Associação entre Problemas de Memória, Atividade Física e Saúde Mental em Servidores Públicos

Association between Memory Problems, Physical Activity, and Mental Health in Public Servants

Asociación entre Problemas de Memoria, Actividad Física y Salud Mental en Servidores Públicos

Leandro Quadro Corrêa1

Pâmela Moraes Volz

Rinelly Pazinato Dutra

Yasmin Marques Castro

Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

Natan Feter

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (URGS)

Resumo

O objetivo do estudo foi verificar a associação entre percepção subjetiva da memória, nível de atividade física (AF) como lazer e sintomas psicológicos de trabalhadores de uma universidade do sul do Rio Grande do Sul. Trata-se de estudo transversal, conduzido com 297 participantes da Universidade Federal do Rio Grande (UFRG). A percepção da memória foi avaliada por meio da questão “Como você classifica sua memória hoje?”, categorizada em excelente/muito boa, boa/razoável ou ruim. Foram considerados com pior percepção aqueles que a apontaram como ruim. Participantes que reportaram praticar 150 minutos ou mais de AF/semana foram classificados como ativos. Sintomas de depressão, ansiedade e estresse foram avaliados através da escala DASS-21, e os participantes, classificados como sem sintomas ou com sintomas. As razões de odds (RO) e intervalos de confiança (IC95%) foram estimadas por meio de regressão logística ordinal, bruta e ajustada. A prevalência de percepção ruim da memória foi de 6,4%. Ser insuficientemente ativo aumentou duas vezes a chance de percepção ruim. Sintomas de depressão, ansiedade e estresse aumentaram 5,9, 3,3 e 2,6 vezes a chance de percepção negativa. Concluiu-se que ter percepção ruim da memória esteve associado à falta de AF e presença de sintomas psicológicos nos trabalhadores avaliados.

Palavras-chave: Memória, Atividade Física, Sintomas Psicológicos, Trabalhador, Universidade

Abstract

The study aimed to verify the association between subjective memory perception, level of physical activity (PA) such as leisure, and psychological symptoms of workers at a university in the south of Rio Grande do Sul. This is a cross-sectional study conducted with 297 participants from the Federal University of Rio Grande (FURG). Memory perception was assessed through the question “How do you rate your memory today?”, categorized as excellent/very good, good/fair, or poor. Those who rated it as poor were considered to have the worst perception. Participants who reported practicing 150 minutes or more of PA/week were classified as active. Symptoms of depression, anxiety, and stress were assessed using the DASS-21 scale, and participants were classified as having no symptoms or having symptoms. Odds ratios (OR) and confidence intervals (95%CI) were estimated using ordinal, crude, and adjusted logistic regression. The prevalence of poor memory perception was 6.4%. Being insufficiently active doubled the chance of poor perception. Symptoms of depression, anxiety, and stress increased by 5.9; 3.3, and 2.6 times the chance of negative perception. It was concluded that having a poor perception of memory was associated with a lack of PA and the presence of psychological symptoms in the evaluated workers.

Keywords: Memory, Physical Activity, Psychological Symptoms, Worker, University

Resumen

El objetivo del estudio fue verificar la asociación entre la percepción subjetiva de la memoria, el nivel de actividad física (AF) como el ocio y los síntomas psicológicos de los trabajadores de una universidad en el sur de Rio Grande do Sul. Se trata de un estudio transversal, realizado con 297 participantes de la Universidad Federal de Rio Grande (FURG). La percepción de la memoria se evaluó a través de la pregunta “¿Cómo califica su memoria hoy?”, clasificada como excelente/muy bueno, bueno/regular o malo. Se consideró que los que la calificaron como pobre tenían la peor percepción. Los participantes que reportaron practicar 150 minutos o más de AF por semana fueron clasificados como activos. Los síntomas de depresión, ansiedad y estrés se evaluaron mediante la escala DASS-21, y los participantes se clasificaron como asintomáticos o con síntomas. Las razones de probabilidad (OR) y los intervalos de confianza (IC del 95%) se calcularon mediante regresión logística ordinal, cruda y ajustada. La prevalencia de mala percepción de la memoria fue del 6,4%. Ser insuficientemente activo duplicó la posibilidad de mala percepción. Los síntomas de depresión, ansiedad y estrés aumentaron en un 5,9, 3,3 y 2,6 veces la probabilidad de percepción negativa. Se concluyó que tener una mala percepción de la memoria se asoció con la falta de AF y la presencia de síntomas psicológicos en los trabajadores evaluados.

Palabras clave: Memoria, Actividad Física, Síntomas Psicológicos, Trabajador, Universidad

Introdução

A memória é um dos grandes grupos das habilidades das funções cognitivas, juntamente à linguagem, às funções executivas e à atenção (Vale et al., 2022). A memória é um elemento essencial para o processo de aprendizagem, uma vez que engloba a capacidade de guardar e evocar informações (Lindôso, 2018). Dessa forma, ela reflete diretamente no bem-estar psicológico e social e permite ao indivíduo o sentimento de pertencimento à sociedade (Lima & Cammarota, 2012).

A memória subjetiva está associada a um conjunto de crenças, percepções e sentimentos que os indivíduos têm sobre seu desempenho cognitivo (Silva, 2014). No ambiente laboral ou estudantil, especificamente, esse tipo de memória é um componente fundamental, pois está atrelado à percepção de retenção de informações, manutenção da linha de raciocínio, realização eficaz de variadas tarefas e tomada de decisões (Lindôso, 2018).

Quando há alguma percepção de declínio da memória subjetiva, diversas consequências negativas à saúde dos indivíduos podem se manifestar, como prejuízos no desempenho, na concentração e na produtividade (Schwabe et al., 2010; Prado, 2016). Isso ocorre porque a capacidade de fazer cálculos mentais, seguir instruções complexas e lembrar-se de nomes e rostos de colegas de trabalho (Mourão & Faria, 2015), por exemplo, pode ficar prejudicada.

Fica evidente, portanto, que a memória subjetiva influencia diretamente na vida profissional e pode gerar preocupações entre os trabalhadores. Isso ocorre porque ela está diretamente relacionada à aprendizagem e ao desempenho das atividades básicas e instrumentais da vida diária (Mourão & Faria, 2015; Lindôso, 2018) e, de igual forma, pode ser uma preditora para a ocorrência do declínio cognitivo e da demência (Jonker et al., 2000; Luck et al., 2015).

Dentre os fatores associados à autopercepção subjetiva da memória estão o sexo, a idade, a escolaridade, a sintomatologia ansiosa e depressiva, o estresse e os comportamentos relacionados à prática de atividade física (Zapater-Fajarí et al., 2022; Sabatini et al., 2022; Phillips et al., 2017).

No que se refere à saúde mental e à prática de atividade física, especificamente, estudos demonstram que indivíduos inativos fisicamente/insuficientemente ativos apresentam mais sintomas de ansiedade, depressão e/ou estresse (Biernat et al., 2022), e estes tendem a apresentar uma autopercepção de memória ruim (Sousa et al., 2021; Yoon et al., 2019; Zapater-Fajarí et al., 2022). Essas psicopatologias afetam a iniciativa e a tomada de decisão dos indivíduos, deixando-os menos interessados no ambiente e comprometendo seu interesse por atividades cognitivamente mais complexas (American Psychiatric Association, 2014). Em contrapartida, indivíduos ativos fisicamente tendem a apresentar uma avaliação positiva da memória subjetiva (Chen et al., 2018; Cassilhas et al., 2016, Phillips et al., 2017; Feter et al., 2021). Isso porque a atividade física interfere prevenindo ou mesmo atenuando o declínio funcional e cognitivo, aumentando o bem-estar e a qualidade de vida dos indivíduos, conforme aponta a revisão ampliada de estudos conduzida para o comitê consultivo das diretrizes de atividade física para a população americana (Erickson et al., 2019).

A despeito da existência de estudos prévios que investigaram as associações entre autopercepção de memória, sintomatologia psicológica e atividades físicas em outras populações, não foram encontradas investigações específicas que se dediquem a esses aspectos na população de trabalhadores, representando, portanto, uma importante lacuna científica. Diante disso, o presente estudo objetivou testar a associação entre a percepção subjetiva de memória ruim, nível de atividade física de lazer e sintomas de ansiedade, depressão e estresse, em trabalhadores de uma universidade pública federal do extremo sul do Rio Grande do Sul, no ano de 2022.

Métodos

Delineamento

Trata-se de um estudo quantitativo, analítico e observacional, de delineamento transversal, que fez parte do macroprojeto “Saúde e comportamento de trabalhadores da Universidade Federal do Rio Grande: um estudo prospectivo”. O estudo foi conduzido com trabalhadores da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), no período de 17 de outubro a 4 de dezembro do ano de 2022. Foram incluídos, no estudo, trabalhadores da universidade (docentes e técnicos da ativa, estagiários e terceirizados), de ambos os sexos, com idade ≥ 18 anos.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário on-line. Para isso, por questões logísticas, utilizou-se a plataforma Google Forms, uma vez que se tinha como objetivo captar o maior número de trabalhadores possível. A pesquisa foi divulgada pelos sistemas da universidade, incluindo-se o Sistema de Gestão de Pessoas (SIGEPE), por meio de contatos individuais por e-mail e WhatsApp, com intuito de sensibilizar os trabalhadores da universidade. Foram feitas três tentativas de contato com os potenciais participantes, e aqueles que não retornaram após essas tentativas foram considerados como perdas do estudo.

Desfecho

O desfecho, percepção subjetiva sobre a memória, foi avaliado por meio da questão “Como você classifica sua memória hoje?”, com as seguintes opções de resposta: “excelente”, “muito boa”, “boa”, “razoável” ou “ruim” (Lara et al., 2016; Feter et al., 2021). No presente estudo, a percepção da memória foi categorizada em “excelente/muito boa”, “boa/razoável” ou “ruim”, e foram considerados como tendo pior percepção da memória aqueles que apontaram sua memória como ruim, como definido em outros estudos epidemiológicos (Feter et al., 2021; Vancampfort et al., 2017).

Exposições

As exposições foram o nível de atividade física de lazer (AF) e os sintomas de depressão, ansiedade e estresse. O nível de AF foi avaliado a partir das questões utilizadas no Vigitel (Ministério da Saúde., 2019): “Quantos dias por semana o(a) Sr.(a) costuma praticar exercício físico ou esporte?” (1 dia; 2 dias; 3 dias; 4 dias; 5 dias; 6 dias; 7 dias); “Quanto tempo por dia?”; e “Qual(is) tipo(s) de atividade(s)?”. Isso gerou um escore de atividades físicas em min./sem. e, posteriormente, foram classificados como ativos aqueles que tiveram escore ≥ 150 min./sem. (Bull et al., 2020), e insuficientemente ativos aqueles escores inferiores a este.

Os sintomas de depressão, ansiedade e estresse foram avaliados pela Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse-21 (DASS-21), adaptada e validada para a língua portuguesa (Vignola & Trucci, 2014). A DASS-21 é um instrumento de autorrelato com 21 questões (sete para cada diagnóstico), e a pontuação é baseada por uma escala do tipo Likert de quatro pontos, variando de zero (“não se aplicou a mim”) a três (“aplicou-se muito”), referente ao sentimento da última semana. Para fins de análise no presente estudo, agrupou-se a gravidade de cada diagnóstico em duas categorias: sem sintomas e com sintomas. Foram considerados como não tendo sintomas de estresse aqueles com pontuação ≤ 10 pontos, e, como apresentando esta sintomatologia, aqueles com pontuação ≥ a 11 pontos. Para a ansiedade, foram considerados com não tendo sintomas aqueles com a pontuação ≤ 6, e, como tendo sintomas, aqueles com pontuação ≥ 7; para os sintomas depressivos, aqueles com pontuação ≤ 9 foram considerados como não tendo esta sintomatologia, e, como tendo sintomas de depressão, aqueles com pontuação ≥ 10 (Wang et al., 2020; Corrêa et al., 2020).

Variáveis intervenientes

As variáveis intervenientes foram: sexo biológico (feminino, masculino), idade em anos completos (19-29, 30-39, 40-49, 50 ou mais), cor da pele (branca, outras [negra, amarela, indígena]), situação conjugal (casado ou vivendo com o companheiro, sem companheiro), categoria profissional (técnico, estagiário, professor), renda em salários mínimos relativos ao ano-base 2022 (R$ 1.212,00) e categorizada em tercis, escolaridade (doutorado/mestrado, graduação completa/especialização, outra formação inferior à graduação completa), relato de covid-19 (sim, não), Índice de Massa Corporal (normal, sobrepeso, obesidade), consumo de álcool (sim, não) e hábito tabagista (nunca fumou, ex-fumante, fumante).

Análises estatísticas

Os dados do Google Forms foram convertidos em planilha do programa Microsoft Excel e posteriormente transferidos para o pacote estatístico Stata® 14.2, onde foram realizadas as análises do estudo. Inicialmente, foi avaliada a normalidade dos dados por meio do teste de Shapiro-Wilk. A estatística descritiva incluiu as frequências absoluta e relativa (%), médias e desvios-padrão (DP), valores máximos e mínimos e mediana. Na estatística analítica, empregou-se qui-quadrado, qui-quadrado para tendência linear, teste exato de Fisher e, posteriormente, regressão logística ordinal, que também foi utilizada nas análises ajustadas, com resultados expressos em razão de odds (RO) e intervalos de confiança de 95% (IC95%). Na análise ajustada, todas as variáveis foram inseridas ao mesmo tempo no modelo. ­Adotaram-se, como estatisticamente significantes, valores p < 0,05 para testes bicaudais.

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande (parecer número 5.538.519; CAAE: 60187922.7.0000.5324). Todos os sujeitos concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido apresentado antes do início do questionário.

Resultados

Participaram do estudo 297 trabalhadores com média de idade de 42,9 (DP: 10,8) anos, variando entre 19 e 68 anos; 65,7% dos respondentes foram do sexo feminino; 85,0%, de cor da pele branca; 46,3% eram técnicos; a mediana de salário mínimo foi de 5,3 referente ao ano de 2022; 66,6% eram casados ou viviam com companheiro; 17,7% perceberam sua saúde como regular ou ruim; 59,6% reportaram ter tido covid-19 e 58,8% apresentaram sobrepeso ou obesidade (Tabela 1).

A prevalência do relato de percepção subjetiva de memória ruim, conforme critério adotado no presente estudo, foi de 6,4% (IC95%: 5,8; 6,9) e, na Tabela 1, é possível observar que esta percepção foi reportada com mais frequência e de forma significativa por mulheres, trabalhadores mais jovens, estagiários e por aqueles de menor escolaridade, independentemente do nível de AF e das condições de saúde mental.

Tabela 1

Características Sociodemográficas, Laborais e de Saúde dos Trabalhadores Envolvidos no Estudo, de Acordo com Percepção Subjetiva de Declínio da Memória (n=297)

Variáveis

N

%

Autopercepção da memória

Valor p

Excelente/ muito boa (%) n=85

Boa/regular (%)

n=193

Ruim

(%)

n=19

Sexo

<0,001a

Feminino

195

65,7

20,0

72,8

7,2

Masculino

102

34,3

45,1

50,0

4,9

Idade (anos completos)

0,028b

19-29

32

10,8

12,5

75,0

12,5

30-39

78

26,5

23,1

69,2

7,7

40-49

107

36,4

28,9

64,5

6,5

50 ou mais

77

26,2

41,5

55,8

2,6

Cor da pele

0,217b

Branca

249

85,0

30,9

62,5

6,4

Outras

44

15,0

18,2

75,0

6,8

Variáveis

N

%

Autopercepção da memória

Valor p

Excelente/ muito boa (%) n=85

Boa/regular (%)

n=193

Ruim

(%)

n=19

Situação conjugal

0,204a

Casado ou vivendo com companheiro

197

66,6

30,9

64,0

5,1

Sem companheiro

99

33,4

23,2

67,7

9,1

Categoria profissional

0,001b

Estagiário

37

12,5

10,8

75,7

13,5

Técnico

137

46,3

26,3

70,8

2,9

Professor

122

41,2

36,9

54,9

8,2

Escolaridade

0,044b

Doutorado/mestrado

199

67,0

30,7

62,3

7,0

Especialização/graduação completa

64

21,6

31,3

67,2

1,6

Outra formação inferior à graduação

34

11,4

11,8

76,4

11,8

Renda (tercil de salário)

0,187a

1° (menor)

89

35,0

22,5

69,7

7,9

82

32,3

25,6

68,3

6,1

3° (maior)

83

32,7

38,6

55,4

6,0

Covid-19

0,509a

Sim

177

59,6

26,6

66,1

7,3

Não

120

40,4

31,7

63,3

5,0

IMC

0,258b

Normal

122

41,2

26,2

67,2

6,6

Sobrepeso

103

34,8

34,9

61,2

3,9

Obesidade

71

24,0

22,5

67,6

9,9

Consumo de álcool

0,767a

Sim

198

66,7

27,3

66,1

6,6

Não

99

33,3

31,3

62,6

6,1

Hábito tabagista

0,094a

Nunca fumou

222

74,7

27,9

67,6

4,5

Ex-fumante

56

18,9

33,9

53,6

12,5

Fumante atual

19

6,4

21,1

68,4

10,5

Nota. IC95%: intervalo de confiança de 95%; aTeste do qui-quadrado para heterogeneidade; bTeste exato de Fisher.

Do total de participantes, 42,4% foram insuficientemente ativos no lazer; 29,7% apresentaram sintomas de depressão, 25,4%, sintomas de ansiedade; e 41,8%, sintomas de estresse (Tabela 2). Destaca-se que, entre os insuficientemente ativos, as prevalências de depressão, ansiedade e estresse foram de 25,3%; 24,4%; e 40,9%, respectivamente.

Na Tabela 2, também se observa, a partir da análise bivariada, que a percepção de memória ruim esteve significativamente associada aos trabalhadores que não atingiam as recomendações atuais de AF e que apresentavam sintomas de depressão, ansiedade e estresse.

Tabela 2

Análise Bivariada entre Nível de Atividade Física e Sintomas Psicológicos de Acordo com Percepção Subjetiva de Declínio da Memória (n=297)

Variáveis

N

%

Autopercepção da memória

Valor p

Excelente/ muito boa (%) n=85

Boa/regular (%)

n=193

Ruim

(%)

n=19

Nível de AF lazer*

0,005a

Ativos

121

57,6

39,7

57,9

2,5

Insuficientemente ativos

89

42,4

22,5

67,4

10,1

Sintomas de depressão

<0,001b

Sem sintomas

204

70,3

36,3

61,8

2,0

Com sintomas

86

29,7

10,5

72,1

17,4

Sintomas de ansiedade

0,001a

Sem sintomas

214

74,6

36,5

58,4

5,1

Com sintomas

73

25,4

6,9

82,2

11,0

Sintomas de estresse

0,001a

Sem sintomas

167

58,2

37,1

59,3

3,6

Com sintomas

120

41,8

15,8

73,3

10,8

Nota. *Variável com menor número de observações (210); IC95%: intervalo de confiança de 95%; aTeste do qui-quadrado para comparação de proporções; bTeste exato de Fisher.

Na Tabela 3, observa-se a mesma associação encontrada na análise bivariada. Tanto na análise bruta quanto na ajustada, a percepção ruim da memória esteve significativamente associada com o nível de AF e com os sintomas psicológicos, nos quais aqueles trabalhadores insuficientemente ativos (RO: 2,5; IC95%: 1,4; 4,5; p=0,002), assim como aqueles com sintomas de depressão (RO: 2,5; IC95%: 1,4; 4,5; p<0,001), ansiedade (RO: 2,5; IC95%: 1,4; 4,5; p<0,001) e estresse (RO: 2,5; IC95%: 1,4; 4,5; p<0,001), apresentavam pior percepção subjetiva de memória. Observamos que, no modelo ajustado para diversas variáveis intervenientes, foi atenuada a associação entre nível de AF, sintomas de depressão, ansiedade e estresse com a percepção de memória, com a chance de percepção ruim sendo reduzida para duas vezes entre os insuficientemente ativos, 5,9; 3,3; e 2,6 vezes entre aqueles com sintomas de depressão, ansiedade e estresse, respectivamente; porém, manteve-se a significância estatística.

Tabela 3

Análise Bruta e Ajustada da Percepção Subjetiva de Declínio da Memória, com o Nível de Atividade Física de Lazer e Sintomas Psicológicos

Variáveis

Análise bruta

Análise ajustada

RO (IC95%)

Valor p

RO (IC95%)

Valor p

Nível de AF lazer*

0,002

0,023

Ativos

1

1

Insuficientemente ativos

2,5 (1,4; 4,5)

2,0 (1,1; 3,8)

Sintomas de depressão

<0,001

<0,001

Sem sintomas

1

1

Com sintomas

6,3 (3,2; 12,3)

5,9 (3,0; 11,8)

Sintomas de ansiedade

<0,001

0,001

Sem sintomas

1

1

Com sintomas

4,5 (2,4; 8,6)

3,3 (1,7; 6,4)

Sintomas de estresse

<0,001

0,001

Sem sintomas

1

1

Com sintomas

3,2 (1,9; 5,4)

2,6 (1,5; 4,4)

Nota. RO: Razão de Odds; IC95%: intervalo de confiança de 95%; AF: atividade física; ajustes para sexo, idade, cor da pele, escolaridade e categoria profissional.

Discussão

O objetivo do estudo foi testar a associação entre percepção subjetiva da memória e nível de atividade física de lazer e sintomas de ansiedade, depressão e estresse em trabalhadores de uma universidade pública federal do extremo sul do Rio Grande do Sul, no ano de 2022. Os resultados obtidos demonstram que a prevalência de percepção ruim da memória foi de 6,4%, sendo que os trabalhadores insuficientemente ativos no lazer e aqueles que apresentavam sintomas de depressão, ansiedade e estresse foram os que apresentaram mais chance de relato desta percepção negativa.

Com relação à associação entre a percepção ruim de memória e a prática de atividade física, observou-se que a chance de perceber a memória ruim foi maior entre os trabalhadores inativos fisicamente, resultado que se encontra convergente à literatura (Chen et al., 2018; Feter et al., 2021; Lara et al., 2016; Vancampfort et al., 2017). Esse achado reforça a importância desse comportamento para a qualidade de memória, e estudos recentes têm destacado este fato. Neste sentido, Feter et al. (2023) apontam, por exemplo, que a realocação de cinco minutos de comportamento sedentário para a prática de atividade física, de moderada a vigorosa intensidade, diminui em 13% a chance de comprometimento cognitivo em trabalhadores de universidades e instituições de pesquisa brasileiras (Feter et al., 2023). Em estudo de base populacional conduzido com essa mesma população, os autores evidenciaram que a fração de risco atribuível da inatividade física para a demência, causada pelo agravamento dos problemas de memória, é de 11,2% (Borelli et al., 2022). Além disso, diversos estudos demonstraram que as atividades físicas, ao melhorarem as funções cardiovasculares e o metabolismo, propiciam importantes benefícios para a neuroplasticidade e otimizam as funções de memória dos indivíduos (Erickson et al., 2009; Cassilhas et al., 2016; Erickson et al., 2019).

Quanto à associação entre percepção de memória ruim com sintomas psicológicos, foi possível verificar associações estatisticamente significativas entre aqueles trabalhadores que também apresentavam sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Embora a literatura aponte forte associação entre declínio cognitivo, depressão e ansiedade, a relação causal entre autopercepção de memória subjetiva e problemas de saúde mental ainda não está bem estabelecida. De forma geral, os estudos destacam que a depressão e a ansiedade são fatores preditores para a percepção de perda de memória subjetiva, ou seja, quanto maiores forem os níveis de depressão e ansiedade, mais a perda da memória subjetiva é percebida como intensa entre os indivíduos (Sabatini et al., 2022; Feter et al., 2021).

O estresse associado ao ambiente ocupacional também é comumente retratado, pois é capaz de afetar o indivíduo em diversos aspectos, principalmente relacionados à exaustão física e psicológica (Camelo & Angerami, 2004). A reação ao estresse exerce diferentes efeitos no recrutamento de sistemas de memória, na formação, no armazenamento e na recuperação das informações. Esses efeitos variam de acordo com a duração e o momento do estresse, bem como com a fase operacional da memória (Schwabe et al., 2010). Nesse sentido, a exposição ao estresse prolongado pode afetar não só o rendimento profissional, por estar associado a dificuldades de atenção e concentração (Sabatini et al., 2022), como também pode levar o sujeito ao desenvolvimento de psicopatologias graves (Duman et al., 2016). Aliado a isso, o estresse agudo afeta mais os aspectos de memória em adultos jovens do que em idosos. Porém, o estresse crônico parece impactar mais a memória na idade mais avançada (Hidalgo et al., 2019).

Este estudo reforça a importância do acompanhamento de saúde entre trabalhadores de universidades públicas, ainda mais se levado em consideração o momento turbulento vivido após uma pandemia quase sem precedentes e todos os ataques às instituições públicas de ensino brasileiras ocorridos até o final de 2022. Espera-se que esses achados forneçam subsídios para o desenvolvimento de intervenções pautadas na identificação precoce e prevenção de declínios subjetivos de memória por intermédio da promoção da prática de atividade física e redução de danos psicológicos. Segundo Genuíno et al. (2010), trabalhadores que ocupam cargos com alto nível de responsabilidade, com necessidade de habilidades decisórias ágeis e outras aptidões que requerem resultados satisfatórios durante o horário de trabalho, tendem a renunciar aos momentos de lazer e descanso para atingir suas metas, o que pode resultar em desgastes fisiológicos e cognitivos significativos (Prado, 2016).

Entende-se que, nesse processo, a prática de atividade física pode atenuar os declínios de memória, ao atuar na redução de estresse e sintomas ansiosos e depressivos dos trabalhadores. Outro aspecto que reforça a importância do presente estudo é o de que a autopercepção de memória ruim pode ser preditiva de demência, mesmo quando não há indicação de comprometimento cognitivo (Jonker et al., 2000; Luck et al., 2015).

Dentre as limitações do estudo, destaca-se que: 1) por se tratar de um estudo de delineamento transversal, a causalidade não pode ser inferida; 2) indivíduos com diagnóstico de demência podem ter sido incluídos no estudo; 3) por estarem distantes do pesquisador, os participantes não puderam esclarecer eventuais dúvidas acerca do questionário on-line; e 4) o pesquisador não tem conhecimento das circunstâncias em que o questionário foi respondido. No que se refere ao viés de causalidade reversa, é necessário destacar que, embora os distúrbios de memória possam ser ocasionados por episódios de depressão, ansiedade e estresse, os referidos problemas de saúde mental também podem ocorrer pela autopercepção de memória ruim.

Conclusão

A percepção subjetiva de memória ruim esteve significativamente associada com a prática insuficiente de atividade física no lazer, com a presença de sintomas de depressão, ansiedade e estresse entre os trabalhadores avaliados. Realizar no mínimo 150 min./sem. de atividade física, controlar níveis de ansiedade e estresse e prestar atenção aos sinais de depressão são condições fundamentais para a saúde mental; aliado a isto, destaca-se o fato de que esses aspectos são importantes para a promoção de benefícios cognitivos diretamente ligados ao desempenho das atividades laborais e saúde geral dos trabalhadores. Salienta-se também a importância de ampliação dos cuidados à saúde física e mental dos trabalhadores, por meio dos departamentos de atenção à saúde do trabalhador, seja na esfera pública, seja na esfera privada, haja vista o impacto que esses problemas causam na sociedade como um todo.

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Recebido em: 29/05/2023
Última revisão: 24/08/2023
Aceite final: 11/09/2023

Sobre os autores:

Leandro Quadro Corrêa: Doutor em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Docente no curso de Educação Física e no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande, RS. E-mail: leandroqc@furg.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1231-3800

Pâmela Moraes Volz: Bolsista Pós-Doutorado Júnior (CNPQ), desenvolvendo atividades junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E-mail: pammi.volz@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8548-7190

Rinelly Pazinato Dutra: Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Mestre em Saúde Pública pela FURG. E-mail: rinelly_dutra@hotmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9902-2052

Yasmin Marques Castro: Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Mestre em Saúde Pública pela FURG. E-mail: yasmin.mcastro@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2981-5003

Natan Feter: Bolsista de Pós-Doutorado (CNPq), desenvolvendo atividades junto ao Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS. Doutor em Educação Física pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Docente no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Instituto de Cardiologia – Fundação Universitária de Cardiologia (IC-FUC). E-mail: natanfeter@hotmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6295-9792


1 Endereço de contato: Avenida Itália, km8. CEP: 96203-900. Telefone: (53)3237-3601

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v15i1.2405