Precarização do Trabalho e Prevalência de Transtornos Mentais em Agentes Penitenciários do Estado de Sergipe

Precarious Work and Mental Disorders Prevalence in Correctional agents of the State of Sergipe

El Trabajo precario y los Trastornos Mentales Prevalencia de agentes correccionales del Estado de Sergipe

Deisiane Rodrigues Albuquerque1

Marley Rosana Melo de Araújo

Universidade Federal de Sergipe

Resumo

Os agentes penitenciários podem sofrer pressões decorrentes tanto da organização do trabalho quanto dos fenômenos sociais. Esses fatores provocam um quadro desfavorável ao bom desenvolvimento do trabalho desses profissionais e para a sua saúde. O presente artigo analisou a relação entre precarização do trabalho do agente penitenciário do estado de Sergipe e o desenvolvimento de transtornos mentais comuns (TMCs) decorrentes das condições de trabalho no Complexo Penitenciário Manoel Carvalho Neto (Copemcan), na cidade de São Cristóvão (SE). Foram analisados 25 agentes de segurança, entre 35 e 60 anos de idade, todos do sexo masculino, em que se verificou, por meio do Self Report Questionnaire (SRQ-20) e de entrevistas semiestruturadas, a presença de sinais de TMC, podendo-se considerá-los suscetíveis ao adoecimento.

Palavras-chave: transtornos mentais comuns, precarização do trabalho, agentes de segurança, saúde mental.

Abstract

Prison officers may suffer from pressures resulting from both work organization and social phenomena. These factors cause an unfavorable scenario for these professionals work performance, and for their own health. This article examined the relationship between precarious work conditions of prison officers of the State of Sergipe and the development of common mental disorders (TMCs), in the Penitentiary Manoel Carvalho Neto (COPEMCAN) in São Cristóvão (SE). We analyzed 25 prison officers between 35 and 60 years of age, all males, via Self Report Questionnaire (SRQ- 20) and semistructured interviews. We detected the presence of signs of CMD, which can be considered a susceptibility to illness.

Keywords: common mental disorders; precarious work; prison officers; mental health

Resumen

Los agentes penitenciarios pueden sufrir presiones decurrentes tanto de la organización del trabajo como de los fenómenos sociales. Estos factores provocan un marco desfavorable tanto para el correcto desarrollo del trabajo de estos profesionales como para su propia salud. Este artículo examina la relación entre el trabajo precario del agente penitenciario del Estado de Sergipe y el desarrollo de trastornos mentales comunes (TMCs) decurrentes de las condiciones de trabajo en el Complexo Penitenciário Manoel Carvalho Neto (COPEMCAN) en la ciudad de São Cristóvão (SE). Se analizaron 25 agentes de seguridad, entre 35 y 60 años de edad, todos de sexo masculino, en los que se verificó, a través del Self Report Questionnaire (SRQ- 20) y de entrevistas semiestructuradas, la presencia de señales de TMC, pudiendo considerárseles como propensos a la enfermedad.

Palabras clave: trastornos mentales comunes; trabajo precario; agentes de seguridad; salud mental

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2007), a precarização do trabalho pode provocar problemas de saúde na vida do trabalhador. Entre eles, um dos mais frequentes é o transtorno mental comum (TMC), que compõe problema de Saúde Pública. Esse termo foi criado por Goldberg e Huxley (1993) para designar sintomas como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas que demonstram ruptura do funcionamento normal do indivíduo. A precarização do trabalho pode ocasionar alterações no funcionamento psicológico, que prejudicam o desempenho do individuo na vida familiar, social, pessoal, no trabalho, nos estudos, na compreensão de si e dos outros, na possibilidade de autocrítica, na tolerância aos problemas e na possibilidade de ter prazer na vida em geral.

Estudos realizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2009) mostram prevalência cada vez mais frequente desses transtornos na população que trabalha no sistema carcerário. Há uma necessidade de identificação precoce para que sejam realizadas intervenções. Souza e Minayo (2005) pontuam que, atualmente, o campo de saúde do trabalhador, para ser preciso com a realidade do mundo do trabalho, não pode deixar de pensar nas categorias que atuam na segurança pública, visto que é considerado um dos segmentos mais predispostos a desencadear TMC. De acordo com o Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental, o ambiente e as condições de trabalho têm sido responsáveis pela piora das situações de saúde e pela mudança do perfil epidemiológico de adoecimento dos trabalhadores, com ênfase no aumento das doenças relacionadas ao trabalho e de alguns transtornos mentais, frequentemente encontrados na população adulta em geral, os TMCs. Em decorrência do trabalho, somam-se ou multiplicam-se condições provocadoras ou desencadeadoras de quadros nosológicos, caracterizando-se como importantes problemas de saúde pública (Santos, Araújo, & Oliveira, 2009).

Observou-se que, depois de certo tempo de exercício profissional em ambientes considerados precários, insalubres e perigosos, os funcionários adquirem a nocividade presente nas esferas e no ambiente profissional (Lourenço, L. C., 2010). A precariedade do trabalho tem sido responsável pela piora das condições de saúde. De acordo com Karasek (2005), as demandas se configuram em pressões psicológicas as quais os trabalhadores são submetidos em suas atribuições. Podem originar-se da quantidade de trabalho a executar na unidade de tempo e/ou do descompasso entre as capacidades do trabalhador e o trabalho a executar. Esse é o caso do sistema prisional, que tende a contribuir com mais impacto para o sofrimento psicológico do trabalhador.

Não só os presos sofrem com as péssimas condições de infraestrutura do sistema penitenciário nacional, como é vastamente publicado, mas também os agentes penitenciários. Um estudo realizado pelo Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP) indicou que as pressões sofridas constantemente pelos agentes influenciam a desorganização psicológica. As más condições de trabalho nas penitenciárias, com número insuficiente de trabalhadores dentro das unidades, superlotação das prisões e ausência de equipamentos de segurança, contribuem para o ressentimento dos agentes em relação à dificuldade de modificar o ambiente laboral, o que acaba refletindo na saúde deles (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2010).

Mesmo diante da conjuntura crítica apresentada pela literatura sobre o que é vivenciado pelos agentes do sistema penitenciário, o que se constata é a escassez de abordagens que considerem essa classe trabalhadora. Bonez et al. (2013) alegam que são raros os estudos que se preocupam com a saúde dos agentes responsáveis pela segurança penitenciária. Além disso, observa-se que a centralidade do trabalho tem sido afirmada com frequência, já que é parte fundamental na construção da saúde e da vida e estabelece uma relação com o real (ECCEL et al., 2010). Nota-se, ainda, que a relação com a saúde mental e o trabalho tem sido alvo de debate e reflexões de diversos pesquisadores que revelam a importância de novas reflexões sobre o presente fenômeno aqui estudado (Guimarães, 1992; Lacaz, 1996; Minayo-Gomez & Thedim-Costa, 1997). Assim, este trabalho teve o objetivo de analisar formas de precarização do trabalho e consequências que essa conjuntura provoca à saúde mental de agentes de segurança.

Método

A presente pesquisa possui uma abordagem transversal, descritiva, do tipo quali-quanti. A investigação descritiva observou a caracterização da população ou fenômeno em análise (Figueiredo, 2008), e o estudo transversal abrangeu a coleta de dados em determinado ponto temporal (Polit & Beck, 2011). A pesquisa qualitativa não leva em consideração dados numéricos, mas sim o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização etc. (Goldenberg, 1997), enquanto a quantitativa demanda o uso da quantificação, apropriando-se dos procedimentos estatísticos para quantificar os resultados (Figueiredo, 2008).

Amostra

Participaram do estudo 25 agentes penitenciários, do sexo masculino, concursados pelo estado de Sergipe (SE), integrantes do Complexo Penitenciário Dr. Manoel Carvalho Neto (Copemcan), cuja mediana é de 38 anos de idade, com extremos em 35 e 60 anos (Tabela 1). Desses, 82% mantinham relacionamentos afetivo-conjugais estáveis. Sobre o perfil de formação, 52% dos entrevistados estão cursando uma graduação ou a concluíram. O complexo está localizado na cidade de São Cristóvão (SE), instituição que totalizava 237 funcionários. Todos são agentes penitenciários, porém esse quantitativo está distribuído na unidade entre outras funções, como recursos humanos, portaria, direção e motorista, dentre outros. Desses, apenas 170 atuam como agentes de segurança penitenciária. Os agentes foram convidados a participar da pesquisa dentro do complexo. Foram apresentados os instrumentos da pesquisa e informações acerca do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (CEP-HU/UFS), sob o registro CAAE 15796013.6.0000.5546.

Tabela 1

Perfil dos Agentes Penitenciários entrevistados.

Instrumentos

Foi utilizado, para a coleta de dados, o Self Report Questionnaire (SRQ-20), que é um questionário de identificação de distúrbios psiquiátricos em nível de atenção primária. O instrumento foi desenvolvido por Harding et al. (1980) e validado, no Brasil, por Mari e Williams (1986). É composto de 20 questões, elaboradas para detectar distúrbios “neuróticos”, chamados atualmente de TMC. As respostas são do tipo sim/não. Cada resposta afirmativa pontua com valor 1 para compor o escore final, por meio do somatório desses valores. Tais questões são relacionadas a certas dores e problemas que podem ter incomodado o sujeito nos últimos 30 dias. Se o resultado é > 7 (maior que ou igual a sete respostas SIM), há sofrimento mental.

Coletaram-se, também, dados utilizando uma entrevista semiestruturada, composta de 16 perguntas, sendo seis abertas e dez fechadas. Foram realizadas perguntas como: “Quais as dificuldades que você encontra no local de trabalho?”; “Qual o nível de satisfação na função que você exerce?”; “O cargo que você ocupa provocou alguma alteração na sua saúde?”. A coleta de dados foi realizada com tempo estimado de, aproximadamente, 40 minutos por agente e no próprio local de trabalho. As entrevistas foram realizadas de forma individual, com a autorização prévia dos sujeitos e da direção do complexo penitenciário.

As respostas permitiram identificar formas de precarização do trabalho na unidade analisada, em relação à estrutura física, ao salário, à (in)salubridade, à disponibilidade de equipamentos adequados, como também o perfil do agente penitenciário. Assim, as entrevistas e o Self Report Questionnaire (SRQ-20) possibilitaram analisar a prevalência de TMC nos agentes de segurança.

Análise de Dados

Os dados quantitativos coletados foram analisados em termos de frequência absoluta e percentual em planilha do Microsoft Excel. As entrevistas foram analisadas de acordo com categorias analíticas, precarização do trabalho e TMC, e definidas após sua transcrição e a leitura. Tais categorias foram determinadas com a repetição de temas, procurando-se agrupar e organizar os dados obtidos nas entrevistas. Sendo assim, foi realizada análise de conteúdo como ferramenta para examinar os dados qualitativos, com base na conceituação de Bardin (2006).

Resultados e Discussão

Conjuntura do Complexo Penitenciário

O Copemcan possui um efetivo de 237 agentes de segurança penitenciária, porém, com o estudo, pôde-se perceber um desvio de função com atribuição de tarefas como portaria, motoristas, recursos humanos e direção. Assim, reduziu-se o efetivo para 170 agentes que trabalham no setor de segurança, diretamente com os penitenciários. Atualmente, está custodiado no complexo um quantitativo de 2.660 presos, embora a unidade tenha capacidade de abrigar apenas 800. Nas celas, feitas para comportar oito detentos, encontram-se encarcerados entre 20 e 25 presos. Somente quatro agentes são responsáveis por cada pavilhão, com uma média de 443 presos, sem equipamentos adequados e um efetivo que dê suporte necessário em caso de algum conflito dentro da unidade.

Segundo dados obtidos dos funcionários do presídio, o complexo possui pouco mais de 13 anos de construção e nunca passou por reforma (até fevereiro de 2016). Afirmam, ainda, que a precarização é um dos fatores que mais os preocupam. O presídio possui 12 guaritas, porém, nenhuma delas está ativada. Em decorrência disso, frequentemente são encontrados facas, celulares, bebidas alcoólicas em garrafas pet, entre outros itens, que são arremessados para dentro da unidade por cima do muro, fragilizando ainda mais a segurança do presídio e a dos trabalhadores

Percepção dos Agentes Penitenciários Sobre as Condições de Trabalho no Copemcan

Os agentes entrevistados informaram a falta de condições de trabalho nas unidades prisionais de Sergipe, que não disponibilizam equipamentos de proteção individual (EPIs), equipamentos de segurança, nem cursos de capacitação. Segundo eles, a unidade nunca proporcionou um treinamento sobre ressocialização e como devem atuar dentro da unidade. Segundo o agente 1:

Existe a necessidade que se tenha capacitação, a maioria de nós trabalhamos aqui desde o início da unidade, há 13 anos, e nunca realizaram capacitações, abordando temas como mediação de conflitos, fatores de como agir frente a uma rebelião ou mesmo temas de ressocialização dos internos, coisas assim. Tivemos que aprender tudo no dia-a-dia.

Ao perguntar à categoria profissional quais dificuldades e apreensões podem ser vivenciadas no local de trabalho, o agente 2 respondeu:

Existe uma insegurança, para nós, que trabalhamos em penitenciária, pois o Estado não disponibiliza nem os equipamentos de segurança para amenizar a falta de condições de trabalho que temos. Atuamos sob uma pressão constante, principalmente quando vemos amigos nossos de trabalho sendo feitos de refém e até mortos, como aconteceu em um episódio no ano de 2015 na penitenciária de Glória, SE. Somos como um escudo entre os presos e o Estado. Às vezes, me pergunto o que estou fazendo aqui neste trabalho. Minha família se preocupa comigo, que algo possa me acontecer.

No sistema penitenciário, o trabalhador tem uma ocupação arriscada e estressante, além de ser encarado pela sociedade de maneira negativa e estereotipada. Verificar as condições de trabalho dos agentes penitenciários é fundamental, visto que constitui uma função de bastante empenho e responsabilidade, além de exigir perfil e postura adequados diante dos presos (Ramos & Esper, 2007). Santos (2007) menciona que algumas dificuldades que os funcionários que atuam nessas instituições têm é não conseguir se desligar totalmente, mesmo em dias de folga, em razão de se tratar de um ambiente atípico, convivendo com indivíduos de diversas personalidades e experiências pouco positivas, em um ambiente insalubre e perigoso. Então, as atividades desempenhadas pelos agentes penitenciários, somadas às péssimas condições oferecidas pelo sistema prisional brasileiro, exercem influência tanto na saúde física, quanto no estresse e sofrimento psíquico deles, o que pode ser observado também no presente estudo realizado com os agentes de Sergipe. Segundo Ramos e Esper (2007), essas condições apresentadas, associadas a excesso crônico de trabalho, acabam tornando a profissão ainda mais difícil de ser executada.

Os entrevistados foram questionados se perceberam mudanças de comportamento após terem se tornado agentes penitenciários. A esse respeito, o agente 3 disse:

Trabalho como agente de segurança penitenciária há dez anos. Durante esse período, passei por muitos problemas de saúde e sociais que foram estimulados pelo trabalho que exerço. Tive vários picos de depressão, os quais fizeram com que eu tivesse que me afastar por um tempo da função, fiquei menos tolerante, me irritando com facilidade, sem paciência. Esses problemas afetaram a minha vida familiar. Minha esposa reclamava comigo sempre, falava que eu estava estressado, irritado. É bom destacar que, hoje, ela é minha ex-esposa. No começo, achei que era coisa da cabeça dela, que não estava como ela falou, mas, com o passar do tempo, amigos também perceberam e me falaram e foi aí que, depois de algum tempo, percebi que não era mais o mesmo. Mas já era tarde, já havia perdido minha esposa.

Como se pode observar nos resultados, a precarização do trabalho, gerada pela pressão e falta de estrutura, provoca problemas que se expandem para fora das unidades, afetando a vida deles e a das pessoas que dela fazem parte. Ao indagar aos entrevistados se é necessário acompanhamento psicológico, o agente 4 respondeu:

Existe a necessidade de uma atenção psicológica para nós, agentes penitenciários, como também para nossos familiares. O sistema em que trabalhamos fez com que nos tornássemos, menos pacientes, com restrições de sair para os lugares, com receio que algo possa nos acontecer ou com alguém que gostamos. Dentro da unidade, não possuímos este apoio, e penso que deveria ser algo mais abordado entre nós, até porque muita gente pensa que quem vai para psicólogo e procura ajuda está maluco. Mas eu sei que não é isso. E os colegas que vão para psicólogos têm vergonha de dizer, com receio de críticas ou de serem rotulados.

Segundo informações da direção do complexo prisional, é disponibilizado atendimento psicológico fora da unidade para os agentes penitenciários e sua família na Escola de Gestão Penitenciária de Sergipe  (Egesp). Porém, 28,57% dos agentes mencionaram a necessidade de haver esse tipo de atendimento dentro da unidade, além da divulgação sobre a importância desse acompanhamento, para que se sintam à vontade em procurar atendimento psicológico, eliminando o preconceito existente.

A falta de incentivo e motivação é outro ponto abordado pelos agentes penitenciários. Segundo Ramos e Esper (2007), os agentes sentem-se desmotivados em relação ao trabalho, o que pode estar relacionado às más condições de trabalho, à desvalorização profissional e à carga horária inadequada. A questão da valorização profissional também compõe uma das grandes frustrações dos agentes, em razão da ausência de um plano de cargos e salários que lhes permita uma mudança qualitativa por meio de promoções asseguradas legalmente (Vasconcelos, 2000).

O estudo de A. S. Lourenço (2010) indica que, na percepção dos agentes, as autoridades desconhecem o cotidiano prisional e não valorizam devidamente quem nele trabalha. Uma queixa rotineira, sobretudo de quem está há mais tempo trabalhando no sistema prisional, é que os agentes nunca, ou quase nunca, são ouvidos sobre como a cadeia deveria funcionar, nem sobre o que deveria ser feito para que funcionasse melhor. Vivenciando de perto a cultura da prisão, os agentes afirmam poder conhecer melhor as chances de sucesso, a efetividade e a funcionalidade de certos procedimentos e propostas a serem adotados.

Referente ao seu cotidiano fora da unidade, perguntou-se aos agentes o que faziam no horário de folga. Segue uma sistematização das respostas dos agentes 1, 3, 7, 12 e 23:

Os agentes 1, 3 e 23 afirmaram utilizar as horas de folga para o descanso, porém, os agentes 7 e 12 falaram que, nos dias que não estão de plantão na penitenciária, trabalham em outro lugar, “faz bico”, visto que o salário recebido não supre as necessidades diárias para quem tem uma família.

Mesmo diante de todas as dificuldades e carências encontradas na unidade analisada, pode-se perceber que os agentes penitenciários tentam executar seu trabalho. Ao ­indagá-los sobre como um quantitativo tão baixo consegue manter um complexo penitenciário, com uma situação de superlotação, sem rebeliões e fugas, o agente 6 respondeu: “A gente mantém uma convivência de respeito com eles, para, assim, tentar conseguir desenvolver a rotina da unidade, deixando claras as regras desde sua entrada no presídio”.

A pressão de trabalhar em presídios aumenta com o problema da superlotação e a precarização do sistema prisional. O baixo efetivo foi o ponto mais mencionado por 100% dos agentes entrevistados, seguido da falta de equipamentos de segurança e precarização da unidade referente a problemas na estrutura física, como exemplifica o agente 7: “O caso da iluminação inadequada no período da noite”.

As entrevistas realizadas puderam fornecer todo um conteúdo sobre a conjuntura do trabalho do agente penitenciário. A partir da análise realizada, pode-se considerar a ­precarização a que essa categoria profissional está submetida, como as más condições de trabalho dentro da penitenciária.

Análise da Prevalência de Transtornos Mentais Comuns (TMCs) em Agentes Penitenciários

Julgou-se relevante analisar a prevalência de TMCs desenvolvidos com as atividades desempenhadas pelos agentes penitenciários em condições precárias, em seu trabalho. A relação existente entre o trabalho precarizado e o estado de saúde mental desses trabalhadores tem se confirmado a partir de pesquisas que analisam situações de afastamento em decorrência de adoecimento mental (Silvia, Chaves, & Reis, 2012). O estudo realizado por Bastos, Paixão, Baul e Salles (2013), demonstra que a demanda psicológica dos agentes penitenciários tem sido o principal estressor em razão de sua atividade laboral, podendo contribuir para o aparecimento de sintomas característicos dos TMCs.

O uso do SRQ-20 deu-se na intenção de identificar sintomas e classificar indivíduos suspeitos de apresentarem TMCs, segundo a análise que avaliou a relação entre a precarização do trabalho e o desenvolvimento dos sintomas do TMC, podendo-se pontuá-los entre os quatro fatores que compõem o instrumento SRQ-20 - fator I: humor ansioso e depressivo; fator II: sintomas somáticos; fator III: decréscimo de energia; fator IV: pensamento depressivo. A Tabela 2 exibe os principais sintomas de TMC presentes nos agentes penitenciários analisados.

Tabela 2

Distribuição em termos de frequências absolutas (f) e percentuais (%) quanto aos sintomas mais frequentes de TMCs

Os dados da Tabela 2 exibiram os sete sintomas psicoemocionais mais frequentes apresentados pelos 25 agentes penitenciários entrevistados com o instrumento SRQ-20. Considerando o sintoma mais prevalente, sentir-se nervoso, tenso ou preocupado representou 84% dos casos. A análise constatou um percentual de 68% dos agentes com sete ou mais sintomas de TMC.

Conforme Dejours (1994), quando a capacidade mental e psíquica do indivíduo para aguentar as influências e pressões do trabalho é utilizada ao máximo, o adoecimento dos trabalhadores pode ocorrer, comparecendo na vivência de múltiplos anseios, como inutilidade e incapacidade, medo e insatisfação. O adoecimento no trabalho deve ser ponderado com base no sujeito que sofre e no contexto em que acontece.

O resultado de 68% de agentes penitenciários com presença de TMCs, como comprovou a aplicação do SRQ-20, sugere que a precarização do trabalho é um elemento que vem interferindo na saúde mental destes trabalhadores. A pesquisa possibilitou destacar quatro categorias, a partir das entrevistas: estressores inerentes ao cargo _ 60% abordaram a questão da insegurança; recompensas _ 40% mencionaram o baixo salário; estrutura do local de trabalho _ 92% citaram estrutura física precária e clima organizacional; falta de acompanhamento psicológico _ citada por 12%.

Nota-se a necessidade de compreender os aspectos físicos, psicológicos e sociais dessa categoria, considerando a vulnerabilidade do trabalhador para, assim, manter uma força de trabalho saudável e com o mínimo de riscos ocupacionais. O presente estudo observou que estresse, impaciência, irritabilidade e dificuldades de concentração foram os principais sintomas notados nos resultados obtidos com a aplicação do SRQ-20 nos agentes analisados. Aproximadamente, 84% possuem um ou mais dos sinais citados.

Considerações Finais

A pesquisa analisou formas de precarização do trabalho e consequências que essa conjuntura provoca à saúde mental dos agentes de segurança. A partir das entrevistas, os agentes destacaram as dificuldades enfrentadas diante do trabalho arriscado e as más condições na infraestrutura da unidade. A aplicação do Self Report Questionnaire (SRQ-20) aos 25 agentes de segurança entrevistados obteve um total de 68% com presença de sete ou mais sintomas de TMC, sendo considerados os mais predominantes: sentir-se nervoso, tenso ou preocupado, seguido de dores de cabeça, dormir mal, cansado e sentir-se triste ultimamente, tornando-os vulneráveis ao adoecimento físico e psicológico.

Os sintomas apresentados podem ter relação com a precarização do trabalho desempenhado por essa categoria profissional, por meio da exposição a situações de risco e falta de condições adequadas no cotidiano das atividades desenvolvidas, a exemplo de ausência de equipamentos de segurança, quantitativo de funcionários insatisfatório, superlotação das alas e estrutura física inadequada.

A insegurança e a preocupação no desenvolvimento das funções são constantes, não permitindo que o trabalho seja realizado de forma satisfatória, uma vez que as condições não o possibilitam e, com isso, o estresse, a ansiedade e transtornos como TMCs tornam-se presentes na vida desses trabalhadores.

Os resultados da entrevista semiestruturada e do questionário aplicados aos agentes penitenciários coincidiram com as pesquisas realizadas por Bonez, Dal Moro, e Sehnem (2013) e Reis, Souza, Cardoso, e Brito (2012) , que constataram que os níveis de estresse em agentes penitenciários são elevados, o que tem refletido em doenças de vários tipos, além de implicações negativas sobre o relacionamento familiar.

Foram encontradas limitações em relação a estudos que abordam o agente penitenciário como protagonista de pesquisas, analisando as condições de trabalho da categoria, como também sua saúde mental. Outra limitação encontrada consistiu na periculosidade das entrevistas realizadas, pois foram efetivadas dentro do presídio e, em alguns momentos, ­circulavam presos próximos a uma das autoras. O baixo efetivo de quatro agentes por complexo não tornava o lugar seguro, não só para a autora, que estava lá de forma atípica, mas para os agentes penitenciários também, que têm aquela situação como rotina.

Portanto, os resultados puderam apontar a influência que a precarização do trabalho do agente penitenciário possui na prevalência de TMCs. Não obstante, outras pesquisas deveriam ser realizadas em outros ambientes do sistema prisional brasileiro, para averiguar se essa é uma realidade peculiar da unidade pesquisada, ou se os resultados se aplicam a outros contextos.

Referências

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Recebido: 29/03/2016

Última revisão: 21/06/2017

Aceite final: 22/06/2017

Sobre as autoras:

Deisiane Rodrigues Albuquerque: Assistente Social, Especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial, aluna especial do Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: dayse_r_albuquerque@hotmail.com

Marley Rosana Melo de Araújo: Professora Doutora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: marleymeloaraujo@gmail.com


1 Endereço de contato: Universidade Federal de Sergipe, Av. Marechal Rondon, s/n, Jd. Rosa Elze, São Cristóvão, SE, CEP 49100-000. E-mail: dayse_r_albuquerque@hotmail.com

DOI: http://dx.doi.org/10.20435/v10i1.456