Profissionais de Saúde, Condições de Trabalho e Pandemia da Covid-19: Um Estudo no Contexto do SUS-Bahia

Health Professional, Working Conditions and the COVID-19 Pandemic: A Study in the Context of SUS-Bahia

Profesionales de la Salud, Condiciones de Trabajo y Pandemia de la COVID-19: Un Estudio en el Contexto del SUS-Bahia

Sonia Maria Guedes Gondim

Ana Célia Araújo Simões1

Rayana Santedicola Andrade

Paloma Almeida Rios da Silva

Felipe Santos Meireles

Jeane Trindade de Brito

Esly Rebeca Amaral Oliveira

Maria Clara de Matos Cunha

Maria Victoria Rocha de Alencar

Ana Karoline de Souza Silva

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Thaís Augusta de Oliveira Máximo

Tatiana de Lucena Torre

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Resumo

Condições de trabalho, incluindo a insatisfação no trabalho, podem aumentar os riscos à saúde de trabalhadores, especialmente em situações de emergência sanitária. Este estudo objetivou ampliar a compreensão de aspectos sintomatológicos, afetivos e sociais relacionados à saúde física e mental de profissionais de saúde que atenderam pessoas com covid-19 no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) baiano. Participaram 278 trabalhadores sediados em Salvador e Vitória da Conquista. O survey contemplou dados sociodemográficos e questões relacionadas à percepção de risco à saúde, aos sintomas físicos e psíquicos e à satisfação no trabalho com outras variáveis laborais. Utilizou-se estatística descritiva e inferencial (teste Qui-Quadrado e Regressão Logística Binária; p≤0,05) para análise dos dados. Os resultados apontam que orientações e melhores condições de trabalho contribuem para minimizar a percepção de risco à saúde enquanto situações de violência no trabalho aumentam tal percepção. Os sintomas físicos e psíquicos se associaram, respectivamente, ao uso de anti-inflamatórios e psicotrópicos. Afetos positivos, poucas alterações na rotina das relações sociais, orientações e melhores condições de trabalho foram preditores da satisfação no trabalho. Conclui-se que a afetividade positiva e o maior suporte laboral e familiar podem contribuir para a preservação da saúde mental do trabalhador.

Palavras-chave: Profissionais de Saúde, Covid-19, Condições de Trabalho, Saúde Física e Mental, Sistema Único de Saúde

Abstract

Working conditions, including job dissatisfaction, can increase workers' health risks, especially in health emergencies. This study aimed to broaden the understanding of symptomatological, affective, and social aspects related to the physical and mental health of health professionals who assist people with COVID-19 in the context of the Brazilian National Health System (SUS) in Bahia. Two hundred seventy-eight workers based in Salvador and Vitória da Conquista participated. The survey included sociodemographic data and questions related to health risk perception, physical and psychological symptoms, and job satisfaction with other work variables. Descriptive and inferential statistics (Chi-Square test and Binary Logistic Regression; p≤0.05) were used for data analysis. The results indicate that guidelines and better working conditions contribute to minimizing health risk perception, while situations of violence at work increase it. Physical and psychic symptoms were associated, respectively, with the use of anti-inflammatory and psychotropic drugs. Positive affectivity, few changes in the routine of social relationships, guidance, and better working conditions were predictors of job satisfaction. We concluded that positive affectivity and greater work and family support can contribute to the maintenance of the worker's mental health.

Keywords: Health Professionals, COVID-19, Work Conditions, Physical and Mental Health, Brazilian National Health Service

Resumen

Las condiciones de trabajo, incluida la insatisfacción laboral, pueden aumentar los riesgos laborales, especialmente durante emergencias sanitarias. Este estudio tuvo como objetivo ampliar la comprensión de los aspectos sintomatológicos, afectivos y sociales relacionados con la salud física y mental de los profesionales sanitarios que asisten a personas con COVID-19 en el contexto del Sistema Único de Salud (SUS) en Bahia. Participaron 278 trabajadores radicados en Salvador y Vitória da Conquista. La encuesta incluyó datos sociodemográficos y preguntas relacionadas con la percepción de riesgo en salud, síntomas físicos y psicológicos y satisfacción laboral con otras variables laborales. Para el análisis de los datos se utilizó estadística descriptiva e inferencial (prueba Chi-Cuadrado y Regresión Logística Binaria; p≤0,05). Los resultados indican que dirección y mejores condiciones de trabajo contribuyen a minimizar la percepción de riesgo en salud, mientras que las situaciones de violencia en el trabajo la aumentan. Los síntomas físicos y psíquicos se asociaron, respectivamente, al uso de antiinflamatorios y psicotrópicos. La satisfacción laboral fue predicha por afectividad positiva, pocos cambios en las rutinas sociales, dirección y mejores condiciones de trabajo. Concluimos que la afectividad positiva y un mayor apoyo laboral y familiar pueden contribuir al mantenimiento de la salud mental del trabajador.

Palabras clave: Profesionales Sanitarios, Covid-19, Condiciones de Trabajo, Salud Física y Mental, Sistema Único de Salud

Introdução

Os trabalhadores da área de saúde foram, durante a pandemia do SARS-CoV-2, protagonistas de um dos cenários mais difíceis na história da saúde no Brasil e no mundo. Esses profissionais estiveram face a face com uma doença até então desconhecida, contagiosa e letal, para a qual nem os hospitais, nem eles próprios estavam preparados (e.g. Teixeira et al., 2020). Segundo pesquisa nacional realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em 2021, da qual participaram 25 mil profissionais de saúde de várias categorias, a pandemia alterou de modo expressivo a vida desses trabalhadores, especialmente se relacionando ao excesso de trabalho, que os levava ao esgotamento físico e mental (Fiocruz, 2021).

A covid-19, além de se constituir como uma nova doença para a humanidade, passou a ser também um agravo ocupacional, pois a necessidade de os trabalhadores da saúde seguirem exercendo suas atividades aumentou o risco de contraírem o vírus. Considerando a importância estratégica desses profissionais no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) para lidar com emergências sanitárias, especialmente em regiões mais pobres do país, este estudo buscou analisar as condições de trabalho de profissionais de saúde que atuaram em duas cidades da Bahia, durante a pandemia do SARS-CoV-2, e suas possíveis relações com os sintomas físicos e psíquicos experienciados, a percepção de risco no trabalho, os afetos negativos e positivos vivenciados e a satisfação no trabalho.

O estudo justifica-se pela gravidade da doença, uma vez que a covid-19 se caracteriza, principalmente, por provocar uma síndrome respiratória aguda, podendo levar à morte. O Brasil chegou a ocupar o terceiro lugar em número de casos da doença no cenário mundial, atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia, com registro de 6.071.401 casos e 169.183 (2,8%) óbitos (Cavalcante et al., 2020). Na Bahia, foram registrados 1.743.793 casos, sendo que 30.972 tiveram óbito confirmado (1,77%) até dezembro de 2022 (Secretaria de Saúde da Bahia, 2022). Características do SARS-CoV-2, como sua alta transmissibilidade e o fato de ser um agente biológico até então desconhecido, impuseram a toda a população e especialmente aos trabalhadores da saúde uma série de medidas altamente restritivas para controlar a sua disseminação. Tais medidas recaíram, sobretudo, sobre os profissionais de saúde que adicionaram ao seu cotidiano laboral uma série de procedimentos relacionados ao uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), dentre os quais se destacam o uso obrigatório da máscara, a lavagem constante das mãos e o uso do álcool em gel 70% (Silva et al., 2021). Além disso, os profissionais da linha de frente foram impelidos ao isolamento social de familiares e amigos, restringindo o suporte social que atua como um importante redutor do nível de estresse vivenciado pelos trabalhadores (Teixeira et al., 2020).

Há evidências de que a alta percepção de risco de adoecimento por covid-19 mostra-se associada a sintomas de depressão, ansiedade e estresse (Silva-Costa et al., 2022), de maneira especial para os que mantêm contatos com pacientes contaminados (Lee et al., 2021; Prado et al., 2020). O estudo de Silva et al. (2021) concluiu que os profissionais que manifestavam forte receio de serem contaminados tiveram maiores impactos negativos na saúde mental, manifestando mais ansiedade, depressão e ideias suicidas, fazendo uso mais expressivo de psicotrópicos.

Apesar de a exposição dos profissionais de saúde a riscos biológicos em seu ambiente de trabalho ser visível, o reconhecimento da COVID-19 como agravo ocupacional encontrou obstáculos, como a Medida Provisória n. 927/2020, que dificultou o enquadramento dos casos de contaminação entre os trabalhadores, expostos principalmente em seus locais de atuação diária (Teixeira et al., 2020). Tais dificuldades foram atenuadas pela atuação direta de entidades representativas de classe (sindicatos regionais e conselhos federais). O Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), por exemplo, alertaram sobre a obrigatoriedade do fornecimento de EPIs aos profissionais que estavam na linha de frente de combate à pandemia de covid-19, exigindo condições adequadas de trabalho (Silva et al., 2021).

Ao analisarem dados de mais de 30 países, Rocha et al. (2021) apontaram 10.760 profissionais de saúde contaminados pela covid-19. Os estudos revisados indicaram que tais profissionais se situam predominantemente na faixa etária acima de 40 anos (43,3%), sendo a maioria do sexo feminino (70%) e atuando em contexto hospitalar (90%). A contaminação ocorreu prevalentemente (66,6%) durante o contato com pacientes, especialmente da equipe de enfermagem (27,3%) e de médicos (13,2%), que mantêm contato ininterrupto e direto com os pacientes contaminados.

No Brasil, mesmo com a subnotificação ocorrida à época, o COFEN relatou 30 óbitos de profissionais de enfermagem pela covid-19 até o dia 11 de abril de 2020 (Conselho Federal de Enfermagem, 2020). Na publicação do Medscape que homenageia os profissionais de saúde falecidos em decorrência da pandemia, havia o registro de 605 óbitos até o dia 22 de abril de 2020 (Sant’Ana et al., 2020). A Bahia registrou, entre março e setembro de 2020, 2.920 casos de covid-19 relacionados ao trabalho, sendo maior a notificação entre trabalhadores da saúde (27,1%), do sexo feminino (64,5%), da faixa etária entre 30 e 39 anos de idade (39,9%), pardos e pretos (58,8%) e com nível superior (23,7%). A maioria não teve registro da emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (60,4%), o que é preocupante (Almeida et al., 2021).

Os problemas relativos às condições de trabalho de profissionais de saúde não são recentes. Um deles é a alta rotatividade, relacionada à insatisfação no trabalho (Borges et al., 2019; Campos & Malik, 2008). A pandemia agravou ainda mais essa situação. Dados pós-pandemia apontam um salto de 5%, em 2019, para 17,5%. A taxa de turnover dos médicos foi a maior (33%), sendo seguida dos enfermeiros (26,7%) (Lourenço et al., 2021). Tais medidas ainda impactaram de diferentes maneiras os profissionais de gestão de pessoas que precisaram lidar com estas demandas nos hospitais, o que afetou seu bem-estar, qualidade de vida no trabalho e vida social (Felipe et al., 2021).

A satisfação no trabalho sugere ser uma variável importante no enfrentamento das adversidades do ambiente de trabalho em épocas de crise. Estudos apontam que a insatisfação no trabalho pode fragilizar a saúde mental do trabalhador, contribuindo para a emergência da síndrome de burnout (SB) (Carlotto et al., 2021; Rocha et al., 2021). A SB sugere ser prevalente em profissionais na faixa etária abaixo dos 40 anos e que vivenciam sobrecarga por aumento da demanda e medo de infecção, manifestando-se mais fortemente em profissionais da enfermagem, de linha de frente e do gênero feminino (Soares et al., 2022).

Em face dos desafios impostos pela disseminação da covid-19, estudiosos se debruçaram sobre a compreensão das estratégias de enfrentamento mais efetivas, investindo em pesquisas de intervenção com foco em medidas educativas (Neves et al., 2021). O estudo realizado por Dullius et al. (2021) concluiu que o apoio social, o uso de EPIs, a flexibilização da jornada de trabalho, a redução da carga horária diária e a educação continuada mostraram-se recursos positivos para minimizar os efeitos negativos das crescentes demandas de trabalho relacionadas à covid-19 (Campos et al., 2021; Souza et al., 2022).

Em síntese, a alta exposição dos profissionais de saúde ao risco de contaminação pelo SARS-CoV-2, associada aos prejuízos nas condições de trabalho e às restrições de convívio com familiares e amigos durante as fases agudas da pandemia, torna relevante ampliar estudos sobre a saúde dos profissionais e trabalhadores. Para este estudo, foram formuladas as seguintes hipóteses:

H1: Profissionais que atuam na linha de frente apresentariam maior percepção de risco à saúde no trabalho em comparação com os que atuam mais distantes;

H2: Melhores condições de trabalho e orientações sobre a organização do trabalho e autonomia atenuariam a percepção de risco à saúde;

H3: A qualidade afetiva (agradável/desagradável; gratificante/desgastante) do contato dos profissionais de saúde com o público está associada, respectivamente, ao aumento e à diminuição da percepção de risco à saúde;

H4: A percepção de risco à saúde no trabalho apresenta correlações positivas com situações de violência no trabalho (agressão física, agressão verbal, preconceito) (H4a), sintomas apresentados durante a pandemia (físicos e psíquicos) (H4b) e insatisfação no trabalho (H4c);

H5: Sintomas físicos e psíquicos apresentam correlações com os tipos de medicações utilizadas pelos profissionais de saúde (analgésicos, anti-inflamatórios, vitaminas e psicotrópicos) (H5a), os estados afetivos positivos e negativos (H5b), alterações nas rotinas com familiares e amigos (H5c), ações de saúde mental da unidade de trabalho (H5d);

H6: A satisfação no trabalho no período de pandemia mostra-se associada positivamente ao grau de orientação e a melhores condições de trabalho (H6a), estados afetivos positivos (H6b) e poucas alterações nas relações com familiares e amigos (H6c).

Este estudo, portanto, pretende contribuir para compreender aspectos sintomatológicos, afetivos e sociais relacionados à saúde física e mental de trabalhadores que atuaram no SUS em duas cidades do Estado da Bahia. Espera-se trazer evidências empíricas que venham subsidiar propostas de capacitação profissional e ações de gestão de pessoas que melhorem a qualidade de vida no trabalho desses profissionais, indispensáveis na implementação de políticas públicas de saúde no país.

Método

Este estudo é um recorte do projeto de pesquisa multicêntrico “A Saúde dos Trabalhadores da Saúde no Contexto da Pandemia da Covid-19: Prevenção e Cuidado”, que buscou analisar a saúde e segurança no trabalho para esses trabalhadores que atuam no enfrentamento à pandemia no nordeste brasileiro.

Participantes

O estudo contou com 278 trabalhadores da saúde que prestaram serviços de referência para atendimento a pessoas com covid-19 no contexto do SUS em duas cidades baianas, Salvador e Vitória da Conquista, durante o período de outubro de 2021 a abril de 2022. A maioria dos participantes era de mulheres (78%) e possuía nível educacional superior/pós-graduação (74%). A faixa etária variou entre 30 e 49 anos (61%). A maioria (64%) era de servidores públicos ou celetistas. No que tange à raça, 48% se declararam pardos; 26%, pretos; e 26%, brancos. Os participantes possuíam, em sua maioria, um (56%) ou dois (34%) vínculos empregatícios com hospitais públicos (59%) e privados (13%), unidades de atenção primária à saúde (13%). Em relação ao tempo de trabalho, 44% possuíam entre 1 e 6 anos, enquanto 38% informaram ter mais de 10 anos. A jornada de trabalho variou entre 20 e 40 horas semanais (45%) e entre 40 e 60 horas semanais (39%). A remuneração líquida total prevalente (73%) foi de até 5 salários mínimos mensais. Os cargos pesquisados foram: enfermeiro (17%); técnico de enfermagem (13%), fisioterapeuta (10%); médico (10%), nutricionista (8%), agente de saúde comunitário (5%), auxiliar de saúde (5%), serviços gerais (5%), farmacêutico (5%), psicólogo (5%), outros (17%).

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), domicílio das coordenadoras do projeto geral, cumprindo todos os passos determinados pela Resolução n. 510/2016 e da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que versam sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Foi aprovado com base no parecer de número 4.827.082.

Instrumentos

A coleta de dados foi feita mediante uso de um questionário desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) para o referido projeto multicêntrico. O instrumento foi composto por questões sociodemográficas (sexo, idade, nível de ­escolaridade) e laborais, abrangendo os seguintes tópicos: regime e relações de trabalho (vínculos, remuneração e jornada de trabalho), características e condições de trabalho, formação, recursos e organização para a realização do trabalho (treinamentos, uso de equipamentos de proteção individual [EPIs]), relações com o público, reconhecimento e satisfação no trabalho e, finalmente, saúde e trabalho (sintomas, medicações utilizadas, percepção de risco). Para fins deste estudo, serão consideradas, principalmente, as variáveis percepção de segurança e de fatores de proteção no trabalho, satisfação no trabalho e sintomas experienciados durante a pandemia da covid-19, buscando relações com as demais variáveis.

Procedimentos de Coleta e Análise de Dados

O survey foi aplicado por meio do software de pesquisa online QuestionPro, que possibilita aplicações presenciais, a partir de tablets ou smartphones, como também por meio de um link remoto disponibilizado aos participantes no período de vigência da pesquisa. As análises preliminares buscaram identificar dados omissos, outliers uni e multivariados e testar os pressupostos de normalidade na distribuição de resíduos (Field, 2017). Análises descritivas e de tendência central caracterizaram a amostra por meio de valores absolutos e proporções para variáveis qualitativas e por meio de médias, desvios-padrão e frequências para variáveis quantitativas.

Realizou-se uma análise de juízes (seis membros do grupo de pesquisa de uma instituição federal de ensino superior parceira do projeto) que avaliou a representatividade dos itens da questão relativa a sintomas experimentados durante a pandemia pelos trabalhadores da saúde, de forma a agrupá-los em sintomas físicos ou psíquicos. Estabeleceu-se um índice de concordância (IC) de 80% ou mais para a retenção do item no fator (Pasquali, 1998).

Para identificar a estrutura fatorial dos conjuntos de itens da variável percepção de risco à saúde, empregou-se o programa Factor (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2017) para executar a Análise Fatorial Exploratória (AFE), por meio do método Análise Paralela (AP), mediante Robust Diagonally Weighted Least Squares (RDWLS), com rotação Robust Oblimin (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2019). Para verificar o melhor modelo fatorial para a medida, foram utilizados inicialmente os seguintes índices: Índice de Ajuste de Tucker-Lewis (TLI); o Índice de Ajuste Comparativo (CFI) (valores > 0,90); o Erro Médio Quadrado de Aproximação (RMSEA) (<0,08) e a Raiz Quadrada Média dos Resíduos (RMSR) (critério de Kelley < 0,0605). Além disso, foram calculados índices que permitem avaliar a unidimensionalidade da escala: Congruência Unidimensional (UniCo); Variância Comum Explicada (ECV) (valores > 0,95 e 0,80, respectivamente, sugerem unidimensionalidade) e a Média da Carga Residual Absoluta (MIREAL) (valores < 0,30 sugerem a unidimensionalidade). Obteve-se a confiabilidade da medida a partir da Confiabilidade Composta (CC) (Collwell, 2016) e do coeficiente alfa de Cronbach (α) (valores ≥ 0,70 são satisfatórios). A replicabilidade estimada da medida em estudos futuros foi avaliada pelo H-observed (valor > 0,080 sugere uma variável latente bem definida).

Análise Fatorial Exploratória e Análise de Juízes: Percepção de Risco à Saúde (Segurança/ Fatores de Proteção no Trabalho) e Sintomas Físicos e Psíquicos

Realizou-se uma AFE dos itens do survey referentes à percepção dos participantes sobre o quão seguro ou inseguro o trabalho seria, e também a existência de fatores que os ­permitissem lidar de uma forma mais adaptativa às situações estressoras. Os nove itens analisados foram: meu trabalho me identifica/diz quem eu sou (V1); meu trabalho possui reconhecimento social (V2); meu trabalho me paralisa e me deixa impotente (V3); meu trabalho é solitário e isolado (V4); meu trabalho é arriscado e perigoso (V5); sinto que meu trabalho me faz sofrer preconceito e discriminação (V6); meu trabalho possui reconhecimento da minha família (V7); meu trabalho é inseguro por falta de formação específica (V8); meu trabalho é inseguro por falta de experiência na área (V9). Considerando-se os nove itens analisados, compararam-se três soluções (Tabela 1): a) bifatorial: fator de risco (seis itens) e fator de proteção (três itens); b) unifatorial: fator de risco com seis itens e c) unifatorial: fator de risco com cinco itens.

Tabela 1

Soluções Fatoriais (AFE) com o Método de Análise Paralela quanto à Percepção de Segurança e de Fatores de Proteção no Trabalho

Indicadores

Bifatorial com 9 itens

Unifatorial com seis itens

Unifatorial com cinco itens

Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)

0,74708

0,82194

0,80955

Variância explicada (Eigen value)

52,25

52,59

59,75

Indicadores de Unidimensionalidade

UniCo = 0,703

ECV = 0,712

MIREAL = 0,250

UniCo = 0,975

ECV = 0,875 MIREAL = 0,239

UniCo = 0,991

ECV = 0,888 MIREAL = 0,246

Indicadores de ajuste

TLI = 0,917

CFI = 0,923

RMSEA = 0,082

TLI = 0,969

CFI = 0,981

RMSEA = 0,077

TLI = 0,971

CFI = 0,986

RMSEA = 0,087

Cargas fatoriais

F1: Risco

V3 0,579

V4 0,361

V5 0,668

V6 0,666

V8 0,820

V9 0,727

F2: Proteção

V1 0,676

V2 0,430

V7 0,553

F1: Risco

V3 0,579

V4 0,361

V5 0,668

V6 0,666

V8 0,820

V9 0,727

F1:Risco

V3 0,627

V5 0,684

V6 0,672

V8 0,825

V9 0,741

Medidas de replicabilidade e qualidade dos escores fatoriais (H-Observed)

F1 = 0,862 (0,812 1,763)

F2 = 0.544 (0,435 0,707)

F1 = 0,890

F1 = 0,882

Confiabilidade

α = 0,727381

CCr = 0,809 (fator risco)

CCp = 0,573 (fator proteção)

α = 0,812872

CC = 0,824

Α = 0,830861

CC = 0,837

Análise de resíduos

RMSR = 0,0665

(RMSR) = 0,0616

RMSR = 00608

Nota. TLI = Índice de ajuste de Tucker-Lewis; CFI = Índice de Ajuste Comparativo; RMSEA = Erro médio quadrado de aproximação; UniCo = congruência unidimensional; ECV = variância comum explicada; Mireal = média da carga residual absoluta; H-observed: replicabilidade estimada da medida ; α = alpha de Cronbach; CC = ­confiabilidade composta; RMSR = Raiz quadrada média dos resíduos.

Como pode ser evidenciado na Tabela 1, os indicadores obtidos sugerem que a melhor estrutura fatorial para o conjunto de itens analisado é a solução unifatorial com cinco itens.

A seguir, realizou-se uma análise de juízes para verificação dos itens que comporiam os sintomas físicos e psíquicos experimentados pelos trabalhadores durante a pandemia, considerando-se um índice de concordância superior a 80%. Em relação à classificação esperada, apenas o item “desânimo e fadiga geral” foi realocado como sintoma psíquico, possivelmente por desânimo se relacionar a um estado emocional. Deste modo, obteve-se a seguinte classificação: (1) Sintomas físicos: gripes e resfriados ou viroses constantes; lesões físicas (fraturas, lesões por esforço repetitivo, Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho etc.); problemas digestivos (vômitos, dores de barriga, diarreia etc.) e cardiocirculatório (hipertensão, infarto no miocárdio, angina etc.); (2) Sintomas psíquicos: adoecimento mental ou estresse; problemas relacionados à dependência química (alcoolismo, tabagismo, uso de drogas), problemas de sono (sonolência, insônia), problemas relacionados à vida sexual e ao desânimo, além de fadiga em geral.

Para analisar relações entre variáveis categóricas, foram utilizados os testes do qui-quadrado de independência ou exato de Fisher com o auxílio do programa SPSS v. 24. A força das associações foi avaliada pelo V de Cramer ou o coeficiente phi (ᵠ) para tabelas 2 x 2. A correlação ponto bisserial não paramétrica (Spearman) verificou a associação entre a percepção de risco à saúde no trabalho e o grau de orientações recebidas e as condições para a realização do trabalho. Na análise das diferenças entre a percepção de risco e satisfação no trabalho de trabalhadores com grau de proximidade dos pacientes distinto (maior x menor), foi utilizada a versão do teste t. Empregou-se a regressão logística binária para identificar previsores para a satisfação no trabalho. A medida pseudo R2 de Nagelkerke indicou o poder explicativo/preditivo do modelo. As razões de chances e seus intervalos foram calculados com índice de confiança de 95%. Os testes foram considerados significativos quando p ≤ 0,05.

Resultados

Após a composição das duas variáveis utilizadas para testar as hipóteses deste estudo, percepção de risco à saúde (segurança e fatores de proteção no trabalho) e sintomas experienciados durante a pandemia da covid-19, analisamos as suas relações com outras variáveis visando ampliar a compreensão de fatores que afetam a saúde física e mental dos profissionais da área de saúde. Os resultados foram organizados com foco nas três principais variáveis: a) percepção de risco à saúde, b) sintomas físicos e psíquicos; e c) satisfação no trabalho.

Percepção de Risco à Saúde

O teste t de amostras independentes evidenciou que, em média, a percepção de risco da saúde no trabalho não apresentou diferenças significativas entre os grupos que trabalhavam mais próximos aos pacientes e os que estavam mais distantes (t(276) = 0,289; p = 0,77) (H1). Acreditava-se que a maior proximidade da doença elevaria a percepção de risco à saúde do trabalhador, o que não se confirmou. Por sua vez, a correlação ponto bisserial não paramétrica (Spearman) evidenciou uma relação fraca e negativa entre as variáveis percepção de risco à saúde no trabalho e o grau de orientações recebidas e as condições para a realização do trabalho (ρ = -0,184; p = 0,002), indicando que quanto maior foi o grau de orientação e melhores as condições para a realização do trabalho durante a pandemia, menor era a percepção de risco à saúde (H2). Avaliou-se também a associação entre a percepção de risco à saúde, desta vez categorizada em alta e baixa, e a qualidade do contato com o público (agradável/gratificante; desagradável/desgastante e às vezes agradável/gratificante e às vezes desagradável/desgastante) (H3). Obteve-se uma correlação positiva pelo teste exato de Fisher (p = 0,008) e um coeficiente V de Cramer de apenas 0,176, o que demonstrou uma fraca associação. Entretanto, ao analisar os resíduos padronizados ajustados, descartou-se a associação entre as variáveis mencionadas para a condição de contato desagradável/desgastante. Assim, quando o contato com o público foi agradável/gratificante, a frequência observada na baixa percepção de risco foi maior que a esperada, sugerindo que a experiência satisfatória tem efeitos na diminuição da percepção de risco à saúde.

Ainda visando avançar na compreensão do fator percepção de risco à saúde no trabalho (alta e baixa), avaliou-se também sua associação com as situações de violência no trabalho (agressão física, agressão verbal, preconceito) (H4a), os sintomas apresentados durante a pandemia (físicos e psíquicos) (H4b) e a satisfação no trabalho (alta e baixa) (H4c). Para as situações de violência (H4a), obteve-se um qui-quadrado significativo (χ2(7) = 14,394; p = 0,03) e um valor de V de Cramer de 0,228. A associação encontrada, embora fraca, refere-se ao grupo que relatou ter sentido preconceito por atenderem pacientes infectados com a covid-19 ou ainda para os que declararam não ter sofrido nenhum tipo de violência. No grupo que relatou preconceito, a frequência observada para uma alta percepção de risco foi maior que a esperada, enquanto no grupo que alegou não ter sofrido nenhum tipo de violência, a frequência observada para uma baixa percepção de risco foi maior que a esperada. Em relação aos sintomas vivenciados (H4b), não foi demonstrada uma associação com a percepção de risco (χ2(1) = 0,214; p = 0,64). Finalmente, o teste de qui-quadrado de independência mostrou uma associação (χ2(1) = 5,616; p = 0,02) fraca (ᵠ = -0,142) entre a satisfação no trabalho no período de pandemia e a percepção de risco categorizada (H4c). Quando a percepção de risco era baixa, a frequência observada de satisfação “alta” foi maior que a frequência esperada.

Sintomas Experienciados Durante a Pandemia e Diagnóstico de Covid-19

Inicialmente, analisou-se a relação entre os sintomas apresentados (físicos e psíquicos) e os tipos de medicações utilizadas (analgésicos, anti-inflamatórios, vitaminas e psicotrópicos) (H5a). O resultado apontou uma correlação pelo teste exato de Fisher (p = 0,005) quase moderada (V de Cramer = 0,351). Os sintomas físicos se associaram a uma frequência observada maior que a esperada no uso de anti-inflamatórios, enquanto os sintomas psíquicos se relacionaram a uma frequência observada maior que a esperada no uso de psicotrópicos. Os sintomas também se associaram aos estados afetivos vivenciados na pandemia (χ2(1) = 5,307; p = 0,021) embora essa intensidade tenha sido fraca (ᵠ = 0,139) (H5b). Quando os estados afetivos eram positivos, a frequência observada de sintomas físicos foi superior ao que era esperado. Por seu turno, quando os estados afetivos eram negativos, foi a frequência observada dos sintomas psíquicos que se mostrou acima do que era esperado. A associação entre os sintomas físicos e psíquicos e a relação com familiares e amigos apresentou uma correlação positiva (χ2(4) = 22,245; p < 0,001) e fraca (V de Cramer = 0,285) (H5c). A frequência observada quando as alterações na rotina destas relações eram muito frequentes foi maior que a esperada quando os sintomas eram psíquicos. Por sua vez, a frequência observada dos sintomas físicos, quando as alterações nas rotinas com familiares e amigos foram poucas, foi maior que a frequência esperada. Não houve associação entre os sintomas relatados e o fato de a instituição do trabalhador ter oferecido ou não ações de saúde mental (χ2(1) = 1,125; p = 0,33) (H5d).

Por seu turno, ter um diagnóstico positivo ou negativo em relação à covid-19 não apresentou associações significativas com o grau de orientação recebida e as condições de trabalho existentes (χ2(1) = 1,619; p = 0,24), com a quantidade de vínculos empregatícios declarados (χ2(3) = 2,807; p = 0,42), com a jornada de trabalho total (χ2(3) = 0,586; p = 0,90), com a percepção de risco categorizada dos participantes (χ2(1) = 0,319; p = 0,57), com ter participado de treinamento específico (χ2(1) = 0,655; p = 0,42) ou ainda ter recebido equipamentos de proteção individual (χ2(1) = 0,567; p = 0,45) para atuar no combate à covid-19.

Satisfação no Trabalho

A satisfação no trabalho no período de pandemia e o grau de orientação e condições de trabalho (χ2(1) = 13,958; p < 0,001) apresentaram associação fraca (ᵠ = 0,224) (H6a). Deste modo, quando as orientações e as condições de trabalho foram melhores, a frequência observada de satisfação “alta” foi maior do que a esperada. Mais duas associações com a satisfação no trabalho foram verificadas. Primeiramente, observou-se uma associação (χ2(1) = 44,466; p < 0,001) moderada (ᵠ = -0,40) com os estados afetivos (positivos ou negativos) mais latentes no dia a dia de trabalho (H6b). Quando a satisfação era alta, a frequência observada de estados afetivos positivos foi maior que a esperada, enquanto a frequência observada de estados negativos se apresentou menor. A última correlação corroborada foi com a existência de alterações na rotina com familiares e amigos (χ2(4) = 12,187; p = 0,02) (H6c). Embora de intensidade fraca (V de Cramer = 0,209), a associação revelou que, quando a satisfação era baixa, a frequência observada para a condição “alterações muito frequentes na rotina com familiares e amigos” foi maior que a esperada; quando a satisfação era alta, a frequência observada da condição “nenhuma alteração na rotina” foi maior que a esperada.

Ainda em relação à satisfação no trabalho, realizou-se uma regressão logística para identificar variáveis preditoras da satisfação em profissionais de saúde durante a pandemia (Tabela 2). O modelo com os previsores estados afetivos, grau de orientação e condições de trabalho recebido e frequência com que a relação com familiares e amigos foi afetada durante a pandemia foi significativo [χ2(6) = 77,826; p < 0,001, Nagelkerke = 0,334]. Os resultados indicaram que os trabalhadores que vivenciaram estados afetivos predominantemente positivos tiveram 6,98% mais chances de pertencer à categoria dos que apresentaram maior satisfação no trabalho do que aqueles com estados afetivos predominantemente negativos. De forma análoga, indivíduos que receberam orientações e condições de trabalho melhores tiveram 5,14% mais chances de estarem no grupo dos mais satisfeitos no trabalho do que aqueles com orientações e condições no trabalho piores. Finalmente, aqueles cujas relações com familiares e amigos foram alteradas de forma ocasional, frequente ou muito frequente apresentaram menores chances de pertencer à categoria que possui satisfação no trabalho elevada.

Tabela 2

Modelo Final de Regressão Logística para as Variáveis Associadas à Satisfação no Trabalho em Profissionais de Saúde Durante a Pandemia em Salvador e Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, 2021-2022

Variáveis associadas à satisfação no trabalho

B

gl

p-valor

OR

95% I.C. para OR

Inferior

Superior

Estados afetivos

Negativos

Positivos

1,943

1

0,000

6,982

3,586

13,594

Orientações e condições de trabalho categorizada

Baixa

Alta

1,637

1

0,000

5,142

2,111

12,526

Frequência em que a relação com familiares e amigos foi afetada

Nunca

Raramente

-0,919

1

0,143

0,399

0,117

1,363

Ocasionalmente

-1,340

1

0,024

0,262

0,082

0,835

Frequentemente

-1,328

1

0,020

0,265

0,087

0,808

Muito frequentemente

-1,457

1

0,008

0,233

0,080

0,681

Percepção de risco em relação ao trabalho

Baixa

Alta

-0,313

1

0,304

0,731

0,403

1,328

Constante

-1,916

1

0,002

0,147

Nota. B = Coeficiente logístico estimado; gl = grau de liberdade, OR = razões de chance (odds ratio); IC = intervalo de confiança.

Discussão

Considerando as hipóteses testadas neste estudo, podemos afirmar que a maioria delas foi corroborada parcial ou totalmente. A H1 não foi corroborada, pois não foram encontradas diferenças significativas entre percepção de risco à saúde e trabalhadores que possuem contato mais próximo com pacientes na comparação com aqueles que atuam como suporte. Apesar de a contaminação ocorrer prevalentemente entre médicos e enfermeiros com contato mais próximo com os pacientes (Rocha et al., 2021), os resultados deste estudo apontam que os impactos na saúde não se restringem a este grupo. Isso pode evidenciar que, em se tratando da pandemia, todos os profissionais da linha de frente, independentemente da maior ou menor proximidade com os pacientes, sentiram-se expostos a riscos. Um aspecto não explorado neste estudo, mas que poderia gerar novos insights sobre estes efeitos mais amplos na saúde dos trabalhadores da saúde pode estar relacionado aos altos índices de rotatividade entre esses profissionais, provavelmente tentando se proteger da sobrecarga emocional e física inerente à profissão, especialmente em períodos de emergência sanitária, cujos procedimentos de segurança se tornam mais rigorosos para evitar o contágio (Silva et al., 2021). Os dados trazidos por Lourenço et al. (2021) apontam o aumento expressivo da rotatividade entre 2019 e 2020, ano de início da pandemia.

A H2 foi totalmente corroborada, pois se encontraram associações negativas entre orientação e melhores condições de trabalho e a percepção de risco à saúde, sinalizando que um maior suporte no contexto de trabalho ajuda a minimizar a percepção de risco entre os profissionais da área de saúde, o que pode contribuir para a saúde mental. Evidências na literatura apontam que o aumento da percepção de risco possui efeitos negativos na saúde mental (Lee et al., 2021; Prado et al., 2021; Silva et al., 2021).

A H3 foi parcialmente corroborada. A qualidade afetiva agradável/gratificante no contato com o público pelos profissionais de saúde mostrou-se associada à diminuição da percepção de risco à saúde. Não encontramos, entretanto, evidência de associação entre estados afetivos negativos (desagradável/não gratificante) e aumento da percepção de risco. Este resultado sugere que a afetividade positiva pode ter efeitos positivos na preservação da saúde mental. A H4 testou se haveria correlações positivas entre a percepção de risco à saúde e situações de violência no trabalho (agressão física, agressão verbal, preconceito) (H4a), sintomas físicos e psíquicos durante a pandemia (H4b) e a insatisfação no trabalho (H4c). A hipótese foi parcialmente corroborada. Os resultados apontam que situações de violência (preconceito, por exemplo) vividas no trabalho aumentam a percepção de risco à saúde, ao passo que a satisfação no trabalho é maior quando tal percepção é baixa. Não foram encontradas relações entre sintomas, sejam físicos, sejam psíquicos, e a percepção de risco.

A H5 procurou analisar se os sintomas físicos e psíquicos se correlacionavam com os tipos de medicações utilizadas pelos profissionais de saúde (analgésicos, anti-inflamatórios, vitaminas e psicotrópicos) (H5a), os estados afetivos positivos e negativos (H5b), alterações nas rotinas com familiares e amigos (H5c), ações de saúde mental da unidade de trabalho (H5d). Encontraram-se evidências, exceto para a relação de sintomas com ações empreendidas pela unidade de trabalho para cuidar do sofrimento psíquico. Os sintomas físicos mostraram-se associados positivamente a anti-inflamatórios e a estados afetivos positivos, ao passo que os sintomas psíquicos estariam associados a psicotrópicos, em concordância com o que já foi apontado por Silva et al. (2021), e a estados afetivos negativos, como verificado por Ulisses et al. (2022). A associação entre sintomas psíquicos e alterações nas relações com familiares e amigos (H5c) traz indícios da importância do suporte social da família e técnica do ambiente de trabalho para lidar com inúmeros desafios trazidos pelas constrições impostas pelos procedimentos de segurança (Campos et al., 2021; Dullius et al., 2021; Teixeira et al., 2020).

Por último, a H6 trouxe evidências de que a satisfação no trabalho no período de pandemia mostra-se associada positivamente ao grau de orientação e a melhores condições de trabalho (H6a), estados afetivos positivos (H6b) e poucas alterações nas relações com familiares e amigos (H6c), reiterando os resultados anteriores. Neste estudo, os afetos positivos, as orientações e melhores condições de trabalho e as poucas alterações nas relações mostraram-se preditores da satisfação no trabalho durante a pandemia entre profissionais de saúde que atuaram no Estado da Bahia. Evidências na literatura sugerem que a insatisfação no trabalho aumenta a probabilidade de emergência da Síndrome de Burnout (Carlotto et al., 2021; Rocha et al., 2021; Oliveira, 2018), especialmente entre enfermeiros (Soares et al., 2022).

É indubitável que os profissionais de saúde se viram diante de inumeráveis desafios durante a pandemia da covid-19 (Barbosa et al., 2023; Fiocruz, 2021; Teixeira et al., 2020), o que provavelmente tornou ainda mais vulneráveis as condições de saúde física e mental desta categoria profissional. Como todo estudo de caráter transversal que não apreende o fenômeno ao longo do tempo, as conclusões precisam ser consideradas de maneira crítica. No entanto, embora a amostra tenha sido pequena e tenha se restringido a profissionais que atuam no Estado da Bahia, os resultados mostram-se alinhados aos dados da literatura do campo de estudos sobre profissionais de saúde.

Nossa expectativa com este estudo era a de trazer evidências empíricas que subsidiassem propostas de capacitação profissional e ações de gestão de pessoas para fins de melhoria da qualidade de vida no trabalho desses profissionais, indispensáveis na implementação de políticas públicas de saúde no país. Acreditamos que os resultados podem inspirar a elaboração de pesquisas-intervenção nos moldes sugeridos por Neves et al. (2021).

Referências

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Recebido em: 26/07/2023

Aceite final: 18/10/2023

Sobre os autores:

Sonia Maria Guedes Gondim: Realizou estudos pós-doutorais na Universidade Complutense de Madrid e no Magdalene College da University of Cambridge. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Psicóloga e mestre em Psicologia Social pela Universidade Gama Filho. Professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professora titular aposentada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: sggondim@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3482-166X

Ana Célia Araújo Simões: Administradora, doutora e mestre em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Desenvolve atividades de consultoria organizacional e de pesquisas (emotrab.ufba.br). Principais interesses de pesquisa envolvem as temáticas de trabalho emocional, bem-estar e saúde do trabalhador, regulação emocional, emoções intergrupais e desempenho. E-mail: anacsimoes@hotmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6033-1133

Rayana Santedicola Andrade: Doutora e mestre em Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Psicóloga pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora associada da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Interessa-se pela pesquisa e extensão com os temas: voz e silêncio do trabalhador, gestão de carreiras nas organizações e no trabalho, mulheres e carreira. E-mail: rayanasantedicola@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1343-0264

Paloma Almeida Rios da Silva: Graduada em Psicologia pela IPS/UFBA. Graduada em Humanidades pela Universidade Federal da Bahia (IHAC/UFBA). E-mail: paloma.almeida2503@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0009-0008-6660-9093

Felipe Santos Meireles: Graduando em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (IPS/UFBA). E-mail: felipe.s.meireles@hotmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1937-5307

Jeane Trindade de Brito: Pós-graduanda em Psicologia Organizacional e Gestão de Pessoas pela União Educacional de Minas Gerais (UNIMINAS). Graduada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, Campus Anísio Teixeira (IMS/UFBA). E-mail: jeanetrindadepsi@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6314-3557

Esly Rebeca Amaral Oliveira: Mestranda em Psicologia da Saúde pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bolsista do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). Graduada em Psicologia pela UFBA-IMS/CAT. E-mail: esly.rebeca@ufba.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4875-7152

Maria Clara de Matos Cunha: Graduada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (IPS/UFBA). E-mail: mariacmcunha37@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0009-0007-7912-2906

Maria Victoria Rocha de Alencar: Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (IPS/UFBA). E-mail: mariadealencar1@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3634-4502

Ana Karoline de Souza Silva: Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Atuação profissional na área hospitalar no contexto do SUS Bahia. E-mail: anakaroliness@hotmail.com, ORCID: https://orcid.org/0009-0001-2619-1410

Thaís Augusta de Oliveira Máximo: Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora adjunta do Departamento de Psicologia da UFPB, e professora colaboradora do Programa de Mestrado em Psicologia da Saúde, da Universidade Estadual da Paraíba (UFPB). E-mail: thaisaugusta@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5062-1548

Tatiana de Lucena Torre: Doutorado e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Psicóloga pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora do Departamento de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Membro do Grupo Subjetividade e Trabalho. Membro da Rede Internacional de Pesquisa sobre Representação Social, Envelhecimento e Saúde (RIPRES). E-mail: tltorres2@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6274-1929


1 Endereço: Rua Caetano Moura, 107, Federação, Salvador, BA, Brasil. CEP: 40210-340. Telefone: (71) 32830-6433.

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v15i1.2498