Mães acompanhantes de crianças cardiopatas: repercussões emocionais durante a hospitalização
Accompanying mothers of children with heart disease: emotional repercussions during hospitalization
Madres acompañantes de niños con cardiopatía: repercusiones emocionales durante la hospitalización
Thiago Leite Pavão1
Universidade do Estado do Pará (UEPA)
Fundação Pública Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FPHCGV)
Tatiana Carvalho de Montalvão
Fundação Pública Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FPHCGV)
Resumo
A hospitalização infantil gera mudanças na rotina de vida da criança e seus familiares. Diante desse contexto, objetivou-se compreender e identificar as repercussões emocionais em mães acompanhantes de crianças cardiopatas hospitalizadas. Como método, foi realizado um estudo qualitativo por meio de entrevistas semiestruturadas, o qual contou com a participação de seis mães, sendo utilizada a Análise de Conteúdo para estudo dos dados obtidos. Identificou-se que as mães apresentaram diversas reações subjetivas ao longo da internação, tais como medo, tristeza, estresse, ansiedade, impotência, angústia, solidão e culpa. Além disso, demonstraram como mecanismos de enfrentamento a espiritualidade e a religiosidade. Diante dessas demandas, o psicólogo pode atuar junto à equipe multiprofissional, proporcionando uma assistência humanizada.
Palavras-chave: Mães acompanhantes; Hospitalização; Cardiopatia; Repercussões Emocionais; Enfrentamento.
Abstract
The child hospitalization generates changes in the child’s life routine and their families. In this context, this study aimed to understand and identify the emotional repercussions accompanying mothers of hospitalized children with heart disease. As a method, we conducted a qualitative study using semi-structured interviews, six mothers participated, being used content analysis to study the data obtained. It was found that the mothers had different subjective reactions along the hospitalization, such as fear, sadness, stress, anxiety, helplessness, distress, loneliness and guilt. Moreover, demonstrated as coping mechanisms spirituality and religiosity. Before these demands, the psychologist can work with the team multidisciplinary, providing a humane treatment.
Key words: Mothers companions; Hospitalization; Heart Disease; Emotional Impact; Coping.
Resumen
La hospitalización infantil engendra cambios en la rutina de la vida del niño y de sus familias. Delante de este contexto, el presente trabajo tiene como objetivo comprender e identificar las repercusiones emocionales en madres acompañantes de niños con cardiopatía hospitalizados. Como método, fue realizado un estudio cualitativo por medio de entrevistas semiestructuradas, con la participación de seis madres, y utilizado el análisis de contenido para estudio de los datos obtenidos. Se identificó que las madres presentaran diferentes reacciones subjetivas durante la hospitalización, tales como miedo, tristeza, estrés, ansiedad, angustia, soledad y culpa. Además, demostraron como mecanismos del enfrentamiento la espiritualidad y la religiosidad. Delante de estas demandas, el psicólogo puede actuar junto a la equipo multiprofesional, proporcionando una asistencia humanizada.
Palabras-clave: Madres acompañantes; Hospitalización; Enfermedades del corazón; Repercusiones emocionales; Enfrentamiento.
O presente estudo visa compreender quais as repercussões emocionais de mães acompanhantes de crianças cardiopatas em um hospital de referência na região norte do Brasil. O interesse pela temática surgiu a partir da prática como psicólogo no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Cardiovascular (RMSC), pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), na Clínica Pediátrica (CP) da Fundação Pública Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FPHCGV), na cidade de Belém, capital do Estado do Pará.
Segundo revisão integrativa realizada por Albuquerque, Morais, Macedo, Vieira e Souza (2013), no que se refere à produção científica em revistas eletrônicas quanto à temática da “família e a criança hospitalizada”, não houve publicações das regiões nordeste, centro-oeste e norte identificadas entre os anos de 1999 a 2011. Diante desse contexto, objetivou-se identificar e desvelar quais os sentimentos e emoções das mães no período de hospitalização junto à criança, e assim, através dos seus relatos, compreender as suas vivências, sendo que não se teve pretensão de esgotar as prováveis discussões e reflexões quanto ao tema, mas de fomentar e ampliar estudos na área da psicologia da saúde e psicologia hospitalar na Amazônia, tendo como foco a subjetividade das participantes.
Na Psicologia há muitos construtos teóricos e filosóficos no entendimento da subjetividade. As repercussões emocionais no processo de escuta das mães basearam-se nas relações de contingências, mediante as circunstâncias vivenciadas no processo de hospitalização, ou seja, pela análise do comportamento, em que se entende que os sentimentos e as emoções são construídos de acordo com a história de vida de cada indivíduo na relação com o ambiente, seja ele físico e/ou social (Darwich & Tourinho, 2005). A exposição direta ou indireta à experiência do adoecimento gera repercussões nos âmbitos de natureza física, social e psicológica. O adoecer e a hospitalização repercutem imensamente no grupo familiar, alterando sua dinâmica e funcionamento habitual, redistribuindo os papéis de seus membros, gerando um desequilíbrio e adaptação à nova rotina imposta a favor da recuperação do indivíduo doente nesse momento de crise (Dórea, 2010).
No hospital, observa-se que o aspecto biológico tem um lugar determinado e legitimado, pois manifesta alguma disfunção: a doença (Lustosa, 2007). Os potenciais fatores de riscos para o adoecimento, especificamente, as Anomalias Congênitas (AC), têm ganhado proporções alarmantes. Só no Brasil, configura-se como segunda causa de morte entre menores de um ano, equivalente a 19,3% dos casos (Polita, Ferrari, Moraes, Sant’anna, & Tacla, 2013). Tais fatores contribuem com as estatísticas de que 10 em cada 1.000 recém-nascidos vivos apresentem cardiopatia congênita, sendo que 1/3 poderá precisar de cirurgia (Bertoletti, Marx, Hattge Junior, & Pellanda, 2014). As cardiopatias congênitas são as mais frequentes e aumentam o risco de morte se não tiverem os cuidados necessários precocemente, pois a criança pode ter déficit de desenvolvimento físico, o qual influencia na qualidade de vida (Bastos, Araújo, Frota, & Caetano, 2013).
Culturalmente, o coração é carregado de conteúdos simbólicos como a dualidade vida e morte. Isso intensifica o impacto para as mães de filhos cardiopatas, pois repercute no imaginário delas sobre o diagnóstico, tratamento e as consequências da doença, podendo acarretar sentimentos de impotência e frustração diante uma perda, a do filho saudável, pois passam a conviver com as incertezas sobre o futuro da criança (Doréa & Lopes, 2010).
No caso de hospitalização infantil, sobrepõem-se mudanças significativas dentro e fora do contexto hospitalar, configurando-se como dispositivo de cuidados especializados (Carnier, Rodrigues, & Padovani, 2012). A criança hospitalizada, no que concerne à manutenção dos vínculos e cuidados junto aos responsáveis, tem amparo no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sendo que o Art. 12, diz que: “os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsáveis, nos casos de internação de criança ou adolescente” (BRASIL, 2008).
O cuidado dispensado à criança é responsabilidade da família da qual faz parte, porém um dos membros pode assumir o papel de cuidador principal, participando de forma mais próxima do cuidado, vivenciando as condições do tratamento (Colesante, Gomes, Morais, & Collet, 2015). Esse papel é atribuído a quem realiza suporte integral e se responsabiliza pelo cuidar nas diversas ações e tarefas, sendo realizadas normalmente pela mãe da criança internada (Knobel, 2008).
Na maioria das internações, é a mãe quem acompanha a criança, seja por uma questão afetiva, nutricional, cultural ou legal. Rocha e Zagonel (2009) estudaram um grupo com dez mães acompanhantes de filhos com cardiopatia e afirmam que elas se “internam” com seu filho semelhante a um “paciente”, pois compartilham seu sofrimento, doam-se e abrem mão de suas necessidades em prol de sua recuperação. Já Silva, Sampaio, Ferreira e Ximenes Neto (2010) realizaram a escuta de 10 mães acompanhantes de crianças, com objetivo de conhecer seus sentimentos no cotidiano do hospital. Os resultados apontaram que as mães sofrem pelo adoecimento e pela desestruturação de suas vidas, seja quanto ao trabalho, à família, amigos, seja quanto a projetos de vida.
Como cuidadora principal nesse processo de hospitalização do filho cardiopata, a mãe se depara com uma rotina exaustiva, o que gera angústia frente à espera de realização de procedimentos e intervenções, somando-se a isso, ter que lidar com seus medos, incluindo o da morte do filho, o que nunca é fácil de lidar (Salgado, Lamy, Nina, Melo, Filho, & Nina, 2011), bem como com reações associadas a essa perda de forma significativa, caracterizando o processo de luto simbólico. O luto acontece com sentido individual, frente à situação de vida diferente em decorrência da perda de alguém ou algo muito valorizado, sem retorno ao que era antes. Para Monteiro, Reis, Quintana e Mendes (2015), ainda há um silêncio, no campo da saúde, ao lidar com a morte nos hospitais. Kovács (2005) reflete sobre algumas dimensões do tema morte, e morrer, como parte do processo do desenvolvimento humano, visto como erro ou fracasso, gera dúvidas e angústias envolvendo a elaboração do luto diante da percepção inevitável de que a morte é irreversível. A autora referiu ainda que entrar em contato com experiências dolorosas pode gerar processos psíquicos de negação mediante constatação da finitude e da vulnerabilidade que envolve o adoecimento e a vida do ser humano.
Assim sendo, as demandas em que o psicólogo pode se inserir pressupõem um raciocínio clínico e interventivo no psíquico e, conforme Chiattone (2011), a psicologia no contexto hospitalar trabalha as diversas demandas subjetivas no âmbito da saúde, visando minimizar sofrimento. Por conseguinte, a psicologia pediátrica auxilia no atendimento da criança e sua família, utilizando como estratégia o lúdico como um acesso à sua vivência. Esse acompanhamento das crianças hospitalizadas é peculiar, uma vez que elas estão em processo de desenvolvimento físico, mental e social, tendo que lidar com infortúnios provenientes de seu adoecimento e internação.
Na cardiopediatria, o psicólogo trabalha em parceria com a família e/ou responsável no enfrentamento das condições adversas, bem como no controle sentimentos (medo, ansiedade, tristeza, desamparo, agressividade, irritabilidade etc.) frente à nova realidade, favorecendo um tratamento e uma preparação de forma menos traumática, mediante a compreensão e tornando-os coparticipativos no processo de hospitalização, contudo ele não pretende obter conformidade e passividade, mas sim uma melhor adaptação através de apoio, suporte, consciência de sentimentos e na reorganização dos papéis dos membros do grupo familiar (Moreira, 2014). Além disso, a assistência sobre o adoecer e a hospitalização apresenta resultados satisfatórios quando há intervenção através de uma equipe multiprofissional com base no saber biopsicossocial e pela atuação interdisciplinar de acordo com a política de humanização (Altamira, 2011).
Assim sendo, promovem-se ações integradas, respeitando limites e práticas de cada agente no processo do cuidado ao usuário e seus familiares. Sabe-se que ser acolhida, em suas angústias e compreendida em seu sofrimento, faz a mãe enfrentar a hospitalização de forma mais adaptada, colaborativa e disponível (Peres & Lopes, 2012).
Estudo realizado por Augusto, Santos, Lôbo, Pinto, Carleial e Lúca, (2010), com 30 familiares cuidadores de crianças em processo de internação, concluiu que a comunicação de um determinado diagnóstico pode gerar altos níveis de ansiedade e/ou depressão nesses acompanhantes, aumentando a possibilidade de baixa adesão ao tratamento da criança frente ao entendimento e assimilação das informações. As mães acompanhantes podem vivenciar sentimentos negativos e intensos no decorrer da internação, como insegurança, angústia, medo, impotência, culpa, desamparo, desconfiança, pouca tolerância ao sofrimento da criança, raiva etc. (Chiattone, 2003). À medida que a criança realiza o tratamento, obtendo êxito, os aspectos emocionais como aceitação e esperança são comumente expressados positivamente pelas mães, que tendem a se sentir mais aliviadas ou menos inseguras, e até mais potencialmente preparadas, reagindo aos desafios que o adoecimento da criança lhes impôs (Gomes, Pintanel, Strasburg & Erdmann, 2011).
Diante desse contexto, a religiosidade e a espiritualidade podem aparecer como partes relevantes da orientação e suporte, desde que tenham funções mediadoras, adaptativas e representativas quanto aos pensamentos, sentimentos e comportamentos frente aos desafios da hospitalização como evento adverso. Consequentemente, as questões aversivas do tratamento são minimizadas, bem como surge a esperança na cura da patologia acometida, servindo de recurso no momento de crise (Rabelo, Silva, Guedes, Ponte, & Silva, 2012). Além disso, são conceitos usados como sinônimos, mas diferenciados em suas definições, pois a Religiosidade é a crença na força divina ou sobrenatural que possa estar acima de tudo, ligada a uma doutrina; contudo, a Espiritualidade se traduz pela filosofia oriunda de comportamentos como a esperança, amor e fé, cheios de significados de transcendência pessoal (Rivany, Ferreira, Reis, & Rocha, 2010).
Para Aldwin (citado em Duarte e Wanderley, 2011), a literatura sobre enfrentamento demonstra o desenvolvimento de estudos com foco na compreensão das estratégias utilizadas para lidar com fatores associados às patologias, como cardiopatias, diabetes, artrites reumatoides, câncer, entre outras. Assim sendo, o processo de enfrentamento da hospitalização pelas mães depende de múltiplos fatores circunstanciais, tais como a percepção dos fatos, o modo de encarar as mudanças, de lidar com o afastamento de casa e de outros filhos, a pressão externa e interna, conflitos ou enfraquecimento da relação conjugal, a nova dieta imposta pelo ambiente hospitalar e a adaptação à rotina permeada por muitas regras (Gomes et al., 2011). De acordo com Freitas e Spirandelli Marques (2011), tais conceitos quando presentes nos discursos de pacientes e familiares, revelam seu modo de ser no mundo, suas crenças e como direcionam os sentidos produzidos na sua subjetividade, na tentativa de ressignificá-las quanto ao enfrentamento da hospitalização.
Além desses mecanismos, Teixeira (2013), em sua revisão de literatura, encontrou recursos e estratégias de enfrentamento chamadas coping, as quais são intervenções que visam à diminuição do estresse através da resolução e/ou minimização dos problemas. A autora refere ainda que há diferenças entre os conceitos de estratégias e recursos: “recursos de coping são de cunho mais social e material e estão focados mais na solução do problema em si. Já as estratégias de coping são formas que os indivíduos encontram para adaptar-se e passar por circunstâncias diversas”.
Mediante essas considerações, fica evidenciada a importância de compreender as repercussões emocionais das mães acompanhantes no processo de internação, haja vista que isso poderá favorecer uma assistência mais humanizada pela equipe assistente, e ainda, auxiliar no trabalho do psicólogo quanto às demandas do paciente e seus familiares.
Metodologia
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, em que é possível investigar o campo da subjetividade e do simbolismo nas relações humanas, aproximando sujeito e objeto como fenômenos e significados da mesma natureza (Minayo & Sanches, 1993). Assim sendo, os fenômenos revelados pelos sujeitos da pesquisa são compreendidos com base na singularidade dos aspectos individuais e coletivos dos sentidos atribuídos às suas vivências, ou seja, são carregados de significados e representações (Turato, 2005).
A pesquisa se desenvolveu na clínica pediátrica da Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FHCGV), nos meses de maio a junho de 2015. Sua aplicação aconteceu mediante autorização do Comitê de Ética em Pesquisa Científica com Seres Humanos do Serviço de Graduação e Pós-Graduação e Pesquisa (SEGRAP) da instituição, sob o Parecer de nº 1.000.329, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi elaborado conforme Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde do Brasil.
Logo depois, realizou-se o contato com as mães acompanhantes da clínica pediátrica, porém somente seis contemplavam os critérios de seleção referente ao tempo mínimo de quinze dias consecutivos de internação, idade igual ou maior que dezoito anos e aceitação voluntária para participar da pesquisa mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semiestruturadas compostas de sete perguntas elaboradas pelos autores e aconteceram individualmente, com dias e horários diferentes, para que as participantes ficassem sozinhas com o pesquisador, garantindo o sigilo das informações. Utilizou-se da gravação do áudio e, posteriormente, da transcrição para compreensão de seu conteúdo. A letra “M” é referente às mães entrevistadas, e em sequência varia da participante M1 à M6.
A análise dos dados seguiu o modelo de Análise de Conteúdo descrita por Bardin (1977), na qual a autora desenvolveu uma forma de leitura e compreensão da realidade, descrevendo a metodologia e princípios de funcionamento, mediante um conjunto de técnicas de análise das comunicações, as quais estão voltadas ao discurso dos participantes, de forma sistematizada, descrevendo e categorizando as análises do conteúdo das entrevistas. Dessa forma, foi utilizada, como forma de análise e interpretação das informações das entrevistas, a leitura flutuante do material, visando desvelar e compreender minuciosamente os temas emergentes. Para tanto, deu-se seguimento em distintas fases: 1) A Pré-análise; 2) A exploração do material; 3) O tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Na pré-análise, houve operacionalização e sistematização dos dados, bem como o desenvolvimento de hipóteses e objetivos.
Na sequência, iniciou-se a organização e concretização das análises das categorias encontradas, correlacionadas de forma sistemática com as interpretações, mediante os aspectos teóricos já mencionados quanto à Psicologia Hospitalar, bem como das mães acompanhantes de crianças cardiopatas hospitalizadas. Os resultados das interpretações e reflexões quanto às informações coletadas foram organizados em três categorias, conforme apresentado: A hospitalização e as repercussões emocionais; A ausência da família: a distância física e emocional; Convivendo com a cardiopatia da criança: recursos de enfrentamento.
Resultados e Discussão
A Hospitalização e as Repercussões Emocionais
A hospitalização envolve uma situação complexa às mães, principalmente, quanto ao tratamento cirúrgico de alto risco, como é o caso das cirurgias cardíacas em crianças. No hospital, a internação do filho gera sentimentos de tristeza e desespero para a mãe acompanhante, devido a lidar em muitos momentos com o desconhecido, seja o lugar ou as pessoas, bem como estar longe de casa e dos seus familiares (Figueiredo, Gomes, Pennafort, Monteiro, & Figueiredo, 2013). Essas alterações emocionais e comportamentais são de importância significativa ao trabalho do psicólogo, já que ele poderá auxiliar as mães na dificuldade em lidar com possíveis consequências da hospitalização, como a impaciência, irritabilidade, o descaso ou zelo excessivo para com o(a) filho(a), o desgaste com o cônjuge e outros familiares e conflitos com a equipe multiprofissional.
Segundo Schneider e Medeiros (2011), a hospitalização da criança pode gerar um constante estado de tensão na mãe tanto pelo risco da patologia, quanto pela distância da família e necessidade de assumir o papel de cuidadora principal. Os relatos das mães acompanhantes de crianças cardiopatas hospitalizadas revelam o estresse e o medo de perder o filho, de maneira expressiva. O grau de complexidade dos tratamentos e procedimentos invasivos frente à gravidade da cardiopatia repercutiu emocionalmente nas mães. Estas, mobilizadas pelo sofrimento representado pelo medo da morte do filho.
Desde que a minha filha adoeceu tenho sorriso, mas não é aquele sorriso assim de amor... ‘meus Deus minha filha está dormindo e amanhã pode acontecer alguma coisa, minha filha pode morrer.(M1)
A gente pensa assim, o coração é o órgão principal... parou, acabou. Desde que descobri, sempre tive aquela preocupação, muito medo. (M4)
Eu sinto muita tristeza. Muita tristeza... eu não quero perder minha filha. (M5)
A morte é para muitas pessoas um assunto restrito, oculto nas entrelinhas, pois assusta ter que falar da finitude, geradora de ansiedade. O luto não começa necessariamente quando o paciente está morrendo, mas quando sinalizado o tratamento e prognóstico desfavoráveis, há também uma perspectiva futura limitada da vida da criança decorrente da gravidade da doença, caracterizando o luto antecipatório. A vivência do luto antecipatório está ligada, ainda, ao processo de elaboração e assimilação das perdas, reais e/ou simbólicas, como do ‘filho saudável’, relacionadas a reações como a negação do diagnóstico e/ou tratamentos, que podem se intensificar no processo de internação hospitalar (Quintana, Wottrich, Camargo, Cherer & Ries, 2011). A compreensão da formação das relações afetivas entre a criança e os pais, bem como do vínculo familiar constituído em torno do adoecimento, pode se configurar positivamente e favorecer um suporte a esse momento delicado (Gaino, Flauzino, Silva, & Teixeira, 2012).
Outros sentimentos identificados foram impotência, tristeza, ansiedade e angústia diante da rotina e da terapêutica sofrida pelos filhos. Novamente, o controle limitado sobre a doença e vida do filho apareceu nas entrelinhas de forma oculta, tendo a morte tangencial a tais sentimentos. Assim sendo, segundo Salgado et al. (2011), tais repercussões demonstram os limites da mãe na assistência ao filho diante da situação da crise, pois, dentro do hospital, ele depende também das intervenções técnicas da equipe multiprofissional.
Ribeiro e Madeira (2006), afirmam que “a mãe é tão ligada a esse corpo [dor, sofrimento, finitude] que refere sentir nela as sensações externadas por ele e se desespera” (p. 46), tal afirmativa traz consigo a representação do corpo doente da criança que gerou nas mães o sentimento e expressões de angústia, medo, apreensão e tristeza, bem como reflete a sensibilidade diante do processo de adaptação à hospitalização, tendo que lidar além da responsabilidade pela vida do filho, também com a sua dor. Vejamos os relatos:
Porque cada agulhada que ela pega eu sinto junto com ela. (M2)
Agente acaba ficando com aquela angústia que guarda só para si... e aí, o que a gente pode fazer é só chorar de noite. (M3)
Na primeira noite, vieram furar ela, querendo pegar a veia arterial dela e não conseguiram. E ela chorava, chorava... Passei a noite toda chorando sozinha. (M4)
Então, você olha lá para trás para ver que tudo que tu passou, para chegar até aqui e não resolver nada, é angustiante. (M5)
Outro aspecto emocional revelado, em menor frequência, mas que tem grande relevância quanto ao estado emocional das mães, foi o de culpa. Tal aspecto emocional é carregado de pensamentos recorrentes de situações anteriores e questionam-se quanto à doença como uma punição e/ou pelo cuidado dispensado outrora de forma pouco eficiente. Nesse sentido, de acordo com Ribeiro e Madeira (2006), “o passado renasce à mente como um presente difícil, abrindo uma lacuna na existência” (p. 46). Vejamos os relatos:
Meu Deus do céu! ‘será que foi alguma coisa que eu fiz no passado e o que Senhor tá cobrando agora com a minha filha?’. Tipo uma coisa que eu tenha feito e Deus cobrando na minha filha; por que ela nasceu com problema de coração? (M1)
Às vezes eu me pergunto... ‘pode ser até um castigo (...), E aí eu me sinto culpada também, pelo fato da minha filha ser assim, porque como ela não recebeu atendimento logo cedo, os órgãos dela foram ficando comprometido. Às vezes ela está no meio das pessoas, eles começam a ‘mangar’ dos dedinhos dela, isso me chateia muito, aborrece (fala emocionada, chorosa), aí eu me sinto culpada dela ter ficado assim (Choro). (M3)
A ausência da Família: a Distância Física e Emocional
Schneider e Medeiros (2011) afirmam que, para as mães acompanhantes, as mudanças na rotina de vida pelo adoecimento da criança fazem com que elas tenham que se adaptar ou se ‘desfazer’ de vários papéis e funções sociais, como ‘esposa’, ‘filha’, ‘trabalhadora’, ‘amiga’, entre outros, em prol de ser ‘cuidadora’ de uma criança internada.
As mães acompanhantes desta pesquisa relataram, de forma significativa, que a partir da hospitalização deixaram de estar próximo à família, e que tal distância estava para além das fronteiras físicas, atingindo-lhes o lado afetivo e emocional. De acordo com Pedroso e Motta (2010, p. 637), o fator socioeconômico e o cuidado com outros filhos são aspectos que se evidenciam como estressores, à medida que influenciam no equilíbrio da organização familiar nas suas necessidades de sustentação, tanto a renda diminui, quanto os custos aumentam em decorrência da hospitalização. Isso fica evidenciado nos relatos a seguir:
Eu não posso trabalhar, não posso sair deixar ela só, porque ela pode passar mal, sabendo que ela pode sentir alguma coisa e correndo para médico. É assim. A minha vida é assim. (M1)
Ficar longe dos meus filhos, lógico... mas eu aí pensei ‘todos eles estão bom’, só ela que nasceu com esse problema. Eles estão bem, e a minha mãe cuida deles. (M2)
Mudou que agora eu dou mais atenção para minha filha, antes de eu descobrir [a cardiopatia] só trabalhava, deixava eles com a minha mãe e só trabalhava (...), eu não recebo visita, às vezes me aborrece e, como eu tenho outros filhos, eu fico com saudade (...), às vezes a gente fica deprimida. Eu não sou daqui e estou longe de todos meus familiares. (M3)
Na rotina... mudou a questão do trabalho, como eu trabalho com vendas, trabalho com catálogos, produtos como perfume, maquiagem, essas coisas... agora meu marido e minhas filhas estão na casa do meu pai. (M4)
Eu nunca tinha ficado longe da minha família esse tanto de tempo. Eu não tenho visita e me viro sozinha aqui com a minha filha, mas é uma coisa que a gente tem que suportar (...), Vivi aquela solidão sozinha, não posso viver a minha vida porque eu tenho um compromisso, e não é todo mundo que aceita isso. (M5)
Mudou assim... a forma de tratar meu outro filho, né, de estar próximo dele e deixar que ele pense que não dei mais carinho para ele, só para ela. (M6)
Essa dinâmica acarreta certa exigência à mãe no papel de acompanhante e cuidadora durante a hospitalização, gerando também quadros reativos de angústia, estresse e tristeza, sensação de perda de liberdade devido ao cansaço e/ou ao tempo de internação, tendo que lidar com os adiamentos e cancelamentos dos procedimentos de rotina, bem como a distância dos outros filhos. Para Altamira (2011), a distância dos outros filhos é fator que pode produzir sentimentos confusos, pois a mãe magoa-se entre querer estar acompanhando o filho doente e não poder assistir os outros. As alterações na rotina hospitalar configuram-se também como acréscimo de novas responsabilidades às mães. Percebe-se que, quando uma rede social/ou familiar é inexistente ou insuficiente, aumenta a dificuldade de retomada da organização da família (Dórea, 2010).
Tais aspectos podem se intensificar, à medida que o processo de hospitalização for prolongado, tendo como consequência direta a sobrecarga do familiar cuidador devido a lidar com a responsabilidade total sobre os cuidados necessários à criança (Beuter, Brondani, Szareski, Cordeiro, & Roso, 2012). Nesse sentido, Salgado et al. (2011) afirmam que esses fatores dificultam padrões de comportamentos adaptativos ao ambiente hospitalar, contribuindo para o aparecimento de emoções e sentimentos negativos. Os relatos a seguir exemplificam essas afirmativas:
Já tem dois meses que a gente está aqui, e dia treze de maio vai fazer três meses que estamos aqui. (M1)
Olha... Logo no começo eu sentia muita tristeza. (M2)
Estou aqui há um mês e duas semanas, sendo a segunda internação. Já faz dois anos de tratamento. Eu acho complicado (...), estressante... Porque já estamos aqui há muito tempo. Eu não recebo visita, às vezes me aborrece e, como eu tenho outros filhos, eu fico com saudade. (M3)
Não estava lá para cuidar dele [outro filho] e ainda tava estressada, quando a gente fica, fica aborrecida, tudo aborrece, inclusive minha filha [internada] (...), o sentimento de abandono pela minha família, às vezes não recebo nenhuma ligação deles e eu, às vezes eu choro que só à noite... (voz embargada) é complicado para mim. (M3)
Então, dá aquele medo, uma sensação.... E quando que cheguei aqui, eu ouvi muito aquelas notícias ‘ah! Fulana morreu semana passada, na outra semana morreu outra criança’ e, em seguida, na semana que eu estava aqui morreu outra criança, a qual a gente viu e conviveu um pouquinho. Isso foi muito difícil, foi muito difícil porque... foi um sentimento assim de perda. Eu pensei alguns momentos que eu poderia perder ela. (M4)
Então, o que me deixa triste é essa falta de apoio dele [pai biológico] porque a criança não é só minha. Isso não sai da minha cabeça. (M5).
Olha... aqui assim eu me sinto agoniada pela espera. Já estou aqui praticamente três meses, vai fazer dia quatorze. Então, eu esperava que fosse ser mais rápido, né? Eu vim para cá achando que eu ia fazer o exame hoje e ir embora amanhã. (M6)
Algumas participantes (M3, M5, M6) pouco contaram com o apoio de outros familiares para acompanhar o paciente no hospital, vivenciando momentos de insegurança e tensão. Assim sendo, pode-se se pensar que tais aspectos se intensificam mais ainda durante o processo de hospitalização, pois a mãe tem que lidar não só com o filho hospitalizado, mas com outras questões a sua volta. Gaino et al. (2012), referem que é comum as mães não estarem preparadas para lidar com mudanças físicas, sociais e psicológicas envolvendo o diagnóstico de doença crônica e, ainda, com momentos que oscilem mediante as incertezas do presente e do futuro próximo. Diante das dificuldades e adversidades referentes à sobrecarga sofrida nesse período de acompanhamento, as mães buscam formas de lidar com esse dia a dia, na esperança e expectativa de resolver o problema que as mantém no hospital junto com seus filhos, bem como o desejo de retomar os planos e às atividades que anteriormente exerciam. No entanto há crianças cardiopatas que necessitam de mais de um procedimento cirúrgico, acarretando repetidas internações ao longo da vida.
Para Oliveira e Angelo (2000), outras realidades podem ser vivenciadas, por exemplo, à medida que problema de saúde da criança caminha para uma resolução, a mãe torna-se mais confiante e esperançosa quanto ao sucesso do tratamento. Percebeu-se nas participantes o desejo da cura e resolução total da doença mediante o tratamento disponibilizado. Como referido abaixo:
Eu espero que ela fique boa. Os médicos já falaram assim: ‘ela não vai ficar boa, ela nasceu com um problema no coração dela, mas vai melhorar a saúde dela’. Só que assim eu deixo ela levar a vida dela normal. (M2)
Isso é o meu maior desejo, que minha filha fique totalmente curada. (M3)
Procuro sempre pensar ‘é assim mesmo, uma hora eu vou estar lá [em casa] com a minha filha, a gente vai sair daqui [hospital]. (M4)
Pensar e refletir as soluções sobre doença depende também do grau de instrução da mãe, que influencia no entendimento sobre a patologia e o tratamento disponibilizado, bem como dos aspectos emocionais que podem aumentar a adesão ao tratamento e favorecer o desenvolvimento de recursos de enfrentamento, principalmente, quando há prognósticos favoráveis. No entanto salienta-se que o tratamento de crianças cardiopatas é passível de riscos.
Convivendo com a Cardiopatia da Criança: Recursos de Enfrentamento
Gobatto e Araujo (2010) definem que o enfrentamento/coping acontece com uso das funções cognitivo/comportamentais diante de situações e/ou demandas internas no contexto do indivíduo. O processo de hospitalização é uma situação geradora de tensão, sendo necessário acompanhamento e suporte aos envolvidos quanto aos aspectos sociais, emocionais, econômicos, espirituais e religiosos. Assim, o cuidado em saúde compõe-se, em muitas instituições, de forma interdisciplinar, com função de cuidar dos pacientes e familiares de forma integral, ao passo que há diferentes situações e demandas diante da internação (Andrade, 2009). O adoecer exige mecanismos psíquicos de enfrentamento, bem como o papel de acompanhar o doente (Milanesi, Collet, Oliveira, & Vieira, 2006). Teixeira (2013), ao revisar a literatura de enfretamento e processo de hospitalização, identificou que a maioria, entre 21 artigos, mostrava claramente a aparição da temática dos recursos espirituais.
Fato semelhante foi percebido neste estudo. Desvelou-se a religiosidade e a espiritualidade como importante suporte à realidade vivenciada pelas mães em ambiente hospitalar. As questões socioculturais dão vazão para que elas, através das crenças em uma força divina, possam se fortalecer ou minimizar sua fragilidade diante de tamanho sofrimento que é ter um filho doente e com risco de vida, devido à cardiopatia.
Os sentimentos de esperança e fé frente ao problema no coração desenvolveram perspectivas nas mães de que a vida do filho estava em menor risco, visto que a crença em Deus lhes deu o sentido para continuar o tratamento ou mesmo amenizar, momentaneamente, seus medos e fantasias diante da vida e possibilidade da morte (Ribeiro & Madeira, 2006). Nos relatos abaixo, identifica-se o discurso das mães voltado à espiritualidade e à fé, auxiliando e/ou mantendo sua sustentação e coragem para lutar no cotidiano hospitalar.
Graças a Deus, eu tenho certeza que é Deus, senão eu não estaria fortalecida. Já pensou toda vez que eu viesse para cá ficasse chorando, chorando, chorando? (M1)
Eu dou graças a Deus que ele deixou ela comigo até agora. Ela vai fazer a cirurgia. (M2)
Espero que depois que ela faça o procedimento não precise mais fazer outro e que ela fique totalmente curada, se Deus quiser ela vai ficar. (M3)
Seja o que Deus quiser. Eu já estou me preparando para isso [...], Já tem uns três anos. Agora o caso da minha filha é muito mais grave e estou aqui esperando que Deus faça um milagre na vida dela. (M5)
O pensamento que vem é ‘meu Deus será que vai acontecer o mesmo com a minha filha?’. É o pensamento que vem... Pensamento negativo, e é ruim. Sempre procuro me tranquilizar, então eu sempre faço prece a Deus ‘senhor me dê força’, porque só ele para dar força para gente ..., aí tem que se apegar mais com Deus naquele momento de fraqueza, dor, e pedi que te fortaleça mais uma vez, porque se esmorecer é só isso acontece. (M6)
Conforme o relato das mães no papel de cuidadoras, fica evidenciado que a fé e o conforto espiritual em Deus servem como estratégias na manutenção de suas forças para permanecerem no ambiente hospitalar e conseguirem acompanhar seus filhos nesse processo (Figueiredo et al., 2013; Silva et al., 2010). Ainda mais, que as crenças religiosas e espirituais favorecem aos indivíduos um processo de significação, bem como funcionam como respostas às perguntas existenciais que se apresentam frente à doença e hospitalização, o que pode indicar uma tentativa de deslocamento do cuidado para alguém maior (Deus), diante dos limites da intervenção humana (Zani, Silva, & Oliveira, 2015).
Além disso, Camargos (2014) considera que a espiritualidade e a religiosidade, independente do tipo de orientação e crença, como uma das dimensões da subjetividade humana, não podem ser negligenciadas no momento da doença. Dessa forma, é importante que o psicólogo esteja atento aos significados culturais correspondentes na vida do indivíduo, de acordo com o princípio da integralidade. Nesse sentido, Gobatto e Araujo (2010) consideram que utilização de estratégias positivas de enfretamento/coping religioso-espiritual pelas famílias, aumenta as chances de que possam ter maior adesão ao tratamento, acesso a redes de suporte e integração social, busca de sentido/propósito da vida, esperança e redução de sintomas depressivos. Por outro lado, as autoras afirmam, ainda, que a implantação de um modelo integrativo de dimensões biopsicossociais e espirituais (figura do capelão), ainda representa um grande desafio da intervenção em saúde.
Percebeu-se, portanto, que os significados dos aspectos espirituais e religiosos no processo de enfrentamento são entrelaçados pelos hábitos e pela própria cultura das participantes, sendo anterior à hospitalização. Assim, o desvelar desses temas no âmbito do cuidado em saúde pública e Psicologia Hospitalar e da Saúde promove reflexões relevantes sobre os mecanismos da fé e da esperança utilizados pelas mães frente ao tratamento do filho cardiopata.
Considerações Finais
O estudo sugere que há um impacto causado pela hospitalização no cotidiano de todas as mães participantes. Desvelaram-se sentimentos e reações como medo, tristeza, estresse, ansiedade, impotência, angústia, solidão e culpa, associados aos aspectos que giram em torno de temas como a doença, em paralelo, ao luto antecipatório envolto potencialmente ao risco de óbito do filho e ainda às mudanças na rotina, hábitos e costumes dessas mães, por exemplo, a distância de outros filhos. Foi possível compreender que a mãe acompanhante tornou-se fragilizada e sobrecarregada frente ao tratamento, sendo que o apoio social e familiar ocorreu em geral, de forma pouco satisfatória, gerando sentimentos de abandono e solidão, visto que a maioria das famílias era oriunda de outros municípios, com o agravo de terem uma situação socioeconômica precária para dispor de passagens e hospedagens que viabilizassem a visita.
Identificou-se, ainda, que, frente às adversidades do adoecimento e da hospitalização, elas utilizaram a religiosidade/espiritualidade e a fé, como provável mecanismo de enfrentamento na manutenção da esperança no tratamento/cura da cardiopatia, principalmente, como suporte à vida do filho, em oposição à morte. Após as entrevistas, duas crianças evoluíram a óbito na UTI pediátrica, pouco depois de terem sido submetidas à cirurgia cardíaca. As mães receberam da equipe de Psicologia da instituição suporte psicológico no momento do ocorrido.
O estudo possibilitou ao pesquisador perceber tanto os sentimentos e as emoções emanadas pelas mães, quanto os mecanismos de enfrentamento obtidos por estas na luta pela vida de um filho cardiopata. Isso reforça a necessidade do acompanhamento multiprofissional, a fim de oferecer um atendimento humanizado no decorrer da internação para acompanhante como cuidadora e “co-paciente” nesse processo de hospitalização.
As reflexões a partir da temática corroboram com hipóteses sobre contexto de exposição ao ambiente hospitalar, o qual de fato propicia que as mães acompanhantes desenvolvam algumas reações de estresse. Embora este estudo não tivesse a pretensão de avaliar tal fenômeno, os resultados sobre as repercussões emocionais através dos relatos sugerem esse indicativo. Fato esse que foi evidenciado no tempo de espera prolongado em alguns casos no aguardo para realização dos procedimentos de média e alta complexidade, influenciando o tempo de internação e as repercussões emocionais discutidas neste estudo. Nesse sentido, ressalta-se a importância da Ambiência hospitalar como ferramenta da Política Nacional de Humanização (PNH), visto que a organização do espaço físico, social, profissional e de relações interpessoais tem influência na assistência à saúde, cujo objetivo é favorecer e proporciona um serviço acolhedor, resolutivo e humano.
Dessa maneira, torna-se fundamental o trabalho do psicólogo junto às mães: acolhendo, escutando, orientando, favorecendo a expressividade dos significados da sua vivência frente à doença, ou seja, as repercussões emocionais no processo de hospitalização, dando ‘voz’ à subjetividade desta categoria coadjuvante, porém completamente imbuída no processo de tratamento ao filho cardiopata. Sugere-se que possam ser discutidos e desenvolvidos estudos que corroborem para implementação de uma linha de cuidado ao cuidador, respeitando os aspectos culturais e sociais, já que este se apresenta funcionalmente como parte imprescindível no processo de acompanhamento da criança.
Conclui-se, a partir dos relatos das mães acompanhantes, que o adoecimento do filho é um momento de mudanças significativas que repercutem na rotina da vida familiar. Portanto, sabendo-se dos fatores que podem gerar sofrimento, supõe-se que é possível desenvolver mecanismos de prevenção ou minimização de fatores estressores, os quais poderão ser estudados em pesquisas futuras para auxiliar paciente, família e equipe assistente no cuidado em saúde, levando em consideração a subjetividade de cada mãe, no que tange à região norte e suas especificidades socioculturais dentro de um universo de vasta riqueza, tanto nos aspectos materiais, quanto nos saberes populares, porém onde ainda o Poder Público muito precisa avançar e potencializar seus investimentos em saúde e educação se comparado às outras regiões do país, pois somente assim poderemos ter menos perdas e prejuízos relacionados às doenças crônicas pediátricas, que influenciam todos os envolvidos, especialmente as mães acompanhantes de crianças hospitalizadas.
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Recebido: 19/02/2016
Última revisão: 22/04/2016
Aceite final: 29/04/2016
Sobre Autores:
Thiago Leite Pavão – Psicólogo pela Universidade da Amazônia (UNAMA), Especialista em Psicologia da Saúde com ênfase na área Hospitalar, Pós-graduado pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Cardiovascular (Ministério da Saúde/UEPA/FHCGV). E-mail: thipsico@ymail.com
Tatiana Carvalho de Montalvão – Psicóloga, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Pará, Especialista em Psicologia Comportamental e Cognitiva: teoria e aplicação pela USP, Especialista em Psicologia Hospitalar pelo HCFMUSP. Atualmente, na função de psicóloga na FHCGV, atuando em clínica pediátrica com ênfase em cardiopediatria. E-mail: tatimont@ig.com.br
1 Endereço de contato: Trav. Alferes Costa, Hospital de Clínicas Gaspar Vianna, s/n, Pedreira, Belém, Pará., CEP 66087-660. E-mail: thipsico@ymail.com
DOI: http://dx.doi.org/10.20435/2177-093X-2016-v8-n2(06)