Perfil Neuropsiquiátrico de Pacientes Pós-Acidente Vascular Encefálico (AVE): Um Estudo Transversal e Análise Transdiagnóstica

Neuropsychiatric Profile of Post-Stroke Patients: A Cross-Sectional Study and Transdiagnostic Analysis

Perfil Neuropsiquiátrico de Pacientes que Han Sufrido un Accidente Vascular Encefálico (AVE): Un Estudio Transversal y Análisis Transdiagnóstico

Joana d’Arc Oliveira de Mendonça

Saulo Henrique Campello de Freitas

Larissa Monteiro Lopes de Oliveira

Paulo Cesar dos Santos Gomes

Leopoldo Nelson Fernandes Barbosa

Maria Beatriz Nascimento Bezerra

Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS)

Resumo

Introdução: O Acidente Vascular Encefálico (AVE) tem despertado interesse entre pesquisadores devido às suas sequelas neuropsiquiátricas e cognitivas, que impactam na reabilitação e no prognóstico da doença. Este estudo teve como objetivo mapear o perfil e a frequência de sintomas neurocognitivos e neuropsiquiátricos de pacientes pós-AVE, bem como a correlação entre eles. Métodos: Trata-se de uma análise observacional do tipo corte transversal em um Hospital Escola em Pernambuco, com 33 pacientes pós-AVE. Foram utilizadas a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS), a Escala Transversal de Sintomas Nível 1 do DSM-5 para adultos (autoaplicável) e, para avaliação do perfil neurocognitivo, o instrumento de rastreio Montreal Cognitive Assessment (MoCA). Para estatísticas descritivas e comparativas, foi utilizado o software JAMOVI. Resultados: A amostra apresentou índices significativos de depressão, ansiedade, distúrbios do sono, pensamentos e comportamentos repetitivos e ideação suicida. Foi encontrada uma forte correlação entre a escala de depressão e a de ansiedade, com um coeficiente de Rho de Spearman de 0.680 (p < 0.001). Discussão: Os achados revelaram uma inter-relação significativa entre os sintomas psiquiátricos, o que é relevante para a compreensão transdiagnóstica dos sintomas psiquiátricos em pacientes que tiveram um AVE. Conclusão: Os resultados revelam uma inter-relação entre depressão, ansiedade e comprometimento cognitivo, impactando na recuperação de pacientes pós-AVE.

Palavras-chave: Acidente Vascular Encefálico, disfunção cognitiva, transtornos mentais, depressão, ansiedade

Abstract

Introduction: Stroke has aroused interest among researchers due to its neuropsychiatric and cognitive sequelae, which impact rehabilitation and prognosis of the disease. This study aimed to map the profile and frequency of neurocognitive and neuropsychiatric symptoms of post-stroke patients, as well as the correlation between them. Methods: This is an observational cross-sectional analysis in a teaching hospital in Pernambuco with 33 post-stroke patients. The instruments used included the Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), the DSM-5 Cross-Cutting Symptom Measure Level 1 for adults (self-administered), and the Montreal Cognitive Assessment (MoCA) for neurocognitive screening. The JAMOVI software was used for descriptive and comparative statistics. Results: The sample showed significant rates of depression, anxiety, sleep disorders, repetitive thoughts and behaviors and suicidal ideation. A strong correlation was found between the depression and anxiety scales, with a Spearman's Rho coefficient of 0.680 (p < 0.001). Discussion: The findings revealed a significant interrelationship between psychiatric symptoms, which is relevant for the transdiagnostic understanding of psychiatric symptoms in post-stroke patients. Conclusion: The results reveal an interrelationship between depression, anxiety and cognitive impairment, impacting the recovery of post-stroke patients.

Keywords: Stroke, Cognitive Dysfunction, mental disorders, depression, anxiety

Resumen

Introducción: El Accidente Vascular Encefálico (AVE) ha despertado interés entre los investigadores por sus secuelas neuropsiquiátricas y cognitivas, que impactan en la rehabilitación y pronóstico de la enfermedad. Este estudio tuvo como objetivo mapear el perfil y la frecuencia de los síntomas neurocognitivos y neuropsiquiátricos en pacientes post-AVE, así como la correlación entre ellos. Métodos: Se trata de un análisis observacional transversal en un Hospital Universitario de Pernambuco, con 33 pacientes post-AVE. Se utilizaron los siguientes instrumentos: la Escala Hospitalaria de Ansiedad y Depresión (HADS), la Escala Transversal de Síntomas Nivel 1 del DSM-5 para adultos (autoadministrada) y el instrumento de detección Montreal Cognitive Assessment (MoCA) para la evaluación del perfil neurocognitivo. Para la estadística descriptiva y comparativa se utilizó el software JAMOVI. Resultados: La muestra mostró índices significativos de depresión, ansiedad, trastornos del sueño, pensamientos y conductas repetitivas e ideación suicida. Se encontró una fuerte correlación entre la escala de depresión y la escala de ansiedad, con un coeficiente Rho de Spearman de 0,680 (p < 0,001). Discusión: Los hallazgos revelaron una inter-relación significativa entre los síntomas psiquiátricos, lo cual es relevante para la comprensión transdiagnóstica de los síntomas psiquiátricos en pacientes que han sufrido un accidente cerebrovascular. Conclusión: Los resultados revelan una interrelación entre depresión, ansiedad y deterioro cognitivo, impactando la recuperación de los pacientes post-AVE.

Palabras clave: Accidente Vascular Encefálico, disfunción cognitiva, trastornos mentales, depresión, ansiedad

Introdução

O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é considerado a terceira principal causa de incapacidade em países desenvolvidos e principal causa de morte há mais de vinte anos no Brasil (Da Silva et al., 2021; Huang et al., 2022), com aproximadamente 90% dos indivíduos acometidos revelando sequelas neurológicas (Medeiros et al., 2020). A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a condição como um sinal clínico de uma perturbação focal de função encefálica com possível origem vascular e duração de 24 horas ou mais (Medeiros et al., 2020), sendo caracterizado pela perda aguda da função neurológica. Devido à interrupção do fluxo sanguíneo em determinadas regiões encefálicas, pode ocorrer uma paralisia na região contralateral, onde não há circulação sanguínea (Medeiros et al., 2020). O AVE se tipifica em isquêmico (AVEI) e hemorrágico (AVEH), sendo o primeiro resultante da obstrução dos vasos sanguíneos por meio de trombos ou êmbolos, impedindo a passagem de oxigênio para as células, e o segundo decorrente da ruptura do vaso cerebral, que causa vazão do fluxo sanguíneo (Cai et al., 2019).

O AVE é uma das principais causas de incapacidade ao longo do tempo, produzindo um aumento do estresse oxidativo, que está relacionado com o desenvolvimento de sequelas neuropsiquiátricas (Stinear & Barber, 2020). Conforme um estudo de meta-análise (Stinear & Barber, 2020), depressão, ansiedade e estresse são os sintomas neuropsiquiátricos mais comuns em pacientes acometidos pelo AVE. Na literatura científica, observa-se a depressão pós-AVE como uma das complicações mais prevalentes da lesão neurológica, sendo o Transtorno Depressivo Maior a sequela comportamental mais frequentemente relatada (Medeiros et al., 2020; Stinear & Barber, 2020). Como sintomatologia da depressão pós-AVE, estudos sugerem a melancolia, disforia e sinais vegetativos (Stinear & Barber, 2020). Além disso, Medeiros et al. (2020) relatam que a depressão pós-AVE está associada à menor qualidade de vida em comparação ao AVE sem depressão, como também o histórico de transtornos psiquiátricos e lesões frontais revelam deficiência quanto ao suporte social e incapacidade de forma acentuada.

Uma pesquisa brasileira exploratória (Da Silva et al., 2021) revelou um declínio na participação social do sujeito pós-AVE, o que influencia na sua saúde mental, destacando a importância da promoção da independência funcional e melhoria da saúde emocional no processo de reabilitação desses pacientes. Corroborando o estudo brasileiro, McCurley et al. (2019) revelam que muitos pacientes com AVE demonstram um sofrimento emocional significativo na hospitalização, em forma de depressão, ansiedade e sintomas pós-traumáticos. Dessa forma, observa-se a necessidade de investigar sequelas neuropsiquiátricas em pacientes pós-lesão neurológica, para que os profissionais de saúde mental conduzam uma reabilitação assertiva, visto que, segundo a revisão sistemática e meta-análise (Cai et al., 2019; Huang et al., 2022), a depressão pós-AVE está associada a um aumento significativo de mortalidade entre esses pacientes.

Segundo Chen et al. (2022), a depressão associada ao AVE envolve diversos aspectos que corroboram a existência dessa complicação, como a piora da qualidade de vida e capacidade funcional, uma reabilitação com baixa eficiência, que pode estar relacionada à escassez de perfis neuropsiquiátricos de pacientes pós-AVE e qualificação necessária quanto a essa neuropatologia. Ademais, o estudo (McCurley et al., 2019) sugere possíveis relações entre a resposta imuno-inflamatória e a depressão pós-AVE. McCurley et al. (2019) também trazem que o sofrimento emocional em pacientes pós-AVE se associa à baixa adesão médica e recuperação lenta, reverberando em angústia para o paciente, que em contrapartida gera angústia no cuidador, dificultando a rede de apoio do sujeito. O estudo também alerta sobre a falta de intervenções psicossociais diante dos pacientes com AVE ou cuidadores, decaindo a qualidade da terapêutica do tratamento de reabilitação. Dessa forma, observa-se que a melhor maneira de prevenir a depressão pós-AVE está na mitigação de seus fatores de risco.

As disfunções cognitivas e neuropsiquiátricas coexistem frequentemente e estão relacionadas com um pior prognóstico de AVE (Chen et al., 2022). Uma revisão sistemática realizada por Chen et al. (2022) revelou que os principais déficits cognitivos incluem a função executiva, memória, linguagem e velocidade de processamento. Tais funções cognitivas, quando desadaptativas, necessitam de estratégias de tratamento e prevenção que sejam potencialmente eficazes, dado que a presença de sintoma neuropsiquiátrico acentua de forma expressiva o comprometimento cognitivo. Diante disso, segundo Zhang et al. (2021), estratégias de reabilitação que se atentam ao estado psicológico do paciente são decisivas no tocante à qualidade de vida, adesão ao tratamento e mitigação das reincidências.

Um estudo de coorte multicêntrico (Einstad et al., 2021) evidenciou a prevalência de comprometimentos cognitivos leves e maiores por meio do teste de rastreio Montreal Cognitive Assesment (MoCA) em pacientes pós-AVE, como alterações na memória, disfunções executivas e cognição global. Conforme Gallucci & Umarova (2021), as alterações cognitivas são protagonistas no tocante à dependência e incapacidade, manifestando-se em tipos e padrões de comprometimento pós-AVE, podendo atuar em vários domínios cognitivos, dado que existe uma grande variabilidade nos perfis neuropsicológicos, variando de demência leve a manifestada, com sintomas logo após o acometimento ou meses depois. Tais variações demonstram a necessidade de terapêuticas contextualizadas, uma vez que existe uma forte heterogeneidade da neuroprogressão da lesão.

O presente estudo teve por objetivos mapear um perfil de sintomas neuropsiquiátricos de pacientes pós-AVE, do Centro Especializado de Reabilitação (CER-IV) do IMIP, e avaliar a frequência de sintomas neuropsiquiátricos, como ansiedade, depressão e alterações neurocognitivas de pacientes pós-AVE.

Métodos

Este estudo foi uma análise observacional do tipo corte transversal, prospectiva, em um único centro, realizada em janeiro de 2024 em um Hospital-Escola de Pernambuco, com pacientes pós-AVE. A amostra foi selecionada por conveniência, e os participantes atenderam aos critérios de inclusão: ser paciente na condição pós-lesão neurológica adquirida, especificamente após um AVE, ter idade igual ou superior a 18 anos e estar sob acompanhamento no Hospital-Escola. E quanto aos critérios de exclusão: foram excluídos do estudo pacientes com quadros afásicos, uma vez que essa condição compromete a capacidade de responder adequadamente às perguntas dos instrumentos de coleta de dados. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (CEP-IMIP), sob o número do parecer 6.594.784.

As variáveis analisadas foram do tipo biológica (idade, sexo e raça/cor), sociodemográfica (escolaridade, estado civil, número de filhos, procedência, renda familiar, número de pessoas no domicílio, quantidade de vínculos empregatícios, benefício estatal), psiquiátricas (ansiedade, depressão, raiva, mania, sintomas somáticos, ideação suicida, distúrbios do sono, pensamentos e comportamentos repetitivos, dissociação, funcionamentos da personalidade, uso de substâncias), cognitivas (memória, funções executivas, atenção, linguagem e habilidades perceptivas) e clínicas (tempo pós-lesão, extensão da lesão, terapia atual, limitações físicas, tempo de tratamento, transtorno mental anterior, uso de psicofármacos).

Para coletar dados sobre a frequência de sintomas neuropsiquiátricos, foram utilizadas a Escala Transversal de Sintomas Nível 1 autoaplicável do DSM-5- Adulto e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS), enquanto os sintomas cognitivos foram mensurados por meio do exame de rastreio cognitivo Montreal Cognitive Assesment (MoCA - B). Vale ressaltar que Islam et al. (2023) avaliaram a precisão da MoCA em uma recente revisão sistemática, que identificou limitações significativas nos estudos analisados, como o risco de viés, o relato seletivo, a variação na idade dos participantes não considerada nas recomendações oficiais e a falta de diversidade étnica/racial, sugerindo a necessidade de mais pesquisas para validar e aprimorar o uso do MoCA em contextos clínicos. A análise estatística dos dados foi realizada utilizando o software JAMOVI (versão 2.6.0 para Windows). Inicialmente, foram aplicadas estatísticas descritivas para caracterizar a amostra no tocante aos aspectos clínicos e sociodemográficos. A normalidade da distribuição das variáveis quantitativas foi avaliada utilizando o teste de Shapiro-Wilk, que auxilia na verificação dos dados, se esses apresentam uma distribuição normal. As estatísticas descritivas foram utilizadas para analisar variáveis categóricas (como frequência absoluta e relativa) e variáveis quantitativas (como média e desvio-padrão ou mediana e intervalo interquartil). Para comparar os dados sociodemográficos e clínicos com dados neuropsiquiátricos e cognitivos, foram empregados testes estatísticos pareados, incluindo o Teste Exato de Fisher e t de Student, para dados paramétricos, e o teste Rho de Spearman na Análise de Regressão, para dados não paramétricos.

Resultados

Foi admitido um total de 33 pacientes, com adequada compreensão da linguagem, sendo 14 (42,4%) mulheres e 19 (57,6%) homens. A idade dos participantes variou entre 20 e 82 anos, com uma média de 49,5 anos (DP = 14,5). A análise sociodemográfica revelou que a maioria dos pacientes se identificou como brancos (45,5%), seguida por pretos (36,4%) e pardos (18,2%). Em relação ao nível educacional, observou-se que 36,4% dos participantes possuíam ensino médio completo, enquanto 27,3% tinham ensino fundamental incompleto. Apenas 9,1% dos pacientes apresentaram ensino fundamental completo. A presença de pós-graduação foi relatada por 6,1% dos participantes, e 6,1% não possuíam instrução formal. No que diz respeito ao estado civil, 54,5% dos pacientes eram casados, 36,4% solteiros e 9,1% viúvos. A maioria dos participantes (90,9%) residia na Região Metropolitana do Recife, enquanto 9,1% eram oriundos da Zona da Mata de Pernambuco. Em termos de renda familiar, todos os pacientes relataram uma renda entre 1 e 2 salários mínimos. Com relação ao vínculo empregatício, 97,0% dos participantes eram beneficiários do INSS, enquanto apenas 3,0% eram trabalhadores sob o regime CLT.

Na análise clínica, a maioria dos pacientes (69,7%) apresentava acometimento agudo, com 18,2% dos casos classificados como crônicos e 12,1% como subagudos. A extensão da lesão foi predominantemente do tipo AVE isquêmico (AVEI), afetando 63,6% dos participantes, em comparação com 36,4% que apresentaram AVE hemorrágico (AVEH). Em relação ao tratamento atual, 39,4% dos pacientes estavam em terapia ocupacional, 36,4% em psicologia, 15,2% em fisioterapia e 9,1% foram encaminhados da neurologia. A grande maioria dos participantes (97,0%) relatou limitações físicas, e 51,5% estavam em tratamento há mais de dois anos. Apenas 18,2% dos pacientes apresentaram transtornos mentais anteriores à lesão, e 66,7% estavam em uso de psicofármacos, com a classe de medicamentos antidepressivos sendo a mais prevalente (30,3%), como demonstrado na Tabela 1.

Tabela 1

Perfil Sociodemográfico e Clínico dos Pacientes Pós-AVE

Variável Sociodemográfica e Clínica

Categoria

Contagens

% do Total

Sexo

Feminino

14

42,4%

Masculino

19

57,6%

Raça-Etnia-Cor

Branco(a)

15

45,5%

Pardo(a)

6

18,2%

Preto(a)

12

36,4%

Escolaridade

Ensino Fundamental Completo

3

9,1%

Ensino Fundamental Incompleto

9

27,3%

Ensino Médio Completo

12

36,4%

Ensino Médio Incompleto

3

9,1%

Ensino Superior Incompleto

2

6,1%

Pós-Graduação

2

6,1%

Sem Instrução

2

6,1%

Estado Civil

Casado(a)

18

54,5%

Solteiro(a)

12

36,4%

Viúvo(a)

3

9,1%

Procedência

Região Metropolitana do Recife

30

90,9%

Zona da Mata de Pernambuco

3

9,1%

Renda Familiar (em salários mínimos)

Entre 1 e 2

33

100,0%

Tipo de Vínculo Empregatício

Beneficiário INSS

32

97,0%

Trabalhador CLT

1

3,0%

Tempo de Acometimento

Aguda (Refere-se ao momento imediatamente após o início do AVE)

23

69,7%

Crônica (Refere-se ao período após a fase aguda, normalmente semanas a três meses após o AVE inicial)

6

18,2%

Subaguda (Começa após os três meses do AVE, pode durar meses ou anos)

4

12,1%

Extensão da Lesão

AVE Hemorrágico

12

36,4%

AVE Isquêmico

21

63,6%

Terapia Atual

Fisioterapia

5

15,2%

Neurologia

3

9,1%

Psicologia

12

36,4%

Terapia Ocupacional

13

39,4%

Limitações Físicas

Não

1

3,0%

Sim

32

97,0%

Tempo de Tratamento em Meses ou Anos

Maior ou Igual a 2 Anos

17

51,5%

Menor ou Igual a 1 Ano

16

48,5%

Transtorno Mental Anterior à Lesão

Não

27

81,8%

Sim

6

18,2%

Uso de Psicofármacos

Não

11

33,3%

Sim

22

66,7%

Classe do Psicofármaco

Anticonvulsivantes

3

9,1%

Medicamento Ansiolítico-Benzodiazepínico

8

24,2%

Medicamento Antidepressivo

10

30,3%

Medicamento Antipsicótico

1

3,0%

Nenhum

11

33,3%

Nota. Jamovi (Version 2.5).

Na análise do perfil cognitivo dos pacientes por meio do teste de rastreio Montreal Cognitive Assessment – Brasil (MoCA-B), observou-se que a maioria dos indivíduos avaliados apresentou um desempenho cognitivo comprometido, com 81,8% dos pacientes classificados como “alterados” e apenas 18,2% apresentando resultados dentro da normalidade. A distribuição das pontuações totais revelou uma concentração de pacientes com pontuações entre 17 e 22.

No que diz respeito às funções executivas, 48,5% dos pacientes pontuaram 0, indicando um comprometimento severo. Esses dados ressaltam a importância das funções executivas na avaliação cognitiva, evidenciando que uma parte considerável dos pacientes enfrenta dificuldades nessa área. A fluência verbal apresentou uma distribuição variada, com 36,4% dos pacientes pontuando 0, 27,3% pontuando 1 e 36,4% pontuando 2, indicando que, embora uma parte significativa dos pacientes tenha dificuldades, há também um grupo que consegue manter um desempenho razoável. A avaliação da orientação revelou que 54,5% dos pacientes obtiveram a pontuação máxima de 6, sugerindo uma preservação dessa função, com apenas 3% dos pacientes pontuando 0. Em relação à função de cálculo, 24,2% dos pacientes pontuaram 0, evidenciando dificuldades nesta área, enquanto 33,3% obtiveram pontuação de 2 ou 3, indicando um desempenho aceitável. Esses dados sugerem que, embora alguns pacientes apresentem dificuldades, outros conseguem realizar tarefas de cálculo com um desempenho razoável. A função de abstração mostrou resultados variados, com 39,4% dos pacientes alcançando a pontuação máxima de 3, enquanto 15,2% marcaram 0, indicando que, embora muitos pacientes consigam realizar tarefas de abstração, uma parcela significativa ainda enfrenta dificuldades.

Entre as funções cognitivas avaliadas, a evocação tardia foi uma das mais comprometidas, com 36,4% dos pacientes não conseguindo evocar nenhuma informação, o que pode ser indicativo de déficits de memória. A atenção também se revelou uma área crítica, com 51,5% dos pacientes marcando 0, indicando um comprometimento nesta função. Apenas 27,3% conseguiram marcar 3, o que sugere que a atenção é uma das funções mais afetadas na amostra avaliada, como descrito na Tabela 2. A percepção visual, por sua vez, foi uma das funções mais preservadas, com 63,6% dos pacientes obtendo a pontuação máxima de 3, sugerindo que, em comparação às outras funções, a percepção visual é uma área relativamente preservada entre os pacientes avaliados. O mesmo foi observado na avaliação de nomeação, na qual 78,8% dos participantes alcançaram a pontuação máxima de 4.

Tabela 2

Perfil Cognitivo (MoCA-B) de 33 Pacientes Acometidos pelo AVE

Função Cognitiva

Contagens

% do Total

% Acumulada

Evocação Tardia (0/5)

0

12

36,4%

36,4%

1

4

12,1%

48,5%

2

6

18,2%

66,7%

3

4

12,1%

78,8%

4

6

18,2%

97,0%

5

1

3,0%

100,0%

Percepção Visual (0/3)

0

2

6,1%

6,1%

1

1

3,0%

9,1%

2

9

27,3%

36,4%

3

21

63,6%

100,0%

Nomeação (0/3)

2

2

6,1%

6,1%

3

5

15,2%

21,2%

4

26

78,8%

100,0%

Atenção (0/3)

0

17

51,5%

51,5%

1

6

18,2%

69,7%

2

1

3,0%

72,7%

3

9

27,3%

100,0%

Funções Executivas (0/1)

0

16

48,5%

48,5%

1

17

51,5%

100,0%

Fluência (0/2)

0

12

36,4%

36,4%

1

9

27,3%

63,6%

2

12

36,4%

100,0%

Orientação (0/6)

0

1

3,0%

3,0%

3

4

12,1%

15,2%

4

3

9,1%

24,2%

5

7

21,2%

45,5%

6

18

54,5%

100,0%

Cálculo (0/3)

0

8

24,2%

24,2%

1

3

9,1%

33,3%

2

11

33,3%

66,7%

3

11

33,3%

100,0%

Abstração (0/3)

0

5

15,2%

15,2%

1

12

36,4%

51,5%

2

3

9,1%

60,6%

3

13

39,4%

100,0%

Nota. Jamovi (Version 2.5).

A análise de correlação estatística, realizada com o Teste Exato de Fisher, não encontrou associações entre as variáveis sociodemográficas e clínicas e o perfil cognitivo dos participantes. Os valores de p para as variáveis analisadas foram: “Terapia Atual” (p = 0,400), “Extensão da Lesão” (p = 0,643), “Uso de Psicofármacos” (p = 1,000), “Transtorno Mental Anterior à Lesão” (p = 1,000) e “Tempo de Tratamento” (p = 0,175), indicando que nenhuma dessas variáveis teve impacto nos resultados do teste Montreal Cognitive Assessment (MoCA). Esses achados indicam que, apesar das variações nas características dos pacientes, as associações entre as variáveis clínicas e sociodemográficas não foram estatisticamente significativas neste estudo, elas fornecem a descrição da população, que direciona terapêuticas integrais considerando os determinantes sociais do sujeito.

Com relação aos sintomas psiquiátricos avaliados pela Escala Transversal de Sintomas de Nível 1 Autoaplicável do DSM-5-Adulto, foi observado um perfil de prevalência de sintomas relacionados à depressão, ansiedade e distúrbios do sono. A análise dos dados revelou que 30,3% (n=10) dos participantes relataram sintomas depressivos graves ou em quase todos os dias, enquanto 27,3% (n=9) apresentaram sintomas moderados, indicando uma preocupação relevante com a saúde mental da amostra estudada, considerando a depressão pós-AVE frequentemente relatada na literatura. No que diz respeito à ansiedade, 30,3% (n=10) dos indivíduos relataram sintomas graves ou quase todos os dias, e 18,2% (n=6) apresentaram sintomas moderados, sugerindo uma alta incidência de sintomas ansiosos na população avaliada.

Além disso, os distúrbios do sono foram evidentes, com 27,3% (n=9) dos participantes relatando sintomas moderados, e 24,2% (n=8) apresentando sintomas leves ou em vários dias, o que pode estar correlacionado com a presença de outros sintomas psiquiátricos. Adicionalmente, a avaliação dos sintomas somáticos indicou que 30,3% (n=10) dos participantes relataram sintomas leves ou em vários dias, e 27,3% (n=9) apresentaram sintomas moderados, sugerindo uma inter-relação entre sintomas físicos e psiquiátricos. Os dados sobre o funcionamento da personalidade mostraram que 12,1% (n=4) dos participantes relataram sintomas graves ou em quase todos os dias, e 15,2% (n=5) apresentaram sintomas moderados. Em relação ao uso de substâncias, 6,1% (n=2) relataram sintomas moderados ou em mais da metade dos dias, enquanto 15,2% (n=5) apresentaram sintomas muito leves ou raramente.

Tabela 3

Perfil Psiquiátrico de 33 Pacientes Acometidos pelo AVE

Sintomas

psiquiátricos

Grave ou quase todos os dias

Leve ou vários dias

Moderado ou mais da metade dos dias

Muito leve ou raramente

Nada ou de modo algum

Total (%)

Ansiedade

10 (30,3%)

5 (15,2%)

6 (18,2%)

8 (24,2%)

4 (12,1%)

100,0

Depressão

10 (30,3%)

3 (9,1%)

9 (27,3%)

3 (9,1%)

8 (24,2%)

100,0

Raiva

12 (36,4%)

5 (15,2%)

-

4 (12,1%)

12 (36,4%)

100,0

Mania

2 (6,1%)

5 (15,2%)

7 (21,2%)

1 (3,0%)

18 (54,5%)

100,0

Sintomas somáticos

2 (6,1%)

10 (30,3%)

9 (27,3%)

1 (3,0%)

11 (33,3%)

100,0

Ideação suicida

-

1 (3,0%)

4 (12,1%)

1 (3,0%)

27 (81,8%)

100,0

Psicose

-

2 (6,1%)

4 (12,1%)

1 (3,0%)

26 (78,8%)

100,0

Distúrbios do sono

-

8 (24,2%)

9 (27,3%)

4 (12,1%)

12 (36,4%)

100,0

Memória

1 (3,0%)

5 (15,2%)

13 (39,4%)

3 (9,1%)

11 (33,3%)

100,0

Pensamentos e comportamentos repetitivos

6 (18,2%)

1 (3,0%)

8 (24,2%)

5 (15,2%)

13 (39,4%)

100,0

Dissociação

1 (3,0%)

-

9 (27,3%)

-

23 (69,7%)

100,0

Funcionamento da personalidade

4 (12,1%)

4 (12,1%)

5 (15,2%)

4 (12,1%)

16 (48,5%)

100,0

Uso de substâncias

-

2 (6,1%)

5 (15,2%)

26 (78,8%)

100,0

Nota. Jamovi (Version 2.5).

Adicionalmente, a análise de regressão realizada para investigar as correlações entre os sintomas psiquiátricos, conforme medido pela Escala do DSM-V, revelou associações entre diversas variáveis. A correlação entre a escala de depressão e a de ansiedade foi forte, apresentando um coeficiente de Rho de Spearman de 0.680 (p < .001). Além disso, a relação entre a depressão e a raiva também se mostrou significativa, com um Rho de 0.635 (p < .001), assim como a correlação entre a ansiedade e a raiva, que apresentou um Rho de 0.640 (p < .001). A análise também indicou uma correlação positiva entre a mania e a depressão (Rho = 0.387, p = 0.026), bem como entre a mania e a ansiedade (Rho = 0.461, p = 0.007) e a mania e a raiva (Rho = 0.422, p = 0.015). Esses resultados evidenciam a inter-relação entre os sintomas, sugerindo que o aumento na intensidade de um sintoma pode estar associado ao aumento em outros, o que é relevante para a compreensão da dinâmica transdiagnóstica dos sintomas psiquiátricos.

A ansiedade e depressão decorrentes de processos de hospitalização foram avaliadas pela HADS em duas subescalas, bem como correlacionadas com a Escala do DSM-V por meio do Rho de Spearman, conforme descrito no Gráfico 1. A correlação entre a subescala de Ansiedade (HADS) e a subescala de Depressão (HADS) apresentou um coeficiente de Rho de Spearman de 0.396, com um p-value de 0.023, indicando uma relação moderada e estatisticamente significativa, sugerindo que, à medida que os níveis de ansiedade aumentam, há uma tendência correspondente de aumento nos níveis de depressão entre os participantes do estudo. A subescala de Ansiedade, por sua vez, correlacionou-se com a Escala DSM-V (Ansiedade), apresentando um Rho de Spearman de 0.680 e um p-value inferior a 0.001, assim como a subescala de Depressão (HADS) correlacionou-se com a Escala DSM-V (Depressão), apresentando um Rho de Spearman de 0.341 e um p-value de 0.052, que sugere uma correlação forte entre essas duas medidas de ansiedade e depressão, destacando o poder da avaliação do constructo.

Figura 1

Análise de Regressão Rho de Spearman para Ansiedade e Depressão

Nota. Jamovi (Version 2.5).

Discussão

O presente estudo realizou um mapeamento do perfil e da frequência de sintomas neuropsiquiátricos e alterações neurocognitivas em pacientes pós-Acidente Vascular Encefálico, analisando a correlação entre esses fatores. O AVE é uma das principais causas de ­incapacidade e mortalidade em todo o mundo. A compreensão dos fatores prognósticos e dos aspectos transdiagnósticos é crucial para melhorar o manejo e os resultados dos pacientes. A depressão pós-AVE é uma condição frequentemente documentada na literatura, com implicações diretas na recuperação funcional e na qualidade de vida dos pacientes (Mu et al., 2024). Estudos indicam que a depressão pode aumentar o risco de morte por AVE em até 3,5 vezes e está associada a um pior desempenho em reabilitação (Alloush et al., 2020; Sy et al., 2019).

O enfoque transdiagnóstico tem se mostrado uma abordagem promissora na compreensão e no manejo das semelhanças nos déficits cognitivos e nas necessidades de reabilitação entre diferentes condições psiquiátricas. Este modelo, conforme discutido por Fernandes (2023), permite que intervenções sejam aplicadas a múltiplas sintomatologias, reconhecendo a manifestação compartilhada dos sintomas psiquiátricos. A abordagem transdiagnóstica é essencial para o desenvolvimento de estratégias de reabilitação que não apenas abordam os sintomas específicos de um transtorno, mas também considerem as interações entre diferentes sintomas, refletindo a complexidade das condições mentais contemporâneas (Fernandes, 2023). Essa perspectiva é essencial para desenvolver estratégias de reabilitação que não apenas abordem os sintomas específicos de um transtorno, mas também considerem as interações entre diferentes sintomas, diante dos resultados multifacetados da presente análise. Essa abordagem é corroborada por Ferreira et al. (2017), que destacam que tanto as intervenções idiográficas quanto as abordagens transdiagnósticas questionam a lógica tradicional de tratamento baseado em protocolos específicos para cada síndrome, promovendo uma organização mais flexível e adaptativa das evidências clínicas.

Em um contexto hospitalar, a prevalência de ansiedade e depressão entre pacientes que sofreram um AVE é uma preocupação que não deve ser considerada secundária, assim como a correlação apresentada no presente estudo entre a subescala de Ansiedade e a subescala de Depressão (Rho = 0.396, p = 0.023) reflete achados semelhantes à literatura (Zhou & Kulick, 2023), que revelam a hospitalização como um fator estressante que contribui para o aumento dos sintomas de ansiedade e depressão. Além disso, no estudo de Rafsten et al. (2018), a prevalência de ansiedade foi particularmente alta em ambientes hospitalares (29,5%) e nas primeiras duas semanas após o AVE (36,7%), sugerindo que pelo menos 1 em cada 3 pacientes apresenta sintomas ansiosos. No entanto, havia informações insuficientes no que diz respeito à ansiedade ser relatada como uma consequência do AVE ou se os pacientes já tinham um histórico de ansiedade antes do evento, com apenas três estudos investigando essa questão. Em contraste, a presente pesquisa fornece dados que preenchem essa lacuna identificada na investigação, revelando que 81,8% dos pacientes não apresentavam transtornos mentais anteriores à lesão.

A inter-relação entre sintomas psiquiátricos, como depressão e ansiedade, tem sido um tema recorrente na literatura, especialmente em contextos de reabilitação cognitiva (Jahn et al., 2021). Adicionalmente, a pesquisa de Rafsten et al. (2018) investiga a associação entre metacognição e sintomas de humor pós-AVE, sugerindo que a presença de sintomas depressivos pode estar interligada a outros sintomas psiquiátricos. Essa inter-relação é corroborada pela análise de regressão do presente estudo, que revelou associações entre diversas variáveis psiquiátricas, conforme medido pela Escala do DSM-V. A correlação forte entre a escala de depressão e a de ansiedade (Rho de Spearman de 0.680, p < .001) indica que o aumento dos sintomas de um pode estar associado ao aumento dos sintomas do outro, reforçando a ideia de que os sintomas psiquiátricos não ocorrem isoladamente, mas sim em um contexto interconectado.

Os sintomas somáticos, relatados por 30,3% dos pacientes, são altamente relevantes, pois podem estar interligados à percepção de dor e desconforto físico, condições frequentemente observadas em pacientes pós-AVE. A presença desses sintomas pode agravar ainda mais o quadro clínico, instaurando um ciclo vicioso de sofrimento emocional e físico (Silva et al., 2022; Cai et al., 2019).

No que tange aos aspectos sociodemográficos da população estudada, McCurley et al. (2019) ressaltam a importância de uma abordagem personalizada no tratamento de pacientes pós-AVE, considerando suas características individuais para aprimorar os resultados clínicos e a qualidade de vida. Mesmo diante de resultados descritivos que não apresentam correlação com as demais variáveis do estudo, a necessidade de individualizar e integralizar o cuidado é essencial nesse contexto, tendo em vista as variabilidades individuais e as demandas específicas de cada paciente. Com relação aos aspectos clínicos, Kalaria et al. (2016) discutem a relação entre o tipo de AVE e o comprometimento cognitivo, evidenciando que a maioria dos pacientes com AVE isquêmico apresenta déficits cognitivos. Essa observação torna o perfil clínico da extensão da lesão, conforme identificado na análise realizada, consistente com a literatura, na qual 63,6% dos pacientes foram relatados como afetados por AVE isquêmico.

A evocação tardia, conforme avaliada pelo MoCA-B – com 36.4% dos pacientes não conseguindo evocar nenhuma informação –, é um aspecto crucial na avaliação da função cognitiva em pacientes que sofreram AVE. Dados indicam que uma porcentagem significativa dos pacientes apresenta comprometimento cognitivo, com estudos mostrando que até 36,4% dos pacientes não conseguem recordar nenhuma das cinco palavras apresentadas, sugerindo um comprometimento cognitivo considerável (El Husseini et al., 2023; Huang et al., 2022). A capacidade de evocação tardia é frequentemente associada a déficits na memória e pode ser um indicador de comprometimento cognitivo mais amplo, que é uma complicação comum após um AVE (El Husseini et al., 2023; Huang et al., 2022). A deterioração cognitiva pós-AVE pode afetar a qualidade de vida e a recuperação funcional dos pacientes, tornando a avaliação cognitiva uma parte essencial do manejo clínico (El Husseini et al., 2023; Huang et al., 2022; Medeiros et al., 2020). Além disso, a presença de déficits na evocação tardia pode estar relacionada a fatores como depressão e ansiedade, que são frequentemente comórbidos em pacientes pós-AVE, exacerbando ainda mais a dificuldade de recuperação (Rafsten et al., 2018; Mu, 2023).

Nos estudos de Einstad et al. (2021) e Kalaria et al. (2016), destaca-se a inter-relação entre os prejuízos cognitivos, com ênfase nas funções executivas, atenção e memória. Einstad et al. (2021) ressaltam que a disfunção executiva é um dos comprometimentos mais frequentemente observados nessa população, corroborando os dados apresentados, nos quais 48,5% dos pacientes obtiveram pontuação zero. Além disso, os achados de Kalaria et al. (2016) reforçam essa perspectiva, sugerindo que a patologia vascular está intimamente associada a déficits cognitivos, incluindo prejuízos na atenção e na memória. Além disso, a literatura nacional também aponta para a prevalência de déficits cognitivos em pacientes que ­sofreram AVE. Um estudo conduzido por Daltro (2018) revelou que a maioria dos sobreviventes de AVE apresenta comprometimentos cognitivos, afetando diretamente sua capacidade de realizar atividades da vida diária (AVDs). Além disso, os achados de De Almeida et al. (2022) destacaram que os déficits cognitivos em pacientes pós-AVE não se limitam apenas à memória e atenção, mas também incluem dificuldades nas funções executivas, como planejamento e organização, que são essenciais para a realização de tarefas cotidianas. Esses déficits se refletem na amostra do presente estudo, em que 51,5% dos pacientes apresentaram comprometimento na atenção e 36,4% não conseguiram evocar nenhuma informação, evidenciando, assim, déficits na memória, em específico a evocação tardia. Ademais, artigo de Han et al. (2024) fornece uma análise sobre os mecanismos neurais subjacentes envolvidos no processamento da linguagem, destacando pacientes com afasia pós-AVE; a pesquisa enfatiza que, nas fases iniciais da recuperação, o recrutamento das áreas homólogas de linguagem no hemisfério direito desempenha um papel essencial, especialmente em pacientes com lesões maiores no hemisfério esquerdo. Esse recrutamento é transitório e funciona como um mecanismo compensatório, até que o hemisfério esquerdo possa reassumir sua dominância na rede de linguagem.

A alta prevalência do AVE no Brasil é corroborada por Silva et al. (2022), que destacam que o AVE é uma das principais causas de morbimortalidade no país, com dados epidemiológicos indicando que o Brasil apresenta a maior taxa de mortalidade por AVE na América Latina. Além disso, a pesquisa de Goulart et al. (2023) aponta que a prevalência de AVE está relacionada a fatores como idade avançada, sexo masculino e etnia branca, refletindo as disparidades sociais e de saúde presentes no Brasil, que são multifacetadas e refletem uma combinação de fatores demográficos, econômicos e culturais. Tais características foram representadas no presente estudo, em que a amostra incluiu uma predominância de pacientes do sexo masculino (57,6%) e uma proporção de indivíduos da etnia branca (45,5%).

Os achados do presente estudo, que não encontraram associações entre variáveis sociodemográficas e clínicas e o perfil cognitivo dos participantes, fornecem dados consistentes com a literatura, a qual sugere que, apesar das variações nas características dos pacientes, as associações entre as variáveis clínicas e sociodemográficas podem não ser estatisticamente significativas em alguns contextos. A exemplificar, uma revisão de escopo realizada por El Husseini et al. (2023) discute que o comprometimento cognitivo pós-AVE é influenciado por uma variedade de fatores, incluindo a idade, a presença de doenças vasculares e a carga de lesão cerebral, mas que a relação entre fatores sociodemográficos e o perfil cognitivo pode ser complexa e não linear. Assim, embora as características dos pacientes forneçam uma descrição importante da população, elas não se traduzem em associações diretas com o desempenho cognitivo, mas se traduzem diretamente com a qualidade do cuidado.

Conclusão

A análise dos sintomas neuropsiquiátricos e das alterações cognitivas em pacientes pós- AVE revela a complexidade e a inter-relação entre a depressão, a ansiedade e o comprometimento cognitivo. A evidência de que esses fatores impactam a recuperação funcional e a qualidade de vida dos pacientes destaca a necessidade de abordagens personalizadas no tratamento. A amostra, embora representativa, pode não ser suficientemente ampla para permitir generalizações robustas sobre a população de pacientes com AVE em diferentes contextos. Além disso, a natureza transversal da pesquisa limita a capacidade de observar a evolução dos sintomas ao longo do tempo, o que poderia fornecer uma compreensão mais aprofundada sobre a dinâmica das sequelas neuropsiquiátricas. A inclusão de variáveis adicionais, como suporte social, também poderia enriquecer a análise e contribuir para um entendimento mais abrangente das interações entre os fatores que afetam a recuperação dos pacientes. Portanto, futuras pesquisas devem considerar essas limitações e buscar abordagens longitudinais e amostras mais diversificadas para aprofundar a compreensão das complexas relações entre os sintomas neuropsiquiátricos e a recuperação funcional após o AVE.

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Recebido em: 12/09/2024
Última revisão: 09/01/2025

Aceite final: 12/02/2025

Sobre os autores:

Joana d’Arc Oliveira de Mendonça: [Autora para contato]. Graduanda em Psicologia pela Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS). Membro do Comitê Jovem da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp) nos Grupos de Trabalho de Envelhecimento e Neuropsicologia Hospitalar. E-mail: joanadarc.mendonca@hotmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6406-4116

Saulo Henrique Campello de Freitas: Graduado em Psicologia pela Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS). Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) E-mail: saulohenrique15@outlook.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8074-5007

Larissa Monteiro Lopes de Oliveira: Pós-graduanda em Neuropsicologia Clínica pelo Instituto de Neuropsicologia Aplicada (INAP). Pós-graduanda em Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) pelo Centro Brasileiro De Ciência Comportamental Contextual (CECONTE). Graduada em Psicologia pela Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS). Psicóloga clínica. E-mail: larissa.m.l@hotmail.com, Orcid: https://orcid.org/0009-0004-6286-8793

Paulo Cesar dos Santos Gomes: Doutorando em Saúde Integral pelo Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP). Mestre Profissional em Psicologia da Saúde pela Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS). Pós-graduado em Neuropsicologia pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI). Docente de Psicologia na FPS. E-mail: gomescesar17@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3365-4081

Leopoldo Nelson Fernandes Barbosa:  Doutor em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com estágio ­pós-doutoral em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Coordenador do Mestrado Profissional em Psicologia da Saúde da Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS). Colaborador do programa de pós-graduação stricto sensu do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP) e supervisor do núcleo de saúde mental do IMIP. E-mail: leopoldo@fps.edu.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0856-8915

Maria Beatriz Nascimento Bezerra: Graduanda em Medicina pela Faculdade Pernambucana de Saúde. E-mail: bnasciment@outlook.com, ORCID: https://orcid.org/0009-0006-8503-947

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v1i1.2999

Dossiê: Avanços e Desafios da Avaliação Psicológica