ou seja, busca elaborar seu luto fugindo da realidade concreta por não o ter próximo de si.

Joana, Letícia e Andréa apontaram que o ato de se automutilar era frequente, ou seja, este ajustamento criativo disfuncional foi o único modo pelo qual conseguiam visualizar saídas para dar conta das situações que lhes causavam sofrimento. Esta questão, especificamente, comparece com ênfase no atendimento de Laura.

A automutilação é recorrente, principalmente nos dias em que se sente triste ou com raiva, então, surge a vontade de se cortar. Nestes momentos, sua única vontade é se cortar, que aparece como uma necessidade cotidiana como qualquer outra, ou seja, fazer cortes em seu corpo faz parte dos seus comportamentos. Após realizar os cortes se sente aliviada do seu mal-estar. (Vinheta da anotação no diário de bordo sobre o atendimento de Laura).

No atendimento de Laura, manifestou-se uma questão importante: como a vontade de se cortar faz parte de sua vida de modo tão intenso e corriqueiro? Tal vontade, seguida do ato, proporciona-lhe desviar sua atenção dos seus sofrimentos e das vivências de tristeza e raiva, principalmente quando se ver em situações de cobranças sobre sua sexualidade. Quando a vontade de se cortar surge, segundo relatou, só descansa quando realiza o ato. Fugir, para ela, tem sido a melhor saída para não entrar em contato com seus sentimentos.

A fuga de contato é um processo complexo que sempre envolve todo o sistema de evitações. Em Laura, vemos a introjeção, a projeção e a retroflexão. Para a gestalt-terapia, a retroflexão é uma projeção para si, ou seja, é aquilo que a pessoa projeta e volta para si mesma. Portanto, não se pode pensar num bloqueio de contato isoladamente, pois a teoria da gestalt-terapia propõe um pensamento de totalidade (Perls et al., 1951/1997).

Conforme vimos, para Laura, a automutilação é o único meio de comunicar o seu mal-estar diante das suas questões existenciais; assim, não consegue agir de forma diferente diante destas situações. Perante a escassez de recursos, o comportamento de se automutilar se cristaliza, dada as constantes repetições.

A este respeito, Aguiar (2014) considera que, quando o organismo só visualiza uma saída para seu sofrimento, este funcionamento se inscreve na ordem do não saudável, isto é, apresenta-se como uma “inabilidade de se relacionar criativamente com o meio, relacionando-se, ao invés disso, através de padrões cristalizados e repetitivos” (p. 98). Porém, a automutilação praticada por Laura, como um ajustamento criativo disfuncional, foi a melhor resposta que conseguiu emitir naquele momento, pois, de alguma forma, atendia suas necessidades, mesmo que tentando destruir seu corpo.

Portanto, diante da incapacidade relatada de não conseguir se livrar do que sentiam, as participantes escolheram realizar os cortes em suas peles. Deste modo, em todos os atendimentos realizados, identificamos a dificuldade de buscar novas formas para lidar com as situações de adversidade, então, sempre recorriam à automutilação em busca de alívios momentâneos.

Considerações Finais

Após a análise dos trechos dos atendimentos das participantes, destacamos que a automutilação é um ajustamento criativo disfuncional retroflexivo, cuja intenção é um alívio momentâneo para dar conta das situações de dor e de sofrimento que vivenciaram, sendo uma forma de autocontrole e evitação de contato. Pensamos, ainda, que o comportamento de se automutilar é uma conduta que possibilita ao organismo responder às suas questões existenciais no momento em que não dispõe de outros recursos, ou seja, um autossuporte ou heterossuporte capaz de apontar outras escolhas que permitam dar conta de suas situações inabadas, isto é, das gestatalten abertas, que atrapalham o fluxo de suas existências.

Compreendemos que, na vivência da automutilação das pacientes internadas por tentativa de suicídio, elas desejavam uma punição ao flagelar seus corpos, em busca de irem aos poucos se matando. Diante da complexidade do comportamento suicida, concluímos que, em alguns casos, ele se apresenta em concomitância com a prática da automutilação, sendo a tentativa de suicídio o acontecimento que leva o sujeito à internação hospitalar. Tal fato requer que os profissionais da saúde, seja do campo da psicologia, seja das outras áreas de assistência em saúde, acolham as queixas destes pacientes, a fim de compreender os significados de suas tentativas de suicídio e das automutilações que praticam.

Convém destacar a importância da fala como recurso terapêutico que possibilita aos sujeitos que praticam comportamentos autodestrutivos a elaboração de seus dilemas existenciais, com a expressão de suas dores e angústias pelas palavras, e não pela autoagressão. Este recurso foi explorado durante os atendimentos psicológicos realizados na hospitalização das participantes, no qual propomos a reflexão sobre outros modos de lidar com as questões que lhes causavam dor e sofrimento.

A limitação deste estudo corresponde à impossibilidade de realizar entrevistas fenomenológicas em profundidade com as participantes, pois o local dos atendimentos não favorecia o uso deste recurso, tão caro ao método utilizado.

Finalmente, ressaltamos que as pesquisas que intentam compreender as vivências de pacientes que praticam a automutilação colaboram na compreensão do que os sujeitos desejam no momento em que fazem os cortes em seus corpos. Por meio destes estudos, podem surgir reflexões sobre novas propostas de elaboração dos dilemas existenciais, especialmente, para que os sujeitos que praticam comportamentos autoagressivos, entre eles, a automutilação, lancem mão de ajustamentos criativos que possibilitem o crescimento e a manutenção do organismo, e não aqueles que visem a sua destruição.

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Recebido em: 10/07/2021

Última revisão: 1º/04/2022

Aceite final: 30/04/2022

Sobre os autores:

Ana Lorena Coelho: Psicóloga com Residência na ênfase de urgência e emergência pela Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP). E-mail: analorenacoelho@hotmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6230-8452

Carlos Ming-Wau: Doutorando e mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Bolsista de doutorado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP). Psicólogo pela Faculdade Nordeste (FANOR/DEVRY). E-mail: carlosmingwau@yahoo.com.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2995-4698

Anna Karynne Melo: Doutora em Saúde Coletiva pela Associação Ampla de IES-UECE/UFC/UNIFOR. Psicóloga pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora e coordenadora do curso de Psicologia na Universidade de Fortaleza (UNIFOR). E-mail: karynnemelo@unifor.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4783-8356

Darla Moreira Carneiro Leite: Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Psicóloga pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Psicóloga do Instituto Dr. José Frota (IJF) e do Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes. Professora do curso de Psicologia no Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS). E-mail: darlamoreiracl@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8756-1294


1 Endereço de contato: Rua Soares Bulcão, 1526, São Gerardo, Fortaleza, Ceará, Brasil. CEP 60320-180. E-mail: analorenacoelho@hotmail.com

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v14i2.1749